sábado, 16 de maio de 2009

Velho acerto

A casa se destaca num pico de colina franqueado, parece feito por metade de um compasso partido ao meio, uma única janela disposta centralmente, em cruz, não há árvores ao redor, seu piso se estala diretamente no solo trincado, há barulho fino de vento na madeira, vista de longe não parece ter mais de dois quartos, uma cozinha, um varal que se estende até aonde não alcança vista. Ela tem maneiras poligonais e tem uma dimensão apenas. Falta menos de meia hora para amanhecer por totalidade, a coloração é de uma madrugada clara, cinza escura brilhante e opaca. Na janela, um clarão de lamparina no lado direito repercute em intervalos proporcionais. No porão, um recinto gigantesco, de centena de cadeiras, em uma delas do centro um gato velho de cartola e fraque pretos, encardidos, está sentado em sua sala de projeção. Assiste á filmes mudos e musicais. Parece emocionado, bebe uma mistura amarelada clara, fuma uma cigarrilha, funga o nariz. Guarda os rolos de filme numa estante alta, a escada é a maior espiral vista por aqueles lugares. De fora, um animal de quatro se arrasta carregando um tronco de árvore nas costas, amarrado por uma corda, demoradamente. O velho gato liga uma vitrola enferrujada na sala. Depois de raspar, a agulha se acomoda e o som da música é o tique-taque de um relógio, ele senta num grande sófa vermelho. Olha para baixo, afasta os pêlos da pata direita revelando dois orifícios. Liga um cabo de tomada neles. Seus ombros antes tensos, relaxam num largo movimento. Tira a cartola, olha pela janela á sua frente. O animal parece aproximar-se cada vez mais um pouco, sem pressa.