terça-feira, 17 de janeiro de 2006

O objeto

Debruçado sobre ele em madrugadas. Em movimentos, em trajetos de curto espaço de memória ainda me calo. Ainda me calo quando o assunto é ele. Fugiu, piscou, desapareceu. O objeto principal da sala. Se aparecem três policiais na porta, um em especial, então. A minha vida às vezes se resume em sentar, acender o cigarro, deixar a sala cheirando, a fome voltando, a morte esperando, as fezes crescendo, o idiota rolando. A ligação em término se concretizara com um corte de placar dezessete mil novessentos e quarenta e seis contra doze. O doze era culpado. Era culpado. Hei, você é culpado. Eu sei, tá bom, eu sou. Eu sei. A questão de promover o placar, de fazê-lo ser feito, de tentar realizá-lo. Adorar o empate, permanece a mesma idéia, mas sem a aprovação característica. Entendo as dificuldades, mas não percebo as causas aparentes. O desejo. Talvez. Hein, seria o desejo? Não, ás vezes não dá pra acreditar no que é falado. Uma contradição emocional seguida da outra. Termino da sexta seção.
Não existem mais culpas. Eu nunca vi acontecer e não foi por falta de tentativas. Nada me pareceu tão agressivo e medíocre em toda a minha vida. Nada. Apenas frases dispostas de um jeito que originou repulsa. Deixo pra quem tentar, quero distância. Edouard Lalo faria melhor.Saint-Säens faria melhor e Berlioz então, nem se fale. Melhor que os outros dois. O objeto principal da sala, os elementos e a culpa. Tudo fez parte de um caleidoscópio crítico e sincero que me deixou embrutecido. Deveria tratar melhor a cabeça. Tive um professor no colegial que dizia que eu devia tentar o celibato. Coitado, botei fé. Mataria de desgosto o primeiro mestre, tamanha minha explosão egocêntrica. Mas devo esquecer, concentrar-me nos monstros japoneses atrás de mim. O trabalho. A única salvação é a transformação do trabalho. Escrever, pintar, carregar bugigangas do Paraguai, sabe-se lá. Qualquer coisa que fizer, fazer até desgastar a cabeça do cacete. Trabalho, de péssima qualidade, mas trabalho. Às vezes penso se não pode ser uma desculpa. Ler. Ler ajuda. De algum jeito o objeto me ajuda. Reverência e capricho. E o ridículo fato de pedir um bombardeamento de vida ás duas da manhã olhando pro lado, deitado na cama? Maldito caminho. Maldita condição. Falta mais amor e perdão. Agora sim, desencana. Birra e trajeto. Tchau. Beijos.Comunicação? Esquece. Trabalho.

sábado, 14 de janeiro de 2006

Lola

Estou com saudade, Lola. Estou com saudades. A porra das bitucas fedendo o quarto. A merda dos pensamentos e as mesmas frases. A falta de segurança emocional, o desejo de te ver todo minuto, pois você é a única coisa nova de todo o velho. Mostrou o mundo de utopia. A noite, as moradias, os semelhantes, o jantar feito por cinco pessoas de vinte e três anos na média. A cerveja depois disso, a amizade sem compromisso, o apartamento... Tudo isso exala você. Sabor de sonho. Não sei se me remete a essa idéia ou participa dela. Depois de uma chapada de vários elementos distintos, por várias vias, entrar no quarto ás seis horas da manhã quase não conseguindo andar, me controlando para não vomitar e você lá. Deitada na cama com um pequeno espaço minúsculo para eu poder me deitar. E deito. E você acorda e me abraça. E você me beija. E você dorme. E você acorda de novo. E eu durmo. E você dorme. E nós acordamos uma hora depois e transamos. Mesmo com outra pessoa dormindo no quarto. E tomamos banho e dormimos, e deitamos e você com minha camiseta suja de anteontem e você vai embora ás cinco da tarde e esquece os óculos. Você almoça. Você me chama de “lindinho” só pra encher o saco. Você. Você. Você acentua meus defeitos, você me mostra o quanto sou burro, você diz que gosta muito de mim, mas não diz que ama embora dissesse há um tempo. A gente fica um tempo sem se ver. Se vê de novo e você chora. E eu choro. E vou embora. Ando três quarteirões, volto, choramos e tudo fica bem como se fosse máscara forçada. Mas eu não sei. O sabor, o momento, A raiva e inveja que sinto com sua liberdade e intelecto. E a sua naturalidade e o seu desejo. Estou com saudade, Lola. Estou com saudade, Lola. Você chegava a casa nos mesmos dias, ás vezes um dia antes, ficava dois fins de semana, ficava um dia só, mas ficava. Diz estarmos juntos, diz estarmos indiferentes, diz não saber, critica, maltrata, ama, geme. Impede de eu tomar banho contigo e depois toma dois, impede de eu lhe comer, me beija forte, me beija fraco, aperta no corpo, aperta no colo, deita entre minhas pernas enquanto conversa com o amigo gay. Liga tarde. Liga cedo. Não sei mais de nada Lola, não sei mais de nada. Nada. Eu tenho medo. Você dizia ter medo, não dizia ser certo. E ficávamos bêbados juntos comendo brigadeiro temperado, aditivado. E não conseguíamos olhar uns pros outros de tão chapados que estávamos, porque a história era estranha. É estranha. E eu te conheci enquanto dormia. Quase dois anos antes, quando você me acordou com um amigo meu para irmos a uma festa. E eu te olhei. Soube que gostava de Piazzola e eu te desejei. E fomos em dois grupos. E eu te desejei, você ficou com um cara depois de duas horas que eu não tomei a iniciativa e o beijou freneticamente, amassou, empurrou, lambeu. E hoje estamos aqui, ali, comemos lasanha juntos e você diz que gosta muito de mim depois de um mês sem nos vermos. Mas fala isso depois de umas doze horas juntos. Estou com saudade, Lola. Estou com muita saudade.

domingo, 8 de janeiro de 2006

O anão e o palhaço Faustino

Sentado na cama, o palhaço Faustino punha munição em sua arma com o cigarro apagado na boca. Tremendo a mão deixou cair duas balas. Apanhou-as de volta, colocou-as e apontou para o anão pelado arrancado á força do banho. Estavam dentro do trailer do Circo Mascavo.
- Eu vou te matar, anão desgraçado. Vou te matar.
- Fausto, somos amigos á quase trinta anos, não faça isso.
- Amigos? Não me fale essa palavra. Ajoelha. Ajoelha. Quero acertar sua cabeça, filho da puta. Vai, ajoelha.
- calma... Pronto ajoelhei, não faça nenhuma besteira.
- Besteira? Besteira é o que fez comigo, filho da puta. Filho da puta. Quase trinta anos de circo, seu filho da puta. Quase trinta anos!
- Desculpa, Fausto. Desculpe.
- Desculpa? Fausto não. Palhaço Faustino.
- Desculpe, palhaço Faustino.
- Porque fez isso, seu desgraçado? Confiava em você. (deu dois chutes no estômago do anão)
- Calma, Fausto.
- Calma o caralho. (pow, tiro na perna esquerda)
- Ahhhhh.....
(pow, tiro na perna direita)
- Howwwww....
(pow, tiro no ombro direito)
- Gréééé.....
O palhaço pegou a mão direita do anão “Essa mão, que me aprontou... toma.” Deu um tiro nela.
- Huuuu.....
Acendeu o cigarro, abriu a geladeira enquanto o amigo agonizava no chão e pegou duas cervejas. “Toma” Deu uma pro anão. Propôs o brinde, mas o anão cuspiu em seu rosto. “Filho da puta” E chutou o anão na barriga, quando ouviu alguém bater na porta. “Fica quieto, anão desgraçado. Quem pode ter vindo bisbilhotar?” Abriu lentamente e porta e viu Cirilo, o domador de leões acompanhado de metade do circo. “Está tudo bem aí? Ouvimos tiros” “Pow” Deu um tiro na cabeça do domador e entrou. Espanto do povo que saiu correndo. ”Tá vivo ainda, seu filho da puta?” O anão tomava cerveja e chorava sentado em uma poça de sangue. “Virão atrás de você.” O palhaço pegou na mão direita baleada e apertou, gritou no meio do grito “Anão desgraçado, morre!” “Quantos sermões já ouvi de você, palhaço! Quanto coisa aturei pra acabar sendo morto! Posso mijar?” “Mijar, anão desgraçado? Se você conseguir se levantar, pode.” E o anão mijou sentado. “Vou morrer pelado e mijado!” (Íon) Merda. A polícia. Enfiou a cabeça pela porta: “Tenho um refém” Voltou, abriu a geladeira e pegou mais duas cervejas. “Obrigado” “Porque fez isso comigo, anão desgraçado?”, “sabe muito bem que meu nome é Astolfo. Obrigado por me chamar de anão desgraçado na hora da minha morte!” “Toma!” Pow. Um tiro do lado da barriga. “haaaaa!” Os policiais ficaram atentos ao que podia estar acontecendo lá dentro.
- Veja, acabou a munição. Mas eu sou um palhaço precavido, sou, sim senhor, tenho mais quatro balas.
- Pra que mais quatro balas? Vai enfrentar a polícia? Eu já estou morto, mesmo. Questão de tempo. – disse o anão cuspindo sangue.
Toma. “Pow.” Deu um tiro no dedão do pé do anão.
- Anão desgraçado. Morre!
Enfiou a cabeça na janela:
- Vou me entregar, mas quero um padre!
- Quantas pessoas estão com você? Estão mortas, feridas? – um policial gritou.
- Tem três pessoas comigo. Uma está morta, as outras intactas. Traga o padre.
- Calma, vamos providenciar.
“Tá vivo ainda, anão desgraçado traidor?” “Não agüento mais de dor.” O palhaço foi até o espelho e removeu a maquiagem e o nariz de plástico.
- O padre chegou! – Gritaram de fora.
- Tragam ele aqui.
“Olá padre.” “Meu Deus. Esse pobre rapaz! Você o matou! Cadê os outros dois reféns?” “Não existem outros dois reféns e ele não está morto!” “Por enquanto, não estou.”
- Fala, meu filho, por que me chamou?
- Abençoe esse anão maldito, não quero que ele vá pro inferno. Foi um grande amigo meu.
- E você? Acho que é quem mais precisa.
- Não fiz mais do que o certo, padre calhorda. Faça isso agora mesmo.
E fez. Toda a cerimônia pro palhaço que chorou. “Obrigado padre, obrigado.” E deu um tiro na testa do padre que abriu um buraco na parede. Descarregou a arma no anão já morto, saiu, foi algemado e voltou pro circo treze anos depois.

terça-feira, 3 de janeiro de 2006

Entrevista com o dramaturgo Joventino Salgado.

(Trechos baseados na gravação em áudio de 12/09/2005, no edifício Bento Cardoso, residência do autor em São Paulo)


R.B. – Joventino Salgado, doutor em literatura e renomado dramaturgo, quando finalmente irá parar de escrever?
J.S. - Quando esgotar a insensatez de escrever que tenho, não irei escrever mais. Por enquanto, me agrada.
R.B – Seus filhos freqüentam o colégio?
J.S. – Freqüentam por opção. (risos)
R.B. – Você se considera pomposo?
J.S. – Já fui de muito pomposo nesta vida. Acho que ainda o sou. A pompa tem seu valor poético e humano. Minha mediocridade, verossímil e ao mesmo tempo bucólica, de origem paternal baseada nas leis do Karma, comprova isso.
R.B. – Você escreve peças de Teatro, mas iniciou sua carreira como critico literário. O que tirou de proveito para seu trabalho?
J.S. – Nada e um pouco de tudo. (risos)
R.B. – Como assim? (risos)
J.S. – Assim, oras. (risos)
R.B. – O que acha da obra de Sidney Magal que escreveu uma música inspirado em uma peça de sua autoria?
J.S. – Desculpe, não sei do que está falando.
R.B. - Sobre a peça “Desafios de Carmem não vistos por Bizet” estreada em julho do ano passado.
J.S. – Não sabia disso (pigarreia).
R.B. – Qual é sua comida preferida?
J.S. – Risoto de frango.
R.B. – Você foi visto fazendo o popular “bundão” (abaixar as calças e exibir as nádegas) e gritando encima de um fusca no meio da paulista ás três da manha do dia 17 de junho de 2002. Foi um golpe publicitário para sua peça que iria estrear no dia seguinte?
J.S. – Não. Não me lembro bem desse dia, mas sei que não foi essa a idéia.
R.B. – Você possui animais de estimação?
J.S. – Um cachorro de nome “Filo”
R.B. – Existe a possibilidade de uma adaptação da sua peça “Saiu correndo ou pulou da cama?” para um seriado de TV. O que acha sobre isso?
J.S. – Tomara que de certo, só espero que a adaptação seja também genial, digo, seja fiel.
R.B. – (risos) Você costuma consultar a internet?
J.S. – Não.
R.B. – O que acha da rede de computadores?
J.S. – Finjo que não existe. Me sinto melhor.
R.B. – porque?
J.S. – Para não saber que existem tantas pessoas solitárias.
R.B. – Você é solitário?
J.S. – Apenas no sexo (risos)
R.B. – Como assim?
J.S. – Nós estamos nos comunicando?
R.B. – Sim.
J.S. – Como sabe?
R.B. – Bom, eu sei q...
J.S. (interrompendo) – Eu acho que ninguém na Terra se comunica. A uns cem anos, pelo menos. Com licença, terei que convida-lo a se retirar.
R.B. – (risos) Brincadeira, claro..
J.S. – Filo, Filo, pega... pega...