quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Rexona - não te abandona

Sente-se, meu filho, acenda seu cigarro atrás dessa orelhinha, tire esses velhos olhos rasos do chão e diga o quê indiana pode fazer por você - tinha os dedos amarelos, as unhas compridas com matérias negras grudadas por toda a extensão e exalava um forte cheiro de jasmim e tabaco velho - Sabe o que é, minha senhora, fico meio constrangido, me sinto meio ridículo, algo assim, assim – cruzava as pernas quase caindo, balançando os tendões dos dedos, desejando não ter mãos para não pensar aonde pôr repouso - Fica não, senta aqui e diga quais coisas das que te atormentam veio saber – sentou como que obrigado, resmungando e fez em emenda - Olha, minha empregada mandou-me vir aqui, acho isso coisa de mulher, mas vá lá, estou sendo perseguido, por todos os cantos, minha mulher, coisa da minha ex-esposa, coisa de meu patrão e toda mais a porcaria que valha, aquelas coisas de sempre, essa crise de não saber o quê quero da vida, de querer tudo que não quero depois – deu uma pausa, acertou uma mosca no ar - Veja, meu filho, o feminismo profana falecido entre a justiça, o plano material é cego em fontes tortuosas, pois os arcanos aqui dizem que se um fruto exterminasse suas entranhas nesse momento desviasse que por sá algum outro planeta em sua existência, de nada valeria ela e seus inúteis esforços, então, como de costume, tirarei essas sortes, e quantos pontos existem dentre destas centenas, saberei – escarrou na tigela lambida, coçou o nariz – Esse é o baralho – São constituídas de 78 arcanos divididos em dois grupos, os maiores e os menores, os maiores revelam os estados latentes das idéias e os menores são a chave pra compreensão do todo, há vários jogos de combinações diferentes que podem ser feitos, mas eu já conheço o seu. Aqui vai a primeira, diabo, arcano quinze. Começo bem. Fique calmo menino, que eu não compartilho a idéia de que uma carta sozinha é simplesmente positiva ou negativa, tema, prováveis obstáculos, prováveis facilidades. Nove de copas, dez de copas. Hum... Percebo que o consulente está na verdade focado com a preocupação no seu relacionamento extraconjugal, visto o tema se contrapor as prováveis facilidades, assinalado pelo casamento que li no dez de copas. A sua aflição está no que me escondia, no que não podia ser conhecido pela sociedade, visto através da lâmina do Diabo que se mostrava como “obstáculo”, pois o Diabo apareceu representando tanto o medo de ser descoberto por sua segunda relação amorosa, quanto à própria ação em si de infidelidade, pois tinha vergonha de assumir ou se exibir como o parceiro que trai. Agora me diga sobre essa outra mulher. Na verdade senhora, trata-se de outro homem, digo, um homem. – Toda a agonia desgraçada ia naquele olhar de piedade, humildade, olhos radiosos de primo de tronco de coronel – Indectivel e remissora destra, levanta e vá ter com esse homem, é preciso ser cismador de hábil patrulha, meu filho. Sua vida depende dela. Faça essas três receitas: Tomar chá de erva cidreira em jejum. Raiz de malva em jejum com quitoco e ortemisia. Fazer de tudo isso chá e tomar. Um. Conseguir uma menininha de cinco anos. Faça entrar debaixo da mesa e repetir três vezes o nome da pessoa ausente. Para fazer esta receita as melhores horas são 6:00, 8:00 e 12:00. Dois. Pegue um bombom, desenrole e passe no seu corpo nu e envolva-o de novo. Dê para a pessoa comer. Três. Volte aqui amanhã, filho meu. – Saiu caminhando, jurando habilidade pra prender um facínora criminoso no colo. Num canto da vitrine um livro lhe chamou a atenção, parecia-lhe conhecer aquela alma daninha, queria a guerra, pois a teria com todo o seu cortejo de infelicidade, devia precatar-se daí por diante, como a procurar os vestígios do crime hediondo, como quando apertava a garganta de sua prima na infância, vilipendiada, encarregando de tratá-la depois com suas beberagens, todavia, a chave do problema residia precisamente na doutrina das vidas múltiplas, e quando pegou do livro, tentou lembrar o quê estava fazendo, não lembrando foi comprar gargalhadas estentóricas, de um típico bonachão arrebolado.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Se os tristonhos ousam contentes sem os avarentos, os mesmos que dizem das dores saber seus tormentos, e que ainda assim julgarem o saber padecer sem gritos nas suas curtas e desenfreadas veredas, jorram em cada canto da boca, uns nos outros, como águas de perdidos jardins de solitário pavor, descortinando abismos esfacelados, urbanos, enlameando tempos aos olhares de pássaros suntuosos, mas descolorados, cortando o ar como contornassem almas, refletidos de modo lacônico, repassados secretamente no cheiro de beleza do campo, e se essas mesmas pessoas disserem que se os tristonhos ousam contentes sem os avarentos, talvez um passo seja o suficiente na mera pista da realidade.

domingo, 9 de dezembro de 2007

conto n.61

Grande chefe, você consegue me ouvir quando eu te chamo? Pois você somente fala “é isso”, continuo o trabalho, quem me dera ser um grande chefe , tomar um pouco de água, olhar pro relógio e ouvir alguém dizer: grande chefe, você consegue me ouvir quando eu te chamo? O quê é certo nos detalhes, não consegue ouvir se falta luz no capacete, se falta uma geladinha no almoço, grande chefe, eu vou chegando em casa dando tapas na face da gorda puta deitada na cama, cale sua boca, vagabunda e prepare um café na minha bermuda. Mas como é deleitoso calarte a boca, sentado aqui na décima quinta cerveja, batendo cartão, mandando como louco, fumar causou câncer de pulmão. Umas das idéias era mudar de endereço novamente como uma besta que quer mudar as palas, transferi-las com certo repúdio ventrenício, numa avaliação histórica de vidas medíocres que passam pela minha frente não tantas quanta a minha, em debate público, carro do governo, dando acenos virando Orestes Quércia. Tudo bem, patrão, me perdoe, vi um capacete louco certa vez numa loja e tratei-me de adiantar as desculpas. Foderam-se todos, eu fiquei pra maldita importância, mas mulher, agora me diga, qual o problema com você. Mais que caralho mulher, qual é o problema com você? O quê você quer de mim, caralho? Caralho? Talvez você vire só um clarão instantâneo de memória no clarão entre meus dedos ao acender um cigarro, e só, mas, mesmo assim, que merda mulher, o quê você quer de mim? Que eu me foda? Se for isso, entre na fila, por favor. A senha é ali. Espere um pedaço de veia pulsando, pois na hora que chegar, estarei cagando. Como sempre.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Casualidade

Os olhos do caboclo estalaram-se. Seus pêlos ouriçaram. Suas mãos tremeram. Uma gota de suor escorreu. Um frio percorreu a espinha. Levou uma azeitona calibre nove no meio da cara. Tudo em menos de dez segundos. O executor saiu caminhando. Levava o cano da espingarda apoiado no ombro. Sorria.

Entrou na padaria. Olharam assustados. Pediu um sonho para a primeira atendente. Ela correu. Os poucos clientes também. A segunda atendente o viu. Foi reconhecido pela ex-mulher. Atirou pro alto. Mandou fecharem as portas.

Hora Primeira

As portas são fechadas. Fabiana desesperadamente diz que o ama. Ele levanta a arma alguns minutos. Os vizinhos percebem algo estranho. A polícia chega ao local. O patrão tenta convencê-lo após entender que não se trata de um roubo. O telefone toca algumas vezes. O telefone é desligado. A TV é ligada. Silva fica em silêncio. Assiste alguns minutos. Desliga. Silêncio.

Hora Segunda

Fabiana começa a ter um choro convulsionado. Momento de ira. Silva interfere lembrando a autoridade. O patrão pede pra sair. É negado. Fabiana tenta dialogar. Silva ouve sem responder. A TV é ligada novamente. Nela vê-se a imagem da entrada da padaria. Silva come.

Hora terceira

Os policias tentam dialogar. Os dois reféns apenas dizem que estão bem. Silva pronuncia as primeiras palavras direcionadas á ex-mulher. Sermões de como destruir uma vida. Ela chora e diz que o ama. Ele sorri. Pela décima quinta vez o patrão pede para ser liberado. Primeiro ataque de ira de Silva. A televisão é destruída. A polícia ameaça entrar. Silva impõe autoridade.

Hora quarta

Silva pede para fazer sexo com Fabiana. O patrão assiste por pedidos do seqüestrador. Silva come. O patrão é liberado. Primeiro diálogo direto com os policiais. Exige um barco de pesca, um maço de cigarros e um helicóptero. Silva dispara palavras para a ex-mulher. Surra-a psicologicamente. A filha em comum serve de pretexto. Não verá ela crescer e nada mais. Como será a morte e tal.

Hora quinta

Silva chora pela primeira vez e Fabiana tenta abraça-lo. É empurrada contra a parede e chacoalhada. Silva vira um litro de leite. Engasga. Grita palavrões batendo na porta. A polícia interfere. Quebra alguns móveis. Interferência falada da polícia. Fabiana antecipa-se dizendo que tudo corre bem. Silva diz que pretende se entregar, mas antes quer um padre.

Hora sexta

São escutados tiros. A polícia arromba e chega invadindo. Dois corpos no chão. Um morto na hora. Outro á caminho do hospital.