sábado, 23 de junho de 2007

Vazia

Não consegui abrir o livro, tampouco redigir o epítome para o prazo, um excesso de amor e a morte da miserável tinham-me esgotado e ainda sentia a rugosidade da córnea quando ao toque dela me permiti. Após a cópula, levantando-se, ela parecia afogueada (encontrava-se, então, pessimamente despida) e num ai final, amoleceu, caiu num baque de lençol silencioso ficando como um babilisco úmido. Os olhos abertos. Toquei um deles e fiz movimentos circulares. Existe certo mimo do olho sobre a pele e que é de uma doçura cavalar, produz um som de brontope, como um berro de gado afogado. Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de probabilidades. Estava morta. Meu Deus, Fernanda, como falar? Como? Como conseguiria falar, alastrando pensamentos sobre seu ventre frio, seu novo cadáver... Como falar, então, da beleza, dessa beleza acriançada e pura da simplicidade da renda em tecido, da onda única e forte do mar, das estrelas no pasto, do teu rosto na tarde? Quando senti nos dedos seus olhos abertos, em ti não os havia mais. Olhei para a lâmpada no teto. Luz, olhos, luz, olhos, luz... Estacam a pontada ceando, me compreende vagamente o que podia estar me ocorrendo, que me valia cortar as vestes como um carneiro ao retirar a lã? (No vento se levara vãs palavras, na lucidez, apenas murmúrios). De uma redoma falsidade, das menores, garantia que em tanto se bifurca facilmente, de todas as maneiras, pois se de antemão se prevê a lã da provável falsidade, basta tentar eleger, beber, entre eu e meu mijo desnudo de tanta pompa que acena. E, claro, beber é o mais difícil.
O sêmen que escorria de suas coxas era a benta, a unção de meu gesto final em que alguns vendedores de calos que lêem, acabam comprando gritos nas esquinas, uns formados de hexoses (os gritos que vão curvando a cerviz), alguns anelantes, como santos de cenas de rua que acabam com todos. Certos, antes de morrer, pensaram confusamente que toda aquela criação era lotada de vermes. Agora está lá, Fernanda, entre eles e talvez observe as reflexões que me passam á caneta, com uma palmada e um desalento. A situação, o todo, o todo me empurra numa multidão que um fósforo presumiria em sua natureza: um futuro de penas. Mas você só olha, vômito de olhos, e não mais participa. Esta noite há mãos negras deixando um cerne sovado, lixado nos ouvidos do fumo em um caiaque que a sangria pelara, há o cimento que um cego coloca na construção da personalidade, há um bosque de autismos radiando o quarto, moendo a bandeja do ar com grandes doses de laxante. Nelas, está vazia a noite, como um capeta de navio que desconfia das estrelas.

terça-feira, 19 de junho de 2007

O Cuco

- Ao desmontar um relógio para dar corda, não perceba que no fundo dele está a morte, porque senão não fará o trabalho com êxito. – disse-me o vendedor de origem nipônica, cego como um jabuti e sorrindo.
Odeio quando Matilde pede-me para realizar compras. Gosto de ficar em casa, lendo jornal, vendo TV, comendo biscoito, resmungando sozinho. E não foi pra minha surpresa que hoje de manhã ouvi a megera gritar:
- Alfredo, seu vagabundo, fica aí sem fazer merda nenhuma, vai comprar um relógio que o nosso quebrou faz uma semana, e a gente precisa.
Precisando pra quê? Pra saber hora de novela? Pra saber a hora que o banco fecha para retirarmos minha aposentadoria que mal dá pras compras de mercado do mês e a puta ainda quer ir à manicure, pedicure, enfim, esse lixo todo?
- Vou levar esse mesmo. De cuco.
- Sim, são quinhentos reais.
- Quinhentos reais? Cacete...
- Sabe como é senhor, cucos são caros.

...

Chegando em minha casa pego dois de meus maços baratos, ponho de uma só vez no bolso, com certa força e desprezo, jogo o cuco embrulhado no colo da puta e saio na rua. Há poucas diversões para um sujeito de sessenta anos nas ruas da cidade de São Paulo. Desço no metrô, pego a Rua Pará no bairro da Consolação e é justamente caminhando nela que encontro um velho amigo, Agenor.
- Agenor!
- Estou mal, Alfredo, mal mesmo. Operei da hérnia de disco. Dói que é um inferno.
- Imagino. Mas fazendo o que por aqui?
- Indo pra casa da comadre Marinha.
Agenor sempre me faz rir...
- Fazer o quê lá?
- Fazer? Comer a velha, lógico.
Fazia tempo que eu não ouvia saber de trepar, aliás, tinha esquecido á um bom tempo o que era isso, a uns quinze anos, talvez. Pensei na velha e voltei. Não via motivo de não fazê-lo. A encontrei estirada na sala. Banha para cima, a blusa amarela desbotada cobrindo só um terço da sua barriga, roncando no sofá. Era realmente muito feia, e se já era quando nova, hoje então... Tem um mar de gelatina gordurosa nas coxas que mais se assemelham a um doce com pedaços de frutas estragado, um hálito de túmulo aberto depois de muito tempo, putrefato, um peso que nem três pedreiros baianos, robustos suportam por muito tempo e uns seios que mais parecem duas jacas esmigalhadas por uma carroça. Tiro sua calça, meia-calça e calcinha para sua surpresa. Ela acorda e ri, ainda não acreditando no que eu fizera. O cheiro que aparece aos poucos de suas carnes, depois ganhando mais força, lembra muito uma mistura de leite podre e manteiga, realçada ainda mais quando finalmente penetro sem nenhuma dificuldade; parece uma gruta a maldita, seus pêlos ardem a cabeça do meu pau e sua vagina é viscosa, úmida e morna, e geme grave e nasalmente, como se estivesse roncando ainda. Tento afastar esses pensamentos e consigo gozar, quase ao mesmo tempo, como que um chamado da mais entranhada natureza, como um grito de socorro de minha alma, despertado somente através daquele ato repulsivo, me sinto tomado por um ímpeto maldito de pegar meu velho Taurus 38 de encima do armário.
- aonde você vai, benhê?
- já volto.

...

Estou com sessenta e sete anos. Morro logo. Se morrer com oitenta, noventa ou mais, foda-se, vou estar cagando nas calças sem perceber mesmo, e movido por esse cometimento e pela repulsiva gozada que passara, mas como se não levasse meus pés comigo mesmo, fui até o meu antigo trabalho, na 25 de março, da onde me aposentei faz uns quinze anos. Subi para o décimo primeiro andar, numa antiga e tradicional corretora e sentei como um simples cliente, sem ser reconhecido.
- Pois não, posso ajudá-lo?
- Pode, mas aposto que vais falar que não.
- Como?
- Quero um empréstimo de cinco mil.
- Mas senhor.. aqui não tra... – viu que eu levantei bruscamente e levantou-se também.
- Cinco mil. – disse apontando o trinta e oito para as bolas do sujeito.
- Um minuto.
- Meio minuto! – gritei atirando. Ficou deitado no chão com as mãos no saco, gritando que eu era um desgraçado, repetidamente. Sentei de cócoras ao lado do sujeito, lambi a ponta do revólver e enfiei em seu ouvido, dando dois tiros. A moça na mesa ao lado estava branca, sem reação.
- Você, vagabunda, venha aqui – minhas mãos estavam sujas de sangue, minha roupa respingada. – Chupa – e tirei meu pau para fora, seborrento e mole, como um bom pau de um senhor de sessenta anos. Ela continuava imóvel. Mirei para sua cara e atirei. Pegou na parede, a uns dez centímetros de seu rosto. Ela gritou e veio chorando. – Se morder eu te mato – e com o 38 eu movimentava a sua cabeça para frente e para trás.
Alguém abriu a porta e viu a cena. Fitei e atirei, nem vi quem era. Pow. Direto na cabeça. Vacilou um pouco e caiu. No susto a vadia mordeu meu pau.
- Filha da puta! O que eu te falei. Vai, abre a boca.
- Não, por favor... Eu tenho filhos...
- Abre. Chupa o cano da pistola, chupa. – oferecia o revólver.
Começou a chupar chorando e tremendo. Quando achei que o revólver estava babado o suficiente, disparei. Mesmo agonizando no chão, seu corpo ainda estava quente. Meu pau já estava duro devido á chupada e comecei a penetrá-la. Primeiro dificilmente, pois estava seca e apertada, mas com força consegui entrar e conforme o movimento alguns líquidos ajudaram a lubrificação, como o sangue das minhas mãos e o suor de minha virilha. Gozei alguns segundos depois que a mesma dera o último suspiro. Refiz-me e desci o elevador com uns pacotes na mão, disfarçando as sangrias. Na rua, joguei o caixote no chão e saí caminhando, misturado á multidão. Cheguei em casa, a megera dormindo novamente. Tomei um banho rápido, fui até o quarto, pelado, carreguei o revolver, coloquei uma roupa e saí, tinha outras coisas a acertar. Vão ver gritar meu canhão! – falei estendendo a mão direita para cima, afinal, a base de qualquer revólver é a mesma que a dos antigos canhões, em que uma bola de ferro é arremessada com a explosão da pólvora dentro de um tubo.

...


Anoitecera. Cheguei na casa amarela, de boas grades, porem já enferrujadas, e de jardim extenso, onde um cachorro magro, que não mete medo nem em carteiro cagão de desenho animado, latia rouco e transpirando medo. Balas fariam barulho. Tento enfiar duma vez uma faca atravessada em sua cabeça, mas ele se esguia e o resultado é apenas um corte superficial. Põe o rabo entre as pernas e grunhe baixinho, dirigindo-se ao carinho das baratas da sua casinha. Penso um pouco, mudo os planos. Toco a campainha.
No interfone: - Quem é. – Sou eu. - Identificam-me só pela voz. O portão é aberto por coisa elétrica, seja lá como funcione isso.
- Pai... Como vai?
- E o serviço, filho? O quartel?
- Bem, entra... Uma visita fora de ora é sempre uma agradável surpre... – Parou no meio da conversa, pois deve ter notado o facão que dera a sua mãe no natal passado cravado até o cabo em suas costas. Encostei-o com a mão esquerda e dei um soco utilizando toda minha força, com o punho cerrado da mão direita. Apenas uma ponta atravessara do outro lado. Tocou a ponta com o polegar e o indicador da mão direita e caiu em silêncio no gramado. Entrei. Na sala minha nora e meus dois netos esperavam:
- Oi Alfredo, cadê Frederico? Estou fazendo uma torta saborosa.
- Não se apressa a perfeição. – disse sorrindo
- Oi vô! – blum, blum - bala na fuça dos dois. Vi os dentes se esmerilhando como vidros junto com a boca, gritavam sem a língua enquanto estertoravam, não quis dar cabo de uma vez em ninguém, gostava de vê-los rastejando, implorando dentro de suas cabeças, tendo tanta dor que, mesmo com língua, seria impossível gritar. Minha nora voltou da cozinha com a torta na mão e paralisou, ficou da cor do glacê. Deixou cair no chão.
- Sua puta. Derrubou a torta. – ajoelhei a maldita e amarrei sua cabeça no pé do sofá – Resistir é inútil, espere... – e me dirigi até o saguão, onde meu filho guardava as armas que sempre invejei. Um calibre 12. Sempre disseram que abria um buraco do tamanho de uma maçã, sempre quis tirar a prova. Lá estava ela, pendurada, limpinha, tintilando, uma Mossberg 500. Peguei e li grafado no metal “special purpose” em letras itálicas. Sorri. A desgraçada era bonita pra diacho mesmo.
- Por favor, não faça nada. – minha nora suplicava, mordendo uma das mãos.
- Não faça nada? Hum.... Pode ser. Mas adoraria ver essa escopetinha dar um tiro pelo menos. Faz o seguinte... – Fui até onde estavam os corpos das crianças e alinhei-os dois metros da parede, um ao lado do outro. Disse então: - Amarrei seu marido. Tá vivo. Mas pode morrer se você apontar pra mim e se apontar, já vou estar com uma arma apontada para você, morramos os dois e ainda ele, então, ouve com calma e faz o seguinte: Dou-te essa escopeta, você dá um tiro de cada vez em cada criança. Um nela, um nele. Se conseguir encosta-los na parede com seis tiros, você vive.
- Nunca! – Ela gritou com todos os ares de seu pulmão e desandou a chorar. – Prefiro morrer!
- Qual é... – disse com desdém - Já estão mortas... Só quero ver se uma lenda que eu ouvi é verdadeira mesmo, só isso. Se for, eu te libero. A ti e a meu filho, e digo ainda, é bem possível de dar certo sim.
Desamarrei-a. Levantou muito devagar, peguei no seu braço com força e levantei-a bruscamente. Coloquei de pé, de costas para mim e de frente ás crianças. Apontei o revolver para sua cabeça e então lhe entreguei, por detrás, a escopeta. – Vai! – Gritei. Hesitou um pouco, tremendo. Deu um tiro que passou longe, acertou a parede. Pressionei mais meu revolver contra sua cabeça e disse: - Se errar a próxima vez, sua piranha, eu estouro esses miolos de vagabunda rampeira que trepa em pé em motel barato.
Atirou de novo, a criança da esquerda apenas balançou. – O outro! – Eu disse. E a mesma coisa sucedeu: nenhum movimento para frente, apenas balbuciou.
- Parece que era lenda mesmo, hein? Você vai ter que morrer. – Dizendo isso a mulher que chorava um choro apagado, tremendo, confuso, foi tomada por uma emoção que desconheço e que talvez os grandes poetas pudessem aprofundá-la em seus escritos. Tomada por esta emoção, onde toda sua cara contorceu-se de pranto para raiva, de amarela para vermelha, de inexpressiva para bombástica, começou a disparar direto em uma só das crianças. BLAM. Clic. Clastch. BLAM. Clic. Clastch. BLAM. Clic. Clastch. Um atrás do outro, carregando o calibre doze, levando para trás, como nos filmes de ação, após cada tiro, e que barulho ensurdecedor a maldita fazia. Coisa linda de se ouvir mesmo. Por fim, o corpo tocou na parede, totalmente desfigurado, chegando ao seu destino quase como um bolo de carne moída derrubado com força no chão. O sangue que escorria rapidamente tocou seu pé, em um fio expressivo, e então ela ajoelhou-se e voltou a sua feição normal, patética. Quase tive um orgasmo na beleza da cena e com um canivete que eu tinha no bolso esquerdo, abachei e cortei a sua barriga na altura do umbigo, da esquerda para a direita. Ela soltou um suspiro grave e começou a sair um pouco de sangue de sua boca. Segurou a barriga com as duas mãos. Não conseguindo segurar mais, soltou, e imediatamente toda a barrigada veio ao chão num GLÓF seco, acompanhado de sons que pareciam enguias fugindo de um predador. Caiu e deitou-se por cima, como num último clamor de pôr todas as carnes para dentro novamente e ficou me olhando, com a perna a tremer compassada, até cessar. Olhei tudo com muita satisfação e lambi a faca. Não sei por que fiz isso, devo ter visto em algum lugar, mas deu vontade e assim fiz.

...

Saí pela mesma porta que entrei. O corpo de meu filho não estava no mesmo lugar. Estava á três ou quatro metros á frente, devia ter se arrastado um bocado, em direção á porta, já que havia um grande rastro de sangue e vômito formando um trajeto até seu corpo. Em casa, tomei um banho e descansei como nunca antes houvera descansado em toda minha vida, embora tenha acordado cedo e preparado café, comprado na cantina do alemão, grande amigo, quando ouvi a porta.