segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Maldita Cigana

Ciganos adivinhos tentam buscar menos tosse saturada de crivos. Me encontro como me encontro, nada mais. Algumas sortes são atiradas, outras não. Tratamentos possíveis, imaginários, a borracha que escorrega no asfalto causando um odor de nematocistos intestinais, ou segredos de Bombaim ou Jacob. A colônia deve ser evitada ou transencida? Cedida? Um trompete com surdina anuncia as Gamelas contraditórias. A unidade Firme, o ambiente personalizado.

domingo, 30 de novembro de 2008

Viagem atual

A galáxia é na noite preta como os outros ouros na noite lá de cima é para mais nomes. Quando elas são nascidas no fundo do Atlântico, de alguma maneira, porque temos de começar a segui-las, a crescer, observando translúcido as larvas entre duas cadeiras, anfiteatro hialinos medusas e plâncton, que em uma das bocas há uma sucção interminável, organismos amarrados na noite em que uma serpente multiforme cujo tempo não pode dizer e emerge inofensiva para iniciar o assustador nível de migração para o oceano, enquanto outra galáxia nu para os suas guardas marinhas que, através do gargalo de uma garrafa de rum ou cerveja qualquer, vislumbra a sua monotonia e maldição em cada destino das travessias de uma bebida, um salário de fome, uma mulher que está a fazer amor com alguém nos portos da vida, do ponto de vista da torre mais alta do observatório-sistema, rede encriptada para dar as chaves para o fim. Como poderia ignorar o animal sobre a Terra se asfixiaría a imobilidade, se não sempre no pulmão de aço astral, tração tranquilo da lua e do sol atrair e rejeitar o peito verde das águas. A serpente nada mais é que um território.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

País

Um tinha um carro amarelo, outro um carro azul, faltavam peças pra esse último do qual foi buscar no outro continente, mais esverdeado, chamava-se Mayarín, perto da Inglaterra. Uma das vontades do primeiro, o de carro amarelo, era de continuar com este que possuia uma buzina maneira. O carro azul desgastou com o tempo, parecia pálido, ofuscado o fusca, como se quisessem o derrubar com pedras e tijolos por tanto tempo e por ter se passado tanto tempo até que se sobrasse apenas o motor. Sobrou. Não está como uma peça de museu naquele país e sim na oficina do outro, esperando um montador.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Os dois Guinchos

Das três de uma reputação associada para descobrir a fonte de um metro da Primavera. Na boca da caverna, um cronópio de quedas sustentadas pelos outros, levando a um pacote de volta com o seu favorito sanduíche (de queijo). Os dois-guinchos deixaram reduzir gradualmente e o livro escrito em uma grande pormenor da idéia de expedição. Logo surge uma mensagem a partir do primeiro tipo bravo porque eles estão errados e você tem sanduíches de presunto. A corda exige que ela aumente. O guincho a consultar aflitivo, a popularidade está localizada na estatura durante todo o seu calvário e diz não a esta violência que liberada da corda chega a acalmar. Então, quando ele está em outra mensagem, porque o acabou de cair sobre as fontes da Primavera e, em seguida, anunciou que vai tudo errado, insultos e lágrimas entre os estados que são todos de presunto, ao olhar e ver que entre um presunto, não existe um sanduíche de queijo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Testamento

“Eu, Leopoldo Tavares Companhia, brasileiro, vice-presidente de uma empresa particular, domiciliado e residente nesta cidade, na rua Joventino Tancredo nº 199, RG tal, CPF idem, natural da cidade de Ponta porã - MS, nascido em doze de janeiro de 1954, filho de Félix Tavares e Rosa Aneâncio Tavares, ambos já falecidos, casado, pelo regime fechado de bens, com Benedita Tavares, com quem tenho um. filho, estando em perfeito juízo e em pleno gozo de minhas faculdades intelectuais, na presença de (03) três testemunhas a seguir qualificadas: Meu sócio, Januário Lobres Pontes, meu contador Federico Ricco e meu tio Tancredo Tavares livres de qualquer induzimento ou coação, resolvo lavrar o presente testamento particular para dispor de meus bens para após a minha morte da seguinte forma: PRIMEIRO: não podendo dispor de todo o meu patrimônio por ter herdeiros necessários deixo para minha mulher, a totalidade da parte disponível de meu patrimônio existente por ocasião de minha morte, porém salvo condições apresentadas ao final deste; SEGUNDO: para meu testamenteiro, nomeio meu sócio, Januário, acima qualificado, fixando o prêmio de (10%) dez por cento, ao qual peço que cumpra e faça cumprir as presentes disposições de última vontade. Declaro não existir testamento anterior em qualquer de suas formas legais.
Para que sejam liberadas as contas particulares e feitos os acordos que seja cumprida o meu último desejo em morte: ser cremado, colocado em uma caixa de tom azul escuro e servir de alimento gradualmente para meu peixe amarelo que acredito ainda estar vivo, e se não o estiver, que seja alimentada a sua possível prole ou parentesco comprovado.
Nada mais tendo a lavrar, dou por encerrado o presente testamento na presença das (03) três testemunhas acima qualificadas, para as quais li a íntegra do que nele se contém. Local e data, etc.”

sábado, 25 de outubro de 2008

A casa

Uma expectativa foi até uma casa e colocou um azulejo que dizia: "Bem vindo aqueles que vêm a esta casa." Até a casa foi um gordo famoso e decidiu não colocar mais telhas. Um gordo seguinte falava que era um costume colocar vários azulejos na casa e na varanda que foram adquiridos ou produzidos. Os azulejos foram colocados de modo que eles possam ler em ordem. A primeira leitura: Bem vindo àqueles que vêm a esta casa. O segundo disse: A casa é pequena, mas o coração é grande. A terceira disse: A presença do hospedeiro como a relva é macia. O quarto disse: Nós somos muito pobres, mas não vai. O quinto disse: Este substitui todas as anteriores e põe novo cartaz.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Fezes de Varsóvia

Abre aspas, grita o leiteiro: Nas transcrições rítmicas é melhor pensar por motivos do quê por unidades. Amóz Oz, um escritor de Israel, um fanático recuperado, tentando constantemente se libertar da visão imposta em sua infância. Através de sua mãe viu que nada era preto ou branco e que concessões era um sinônimo da palavra vida. Dizendo que “às vezes os fatos comprometem a verdade”, ainda diz que o que ocorre entre palestina e Israel é uma tragédia e que a tragédia nada mais é do que quando os dois lados estão com a razão. Existem dois jeitos de resolver uma questão dessa natureza. O primeiro é do jeito shakespeariano, com os cadáveres dos envolvidos espalhados pelo chão, e o segundo é os dois lados saindo insatisfeitos com o acordo. Villa-lobos tem gosto de acerola, Stravinsky de caju, Bártok de jaca, Beethoven de carambola, Mozart de uva e Ligeti algumas vezes tem um sabor de arroz temperado com vinagre, sal, açúcar, alga marinha, keni, pepino, cenoura e ovos. Durante muito tempo a melodia foi um tabu na música contemporânea. As soluções não-tonais, com todos seus ismos e ades, mostraram-se efêmeras, de curta vida. Schoenberg dizia que o sistema dodecafônico ia sustentar os compositores durante cem anos, uma suposição ingênua e prepotente. Tamo aí, com dois toques bem dados, mas pouco cutucados, caminhos abertos para uma música que seja “nova” mas ao mesmo tempo não tão horrível como a que andamos fazendo hoje, onde menos de um por cento da produção total se salva. Falo de melodia. Os dois toques sobre como trabalhar um novo “conceito” de melodia para criar coisas tão geniais como Mozart, Chopin (embora eu não curta), enfim, os clássicos em geral, já que é inviável retomar a mesma temática: A inspiração autêntica no folclore de Bártok ou os “cadáveres dissecados” de Stravinsky (trechos curtos com 5,6 ou menos notas). Vi poucos compositores pensarem em melodias. Desenho, gesto, escala, harmonia (no sentido de coisa harmoniosa). Cito dois (há mais) que vêem agora em minha mente sem vacilar, um com cinqüenta anos, outro com sessenta, respectivamente: Benjamim Yusupov, um judeu alucinado trabalhando com melodias estupidamente originais e Alla Pavlova, uma russa radicada em Nova Iorque que tem dado uns tapas na disfarçados de neo-romantismo. Gostaria de falar deles detalhadamente mais pra frente e se escrevo agora é para lembrar depois. Fecha apas a la pompa Del mode.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A Estimável Casa de Alcides (Romance) - Parte V: Tetal

Suportado o seringueiro, pensou talvez que a seringa se acabada podia matá-lo, e isso sim seria um último bom brinde. Buftalmo de tanta inocência via as tripartites anexadas que faltam de movimentos diferentes de cada nervoso de causa desconhecida desertar excogita-te em dois processos: nas ondas rítmicas de contração acertar impulsionando o alimento pelo estrago (peristaltismo) e na abertura do esfíncter esofágico que seque, pois nada sente. A letargia aumentava cada vez mais. Pode ser causada pela disfunção de nervos que circundam o estrago, pensou ele, transmitindo temos impulsos eletretos fato temos másculos.


Acalculia incapacidade tripartite de fazer cálculos.


Acrocianose, distúrbio circulatório em embalar os maços, e menos comumente os temos persistentemente frios e azuis; algumas formas associadas ao fenômeno de Reynaud, nós também temos ossos do oriente, maxilar, maços, PIS e crânio. Causada pela secreção excessiva do hormônio do crescimento, quase decorrente de um circo pulguento onde um formigueiro repousava em sua nuca.


Estava deglutindo o ar, cristalino, legítimo, casto, angelical.

A perda da habilidade do uso da linguagem se deve a isso, refletiu. Perda do completo olfato. O pé esquerdo se atrasava no compasso mútuo. Parou em frente ao bebedor: descoloração adquirida e fisiológica dos cabelos; pode ser senil ou prematura? Que porra de lugar é esse? Pedrinho que passava também ao corredor, conhecido depois, disse-lhe: Pode-se escrever, sem ortografia, sem sintaxe, sem português, numa língua sem saber essa língua ferida, pode-se escrever sem saber escrever, pode-se pegar na caneta sem haver escrita e pode-se pegar na escrita sem haver caneta e até pode-se pegar na caneta sem haver caneta e quer saber, pode-se escrever sem caneta. Pode-se não escrever. Um oom foi feito após por um que se julgava budista. Um buchicho de água no galão concordou, um velho tussiu, um barbudo cuspiu, um gordo fitou. Calado estava, calado ficou, pensou olhando tudo e pensando porque não pensava logo o passar daquela sensação, foi se deitar e lá ficou confiando dormir, embora elétrico até se esvair no dia seguinte submerso em cavalos, ela e sensações.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A Estimável Casa de Alcides (Romance) - Parte IV: Ladrilho

Abrindo os olhos com a concentração medianamente embaralhada da temperatura de antes, Honório escovou os dentes com mais força do que comumente. Exalava um cheiro fétido de hálito forasteiro, quase semi-medíunico, sorvendo a saliva renovada pelos cantos da boca, fazendo bolhas com o creme, cabritando para si mesmo qualquer expressão que o lixasse consumamente para bem longe dali, daquela cancha que se assemelhavam as rugas na bomba suja do centro da bunda. Coçou. O olor de manhã batia em cheio e era onipresente em suas narinas fatigadas pelo processo vivido da noite. Era um novo ser sério jogado ao ambiente. Enquanto olhava o espelho, uma marca d´agua formou-se aonde se via uma visão do passado tenrosendo-se atrás de modo óxido. Quando criança tinha dois amigos: João e Maxubi, esse último meio que procurando algo com os olhos sempre. Divertiam-se pulando em terrenos desocupados ou em construção, faltando às aulas quando possível, negando pequenas mulheres por não saberem a pretensão verdadeira de suas intenções. Inocentes. Achava os calores provenientes do solo os melhores para uma aberração, achando nas bebidas de meio gole um gosto acrimonioso de mofo, a fornecer poeira, nenhum dos pedaços permanecendo: o copo, uma caixa áspera de sacrifício. Pois bem, absorto nesses pensamentos recebeu sua primeira visita. Um gato que miou na porta. Abriu-a com desdém, pegou o bichano e soprou seus pelos, calmamente, quase ao mesmo tempo em que levantou a cabeça para reparar na janela uma fila formada de carros de visitas, tornava a cena a mostrar. Cuspiu irreparável. Cara de nojo. Jogou o gato na cocha que grunhiu e saiu correndo. Pensou no vazio, no perto, no gato, no jasmim, no curió, no travesseiro e no algodão. Cumprimentou-lhe literário antes do felino cruzar a porta retirando-se. De volta á pia, jogou água em sua cabeça, e viu que quem parava os carros era um outro cara, de boa estirpe e meio indômito, desconhecido dos funcionários dali e dos poucos internos prudentes. Era um visitante responsável. E então sua unha tinha jasmim, alma, sacrifício e irresponsabilidade. Mirou o espelho. O espelho mirou Honório. Viu rajadas de areia atravessarem seus olhos cansados. E pensou: colocar o gato num cativeiro, no melhor estilo japonês, com certa crueldade, talvez firme teria paz, ali havia coronéis, livros e imaginários, um lugar. Um puro inferno. Foi para a sala comum. Rejeitado no sofá, olhou as paredes, arrastando na sua nova física, confundindo-se com um espreito vadio, checo, acoimado ante o recinto subido:
- Olá Honório, como vai hoje? – Perguntou-lhe um dos funcionários.
- Ótimo, não se vê?
Abriu o caderninho do romance, ao tentar rabiscar a primeira palavra foi interrompido pelo mesmo funcionário:
- Sem visitas?
- Morreu minha mãe, retrucou.
- Tenho uma surpresinha pra você – disse o funcionário, sorrindo.
Levou-o então a uma sala limpa. Mostrou o banco, para que se sentasse. Descarregou uma ampola inteira numa seringa.
- Dói? – Honório perguntou.
- Nunca mais – Riu.
Aplicou de uma vez, rápido, doendo mesmo.

Viu um devaneio com margens cinza, marofa de aliviar, e ela chibatando em fiasco um feio portando um revólver fálico. Do semblante dela não teve qualquer anfibologia ao balançar num pneu de tripas, como tinha dito ela. Mudou as táticas, qual estava apreensivo sobre seu eqüino, e disse, com seu melhor sorriso:- Tange, tange, bate a cara no muro, bate a cara na cara. Oxalá fosse diferente essas ancas no seu cabresto. A fisionomia dela transformou em um momento. - Não tenho nada com baitolas. "Afetuosamente!" Ele disse, enquanto se fazia com a cabeça de uma inclinação inesperada para o esquerdo nanico bronco. Então vomitou enquanto cavaldava, se aproximado como podia para reduzir a velocidade do cavalgar rotineiro.

Honório estava caminhando trombando nas paredes. Tanto da direita como da esquerda, quase alternado. Um fio de baba quase tocava seus pés. E seus olhos tintiliam com a mesma velocidade em que tremiam os tendões do pé, remoto em excelência. Gericáult sentado, ao vê-lo, disse entre dentes sorridentes: “Aquela ilusão de vida e caráter que encantam a pessoa em homens está mais bem trabalho manual.” Honório imaginou um tamanho enorme de madeira de que balançava em cima da escotilha dela e viu aquilo como um assunto inanimado, olhando mais pesado e caminhou como que parecendo cruel carregar seu corpo e tudo mais aquilo por ali.

domingo, 1 de junho de 2008

A Estimável Casa de Alcides (Romance) - Parte I: Terminal

Final de jogo, ônibus demorando, sol onde havia um resto da noite na camisa de Honório. Pergunta: - Calor?
- Muito.
- E a demora desse ônibus?
Dá uma pequena bufada, olha pra senhora que virara o rosto, quem sabe devido ao perfume deleitoso de seu sopro, e completa: - Eu não sei. Honório chegou quando havia a passagem exata, ofertada minutos antes por severas insistências, para a ocasião, os dois reais. A troca de ônibus no terminal bem vinha, devido ao dinheiro calculado, no interior, o ônibus vazio, o cobrador badala, ironicamente, sobre a celebração dos franceses em uma televisão em uma loja qualquer que os poucos tripulantes, talvez quatro, um tão ausente ao ambiente que quase não se conta, se encaram sem articular palavra, quando no ponto antes do terminal, ele desce, alguns passos retinidos, lembrou que a casa era próxima, queria andar por entre aquele cheiro de mijo que o bairro tinha. - Casa! Havia uma moça-adenina na garagem que discorria ao celular. Se ela não ficar com asco, pelo menos arrisco – Pensou. Perguntou se havia sobras no domicílio, pão, há de comer no geral, a qual hesitou em estranheza e comunicando ele a brincadeira perguntou se havia alguém na casa, que procurava por Astolfo ou Virginia.
- Quem é? – gritaram da cozinha que tinha a janela de frente pra rua. – É o Zidane. – Se for o Honório, entra não.
- Peraí, vou pegar lá a chave pra você – disse a moça, bem afrescalhada, empinou-se ao saber que era conhecido e vestia uma camiseta com a palavra Puppi estampada em tons róseos, com a chave demorando, estava tendo uma comemoração que já não era mais comemoração, perda de jogo, a casa exalava um cheiro de episódio, carbonizado talvez, combinado com uma fragrância barata que enojava qualquer ser passante e ainda por cima havia o cheiro do bairro. Enquanto desfigurava relevante sobre os cheiros e conseqüências, ficou pensando no cumprimento, se seria correto dar um beijo no rosto, pois Honório ficava ininterruptamente com essa anfibologia subentendida ao cumprimentar uma fêmea. Enfim, não deu, a modo de praxe. Aquela passada pela sala com pausa de observação ao objeto multicolorido, notório, e ida para a cozinha, sala de estar em comemorações.
- Fala Astolfo. O que vocês estão fazendo aí?
- Arroz. A carne vai sair. Frederico tá tentando um apimentado. – apontou para a mesa. - Até hoje não acertou. E ontem o que você fez?
- Fui parar no centro. Quando acordei tava lá. – molhou o dedo no copo disposto ao lado esquerdo para saber a substância presente ali, provou, limpando na blusa estalou dois dedos da mão direita, abriu uma lata de cerveja do refrigerador. Era tradicional a comemoração naquela casa, certo, ás vezes havia cerveja, ás vezes não havia nada, apenas truco com Astolfo peidando e gritando alto no blefe, enquanto metade das nádegas ficava submersa nas calças e a outra metade suada brilhando com a luz, refletindo o ambiente qual espelho. Honório saiu da cozinha deslizando o chinelo, como se anunciasse sua ida até o quintal. Seis ou sete pessoas, uma churrasqueira improvisada com tijolos, instalada no piso da área e uma pequena área verde ao fundo, construída acima do solo, com quase dois metros por um, para a plantação de pimenta e repolho, todos sentados com exceção de Frederico, que cuidadosamente colocava alho triturado em conserva numa panceta. Honório ofereceu cerveja a Frederico que engoliu muito veloz e ainda arrotou sem barulho – É Boa.
- Você. Conheço você.
- Não. Não sei. – disse com tom arrastado, atenuado, quase soltando cerveja pelo canto esquerdo da boca, não era costume ser por mulheres abordado.
- Meu nome é Marcela. Ouviu sobre mim? – Aquele papo já estava irritando Honório - Você faz o quê?
- Sou estudante de engenharia mecatrônica. E você?
- Sou puta.
- Muito bom. Legal, anima o pessoal. Foi contratada para o quê precisamente?
- Não fui contratada. Sou amiga de Roberta, aquela ali, – disse apontando o dedo indicador para uma ruiva sentada no chão Honório nunca havia visto Roberta. Não morava naquela casa mais conhecia o circulo inteiro dali, as dez pessoas isso se não calhar exagero. Dirigiu-se até Roberta.
- Roberta? Como vai. Honório. – Pensou novamente se devia beijar a face da mulher, mas hesitou novamente.
- Olá.
- E aí? Quanto é o programa, ou já foi acertado?
- Quanto é o programa? Sou cabeleireira. O quê?
- Sua amiga ali. Achei que trabalhavam juntas.
- A Marcela? – Gargalhou escandalosamente – Não, brincadeira. Ela trabalha comigo no salão, manicure.
A parábola não foi bem-vinda, afastou a esperança gorada, no caso uma ligeira batida na porta do lado de dentro da casa persistia. Astolfo, na cozinha, olhou pela janela de frente ao portão enquanto enxugava uma colher de vinagrete, onde um homem de aparentemente quarenta anos se debatia aferventado e onde ele, Astolfo, cerrava bem a vista para atingir o drama, o homem pedia pão, Astolfo se removeu para providenciar alguns. Ao abrir a porta, o sujeito estava ao pé dela, perpendicular, mirando um revólver em sua cara: Oi. Entraram. Dois. Apenas Astolfo estava dentro da casa. Todo o restante estava no quintal, com exceção de Padrinho que estava dormindo, um sujeito mais tarde.
- Chama o Frederico pela janela.
Astolfo com mais precisão sentia as artérias, compassadas devido ao nervosismo e euforia, a ponto de não perceber que o ladrão (dois, o outro observava permanecendo semicataléptico) sabia o nome de um dos moradores. Chamou o amigo pela janela com um dos invasores encostando o revólver em suas costas. Quando Frederico entrou na cozinha, o ladrão que pedira pão já não era mais um ladrão, este olhou fixamente, e como se estivesse derramando aos jatos a mais legítima urina, atirou quatro vezes na cabeça de Frederico. Na primeira caiu no chão, nos tiros seguintes o assassino disparou a um ângulo de 40 graus aproximadamente tomando distância, progressivamente, para que o sangue espalhasse bem, tirando sórdido proveito daquele momento em espasmos do mais puro orgasmo. Saíram os dois na cabriola, como se, finalmente, foi-lhes revelada a obtenção do prazer pela força, em que Padrinho acordou, cambaleante, de cuecas perguntando de quem havia sido o gol. Enquanto Virginia ligava para a Polícia, perguntas repulsivas e martelantes dos que olhavam o corpo no chão, este em precários minutos disseminou o cheiro de morte pela sala, aos poucos ganhando mais espaço, encontrando seu ambiente. Cheiro enojado, de sangue, pólvora e fezes já que Frederico cagara nas calças após o primeiro tiro. Na cabeça de Honório as cenas de quando conheceu Frederico, há três anos atrás, foram se formando progressivamente, meio que sem aspirar, enquanto contemplava o sangue no chão, que formava desenhos geométricos de total simetria e contumácia devido ao formato do piso, cintilando mil vezes mais em seus olhos. E o rastro? Como era bonito seu deslize, seu caminho, vivo, semipulsando, lindo.
- Passa esse copo.
- Como?
- Prazer, Frederico.
- Honório.
- Viu aquele cu? Maravilha.
- Qual? Cida. O Nome dela é Cida.
- Lá.
- Vai mesmo?
- Vou.
- Vou junto. Tá com uma amiga.
Frederico também era estudante, a raça mais bócio, portanto, execrava ser definido estudante e quando alguém perguntava o que ele fazia, dizia consecutivamente a frase cometida: Sou acionista da bolsa de valores. Estudante. Tem muito estudante “nunca foi estudante”, era uma magnificência sem fim, um presságio de sucesso sem valores, uma pachouchada no tratamento imperdoável para com aquele sujeito.
- Oi Cida. – Honório conhecia.
- Oi.
- Esse aqui é Frederico.
- Oi. Essa é minha amiga, Gislene.
A amiga era gorda. Não pouco gorda, mas muito gorda, dessas que quando a pessoa observa a cara, despreparado, ouve uma buzina estatelando de fundo como um aviso para não se assustar, mas era simpática, aliás, como toda gorda, pois não tinha outros elementos de sedução e sua bunda formava uma espécie de V pálido que contrastava frouxamente com a cor da lâmpada acima de sua cabeça descolorada, propositalmente acompanhando raízes de dois centímetros da cor original, seus braços lembravam um leitão em breve ser abatido, as pelancas na base das axilas eram quase separadas do corpo, por assim dizer.
- Prazer. – Frederico não havia reparado antes o quanto Gislene era gorda.
- Aqui está muito barulho. Muita gente falando. A gente estava pensando em ir pra casa fazer uma festa. Estão á fim? – Disse Cida, mãos na cintura.
- Vamos. Mas vamos depois – disse Honório – tenho que convidar uma amiga antes. – Balbuciou ressentido.
- Olha, vou desenhar um mapinha pra vocês. É assim...
Cida pediu uma caneta para Gislene. Essa tirou de uma bolsa que dava a impressão de ser realmente pesada, um trambolho. O chacoalhar das coisas lá dentro era extremamente irritante, até titilante, diria. Havia barulho de metal, de escova, do caralho a quatro, entregou para a amiga.
- Fica aqui. É pertinho, dá pra ir a pé.
- Sem problema. Carro.
- Então.
Quando as duas se afastaram, Frederico puxou Honório pelo braço:
- Trepa a gorda?
- Nem fodendo, Frederico. Essa correria é favor pra você pegar a Cida. Vou passar na casa da Virginia. Sempre dá pra comer ela na hora que eu quiser. Aproveito e chamo o Astolfo, ele encara a gorda.
- Astolfo? Virginia? Astolfo é um cara de barba, cabelo curto, narigudo?
- É.
- Vou morar com eles. Mudo semana que vem.
- Coincidência. Já conheceu a Virginia então...
- É. Vamos?
Chegaram na casa de Virgínia. Apenas a luz do corredor estava acesa.
- Talvez estejam dormindo, Honório.
- Não tem problema. Eu chamo.
Honório gritou o nome de Virginia e Astolfo. Ambos estavam acordados, mas demoraram a atender. Quando Astolfo apareceu com a cara na janela, Honório gritou a idéia.
- Quem é? – Virginia perguntou da sala.
- Frederico! O próprio! – Interviu.
- Ai. – ela veio correndo, com satisfação, comovida, balançando as mãos.
- Tudo bem, Frederico? – e ia beijá-lo na boca.
- Filha da puta – disse Frederico esbofeteando a cara de Virginia – Não fale mais comigo, não tem mais namoro, não tem mais nada.
O sangue se solidificara na base do pé, mudando um pouco de coloração, parecia que não ia escorrer mais e Honório tomou consciência do que estava acontecendo, pois já haviam coberto a cara de Frederico com um papel de pão, mas os miolos haviam espalhado tanto que não dava como cobrir, pedindo água, não foi ouvido. Todos estavam preocupados em organizar as idéias para falar devidamente á policia, ou tentar entender como o sangue espirrou tanto da face do amigo a ponto de atingir uma lata de cereais na estante da cozinha. Uma viatura depois de vinte minutos. Um gordo, de sardas no pescoço, vermelho, e suado como um porco, o segundo com cara de militar mesmo, meio quieto, barba inexistente, esperando oportunidade para uma leve contestada ou mesmo para matar alguém naquele dia tão anódino, e um outro ainda, que ficou no carro.
- O que é isso? Não chamaram a ambulância? – Disse o policial gordo gritando e expelindo baba pela boca.
- Não. Eu conferi, ele está morto. Não vê que levou quatro tiros na cara? – Disse Padrinho.
O policial ergueu o papel de pão, curvou a cabeça para o lado esquerdo, como quem procura um ângulo melhor.
- É mesmo. Que nojo... Tem alguém da família? Vamos pro distrito. Ninguém sai daqui. O Sargento Bartolo fica pra esperar a ambulância e alguém vem comigo. Testemunha, vai...
- A Virginia vai. Namorada dele. – Astolfo falou.
- Última recomendação: ninguém toca no morto, entenderam? Ninguém! – Falou o guarda segurando o braço direito de Virginia.
Virginia entrou na viatura em estado de choque, não sabia o que acontecia, não chorava, não movia os olhos quando as risadas dos dois policiais na sua frente embolavam com o barulho do carro que balançava devido à alta velocidade e conseqüentemente a fazia lembrar das trepadas com o namorado morto, enchendo Virginia de um tesão repentino e estimando, de imediato, ser violentada pelos oficiais que iriam parar numa estrada deserta fingindo uma emergência, sendo tudo por demasiado perfeito que não cometeria uma desmoralização ao falecido advindo estupro, pensou, bem como raramente tomava consciência do fato, em relampejos de milésimos de um fragmento minúsculo de tempo, queria saltar, fugir de toda aquela situação, pular na pista. Mas não conseguia se mover, fazer nada, só conseguia sentir cada vez mais tesão com o movimento frenético do carro.
Honório ainda olhava pro morto, maravilhado, Astolfo foi lavar o rosto. Chegou até a pia e durante um momento estabilizou os movimentos segurando as laterais do mármore. Olhou o barbeador e a escova de Frederico. Pilhérico, os objetos mudam de valor naturalmente. Aquelas coisas eram: A escova e o Barbeador de Frederico, simplesmente. Mas naquela hora o valor era de preciosidade, de jóias raras, lapidadas em dor, esculturas moldadas no saudosismo, constrangimento, enfim. “Os quadros de natureza morta!”, disse olhando no espelho, admirado. Sorriu, saiu do banheiro assobiando sem ao menos se lavar.
- Astolfo, vem cá. Vou dar uma volta. Enrola aí, vou sair... Dar uma volta. Preciso andar. – Os outros presentes conversavam em aspecto acanhado, mas ninguém tomou a iniciativa de perguntar sobre a dúvida comum: a questão da lata de cereais.
Virginia acordou na delegacia, literalmente acordou, quando sentou na cadeira, percebeu com estranheza que sua calcinha estava extraordinariamente úmida, deu o telefone dos familiares, fez o Boletim de Ocorrência com pouquíssimos detalhes, já que não vira nada, quatro horas na fila, não descreveu a cena, era preciso chamar o Astolfo.
Astolfo e Honório se depararam sentados em uma sarjeta próxima ao terminal.
- Cansei dessa merda. Mataram um cara que mora comigo há três anos na minha frente. Não agüento mais essa merda, Honório. Não agüento mais. – Puxava prazerosas bolas de fumaça do cigarro, ao mesmo tempo retirando da cueca uma parte de carne do saco que havia enroscado na lateral.
- Melhor que sangrar com peixeira.
- Você tá brincando, hein, seu filho da puta? Tirando escárnio na minha cara? Vai tomar no cú, veadinho...
- Relaxa... Quer saber de uma verdade? Você não é nada, fica fazendo gracinha, causando vantagem... Sabe o que eu acho, meu velho? Acho que você pensa que é o gênio da amizade. Você não é o gênio da amizade. Não é nunca vai ser. Pára de ser assim tão falso, olha pra você mesmo. Que vergonha. Acha o quê? Que todo mundo vai parar o que está fazendo para olhar para você, seu mimado? Egoísta, você é muito egoísta.
- Sou um gênio, mas não da amizade. – Falou Astolfo em tom de brincadeira, mas percebendo depois a real ofensa do amigo, fechou o sorriso agora murcho.
- Olha bem, cara. Olha bem as coisas que você anda fazendo Astolfo. Pare.
- Porra, e a amizade?
- Amizade. Fala como se fosse uma puta amizade. – Começou a se descontrolar - A polícia tá procurando você, Astolfo. Deixou a Virgínia naquela situação, tava em estado de choque. Volta lá e ajuda ela.
- Razão. Irei lá dar o depoimento – perdeu o controle emocional - e vou embor’ daqu’ dess’ lug’... Maldito.
Encheu a boca de ar, inflou as bochechas e foi soltando aos poucos. Saiu sem cumprimentar nem falar nada, apenas saiu.
Honório demorou mais a sair, precisava de subsídios intelectuais para continuar fragmentado o trajeto, se localizar, tentou em seu espectro, numa total fragilidade de gozos sem êxito, o fim de recuperar a jornada para casa. Pensou em um anão escuro, pelado com uma vaca tatuada no peito, sendo o mamilo esquerdo o nariz da vaca e o mamilo direito, a ponta do rabo.
Foi embora.

A Estimável Casa de Alcides (Romance) - Parte II: Arco

Anos recomendando retângulos passados sem o desértico fenômeno acústico da fala, inclinados estão no impróprio realço de suas vidas, adornavam encontros, simulavam trezentos, mas a peripécia do segmento habitual foi impetrada, pois embora precisassem buscar uma idéia primeira, que fosse, pairavam agora no mercado, entre jabuticabas por kilo, o reencontro, Honório perguntou como Astolfo estava, Astolfo inquiriu a mesma espécie de letras pro Honório e bastaram-se em pesar as batatas, certo que a morte do amigo estava asfaltada, papelões do fichário, que nos levou ao caso da mãe de Honório falecer na mesma semana, por motivos cardiovasculares ou de cabeçalhos amórficos a qualquer pessoa mista, praxe, Honório que não conhecia o pai verdadeiramente sentiu por ela, e numa espécie de salvo-conduto toda a fabulista, ateou fogo ao seu armário, condizendo pedais pela casa finita, gritou pelas ruas até o entardecer, pulou no rio, amarrou dois gatos de rua atropelados no pescoço e ameaçou estuprar uma velha que abaixava para jogar comida aos passarinhos. Depois de preso e contestado e liberto por pequeno prazo, foi encaminhado ao conselho da situação, situado na mesma cidade, em mesmas frenéticas pontes filódicas de pedais apetecidos adornados pela ventura de antes, ou sabes, pelas idéias pseudoesclarecidas. Nenhuma pessoa ouviu falar da pensão de Dona Alcides, por acaso? Lá era essa mulher uma deusa, uma fadaria insaciável, uma líder residencial implacável, e de muito bom gosto pelo trato de visitas, carcomeram uma fortuna do estado para bem socialmente satisfazê-la no cumprir de suas responsabilidades, com figura inabalável, mão forte nos alisares, estado bruto na concepção frigorífica e a única certeza de adoração total, mas no bem, Honório não tinha ainda esse conhecimento, que por acaso, desligava de seus vícios, mas foi encaminhado a fazer uma visita ao local, visita não, estaria talvez preso da necessidade do sentimento imortal de rasura fixa nesse espaces de caies e prazeres mentais, mas, com certeza não era uma estadia breve já que chegou encaminhado pela federação. A casa no campo era de repouso, de restituição social, abrangente até para as mentes menos sociáveis que bisavam remordes. Vladimir, o porteiro, dava as boas vindas na acepção de uso, no ambicionar prestativo.
- Bem vindo... Sr?
Honório chegou escoltado por dois policiais e sem algemas, sorridente até, mas em seus olhos a falta de compostura, asseio, conflito mental e coerência física eram notáveis a qualquer paciente mais experiente e com graus de melhora superiores.
- Meu nome é Honório.
- Sim, sim, eu sei. Vladimir, mas todo mundo aqui me chama de Porteiro.
O caso-arrizos era de legá-lo o mais rápido possível, para Dona Alcides, sobre as primeiras idéias e sobre quem deveria supervisionar o brocardo, foram escaladas bravas três pessoas de antecedência, e a sala de entrevista estava pronta já, sua coloração era propositalmente esverdeada, com vacas e coisas do pasto desenhadas por cima da massa da parede com caneta por outros pacientes mais íntimos de Dona Alcides, escrivaninha em madeira maciça protegida por lei, fruto de operação ilegal, recuperada pela polícia florestal e encaminhada á federação, que por sua vez, transformava em objetos para uso das instituições, pois nessa mesa, havia oito cinzeiros, um porta-retrato, um telefone vermelho e umas quatro ou cinco folhas espalhadas, o carpete, confeccionado ali mesmo pelos residentes, de cor bege pálida, tinha figuras geométricas curtas aparentemente sem nexo, uma janela enorme ficava de costas para com a mesa presa, martelada no chão, veja bem, da onde se via todo o pátio de recreação, cheiro de amoníaco e sala extremamente fechada, com a única janela soldada, os arquivos, sim, esses eram bem trancados, sendo três trambolhos de aço os receptores, uma cadeira em couro larga para as ancas de Dona Alcides e alguns poucos quadros de réplicas esdrúxulas. Honório sentou na cadeira supervisionada por um policial e observou todos os movimentos do olho do mesmo, pairava, voltava, seguia inerte em tresloucadas vinganças pessoais pelo ambiente. Alguns zumbidos de insetos eram marcantes em sua demasia enfirulada numa recose que sortiu o questionar da guarita por alguns jorros profusos, sendo que o mesmo só olhou com ar de reprovação.
- E a demora?
- Logo vem.
Marcou compassos semi-abertos entre a sola dura do sapato e o ladrilho, assoviou, estertor frenético, e enfim, quando o próprio guarda já queria se esvair do ponto também, eis que brota do acesso a chamada que se fez em corpo, Dona Alcides. Vai se foder, filho de uma puta, essa velha maldita – refletiu Honório estalando cada osso de suas mãos, será preciso mais do que um trago para agora calar a frenética dança de seus movimentos peristálticos, soltando sebo, cumprimentaram-se, e a entrevista se resumiu em um simples bem vindo. Nas antecâmaras do ambiente, os quartos no corredor único, com números pares na esquerda e impares na direita, onde na porta há um espaço para uma lousa, para pôr o nome do residente, muitas ocasiões escrito por ele mesmo, em giz, ás vezes colorido, sendo a casa situada em uma cidade do litoral da Bahia, mas longe do mar, embora haja alguns dizeres que nas raras noites de silêncio, pode-se ouvir o som da água batendo nos rochedos, compassadamente. Uma espécie de granja, por assim dizer, que se resume estruturalmente em quatro partes psicológicas-fisicas: casa, propriamente dita, quintal anterior, quintal posterior e as hortas. A casa não tem andares, é toda gorada branca, com alguns tons alaranjados nas laterais, e se for observada por um pardal, se apresenta em forma de Y de haste fechada. A parte superior desse Y, são duas entradas que desembocam na mesma cancha, mas com colocações diferentes, a ala direita é a formal, a portaria, os escritórios, a diretoria, e a ala esquerda, de acesso restrito aos funcionários, são espécies de “solitárias”, mas não com o mesmo rigor de carceragem, são, sim, pessoas, que de alguma maneira, não podem ter contato com o mundo exterior, há também nessa ala esquerda umas partes em acesso, a biblioteca e o almoxarifado, já o “caule” desse Y são os quartos, o Y mesmo é desproporcional, pois o “caule” tem cinco vezes o tamanho das alas, largura também diferente, onde ao seu longo repousam cadeiras, sofás, aparelhos de TV, bebedouros, etc, tal corredor produz um grande eco quando alguém grita de seu princípio, verossímil escorregadia falha, de burrices, magras, nas veridicidades, o arquiteto reside no quarto noventa e dois, com o quadro de “espolaridade amorfa” sem concessões, indubitavelmente. Abobas, ameixeira, tangerineira, limoeiro, maracoteiro, cajuzeiro, e demais frutas entre bancos brancos bem fixos na terra, onde pardais são os pássaros que mais habitam e cantarolam, no lugar chamado “as hortas” há plantações rasteiras de condimentos e algumas leguminosas, uns em forma de “N”, outros, mais simples, em formas de “I” , esse lugar fica á direita da ala direita, uma piscina de diferentes profundidades ao lado da ala esquerda com banheiros, o quintal posterior de um gramado aparentemente infinito se não fosse a cerca final, antes de alguns bancos, onde parece que o céu repousa no chão, o quintal anterior, mais simples, com alguns canteirinhos, alguns adorninhos, enfim. Mas adiante, conforme as narrativas forem se passando, descreverei melhor o ambiente, por hora está bom, visto que é muito rico para interromper de tanto a narração dos fatos, Honório foi levado até seu quarto pelos policiais, além do porteiro e da diretora, havia três funcionários, um responsável pela alimentação, outro pela recreação e um médico na maioria das vezes ausente, no caminho para o quarto Honório parou para beber um copo de água e viu um sujeito parado, enbasquecido, entarcionado, com a pele amarela, babava e entortava a cabeça para o lado, tentou dialogar.
- Oi.
- Geares Pecos! Frentes Faltem! Saberoni fretou!
- O quê é isso?
- Fores fresasse desce resta? Vinde? Trutas guinas gelam, vendes.
Os policiais apressaram Honório, o funcionário responsável pela recreação, que os acompanhava, surrou o nome do residente que era José, seu nome Francisco, na função de funcionário da casa a ao menos trinta anos e José, residente, vinte e dois, raspava as ancas sem propósito na parede, para modos mais aguçados, segurando no corrimão da descida, assoviando, uma melodia em flauta podre em som e odor, já que faltavam dentes, deslizou assim até o fim do corredor. Seu quarto era o último, tinha sido desocupado por uma ex-funcionária doméstica, que morreu ano passado, e havia matado seus patrões, sua irmã, o cunhado e o açougueiro. Quarto duzentos e dois, martelado, cravado para sempre aquele número até que se mudasse a coordenação e diretoria presente ali desde a fundação, quarto de Honório em sua estadia. Conferiu a batedura da cama e falou “é boa”, deitou-se, ouvindo gritos no corredor desandou a dormir com benevolência, depois de um único e longo suspiro encerrado, pensando estar pendurado em um pomar qualquer da região sul, mas estava na Bahia, ás três e meia da manhã acordado pela governanta, Dona Alcides, não quis saber da ilusória aparente, mas adornou-se mesmo assim, no modo parecer de receber as boas vindas pensãonistícas, pijama de urso azul, um negro de macacão lhe apertou as mãos desejando boa sorte, na ala esquerda, a porta, dentro, algo que lhe parecia, e muito, alguma coisa a se notar com choques e espetadas justificadas, mais de um terço da habitação ali presente, um deles saboreando sua própria fezes aos gritos dos funcionários que tentavam detê-lo, dois ao todo, cantaram uma música incompreensível, a tanta mistura de vozes incompreensíveis, trançando o silêncio perfeito ao mesmo tempo do comando da governanta, uma descida de braço.E seguiu-se as palavras dela:
- Você aceita essa como sua casa, Honório? Esses e mais tantos como seus mais próximos parentes?
- Sem opção de escolha, sim.
- Aprenderá a gostar muito daqui.
- Eu sei.
- Somos uma grande família.
- Eu...
- Percebeu? Que bom.
Dizendo isso, passou a untar o rosto de Honório com manteiga e pediu para que o mesmo se deitasse, pois fazia parte da aceitação geral e que era melhor partir desse principio mesmo, ao deitar Honório cerrou os olhos, despiu-se e cruzou os braços enquanto a Governanta pincelava com grande tom olvidado e com adequada amenidade, escorregava uma broxa verde metálica e que terminada a idéia, acendeu cinco velas dessas das mais grossas para rezas em defuntaria e pôs a pingá-las no rosto do novo hóspede que se levantou num salto abrupto e perguntou o quê vinha a ser tamanha estranheza de uma autoridade estadual que lhe respondeu oras se quiseres saber de quantos “es” compõe-se um livro, deve primeiro lê-lo e contá-lo na calmaria de estar preso eternamente ao domingo de manhã. Fizeram ares de reprovas ante a admiração do púbere internado e o toque de dormir foi anunciado por um dos funcionários de enfermaria no que na manhã seguinte, Honório comeu pães amassados com sopa de batata e mandioquinha dando pequenas pausas apenas para tomar água no tentame de diluir o excesso de sal, não quis vestir-se, atravessou o corredor de ceroulas e descalço, onde o chão gelado dava pontadas como crianças que cutucam um senil dormindo ou mesmo um gato morto e percebia-se realmente se fazendo notar desperto, e teria chegado até o fim não fosse um sujeito entrando em sua frente e dizendo que como era de se esperar não sabia o que fazer não é mesmo, mas que acalmasse porque era tudo muito simples e fácil naquele local, ninguém dependeria da sorte ou boa vontade de qualquer um, mesmo esse qualquer um sendo um grande qualquer um e que poderia andar com as próprias pernas e dedos congelados, se assim o desejasse, dentre dois ou três dias, mas por mesmo se a idéia fosse orar nos primeiros momentos, precisaria de supervisão. “Aqui ocupamos o tempo e só. Pode ser com qualquer coisa, desde que não faças mal a ninguém e não se machuque, e sim... pedimos por gentileza, quando o hóspede é dotado de algum senso de razão, que não se masturbe no gramado”. Como pôde perceber a maioria dos internos estavam na sala frontal, aonde começa a grande haste do Y, o centro de toda a estrutura esquelética. Havia apenas uma Tv e dois sofás, um deles onde cabem exatamente três pessoas de tamanho médio, de frente ao objeto, e outro onde quase cabem duas, do lado esquerdo de quem senta, e outros ainda, mais pessoas agitadas percorrendo um lugar á outro no acanhado ambiente, sem se comunicar, e os quais os funcionários tentavam levar para fora a fim de banhá-las em um pouco de sol. Honório quis aproveitar aquele bom dia solar e pediu para voltar ao quarto, ao fim de calçar umas sandálias, o sujeito sorriu como quem diz espera digo o quê. Quis sair urgentemente para fora, fazia um pouco de frio durante o período da tarde nos interiores das residências naquela época do ano, mesmo lembrar estando na Bahia e dirigiu as sandálias como um ex-estudante de engenharia mecatrônica para a piscina ao lado da ala esquerda, caricaturalmente. Entender como ninguém se afogava ali, naquela imensa banheira suja, deixou Honório durante tempos entretido, o coco ardendo, a boca seca, sóis remoídos nas imagens de uma gorda de maiô branco que se divertia com intensidade ao atravessar a piscina de uma ponta a outra, afundando no meio da piscina e reaparecendo ritmicamente, no tempo que se dava para cogitar que ela apareceria e sim, aparecia, caminhando como antes, num vagar molengo... Percebeu que não era o único a observar tal feito do qual ela parecia não se enfadar, os enfermeiros ratuscavam piadas entre si e pensavam qualquer aposta, e um outro sujeito gordo também observava, sentado sumamente febril, um sênior dos literatos, um gordo de cinqüenta e tantos anos, óculos com aros pretos e grossos, camisa florida de turista americano, bermuda e um copo. Olhou para Honório, como quem reconhece um novato e pede a retórica.
- Posso sentar aqui? – Disse Honório.
- Tá vazia, não?
- Prazer, Honório.
- Félix. Mas me chame de Gericáult, meu sobrenome – falava com um sotaque quase imperceptível – todo mundo quase sempre me chamou assim. Ignore meu sotaque... Sou francês. Primeiro músico, depois médico. Clarineta. Conhece?
- Não.
- Enfim, vim clarinetista com as despesas de meu pai. Tudo muito barato na Bahia, virava dinheiro alto o câmbio. Não trabalhava e vivia bem. Conheci Michele, com quem infelizmente casei, ela é baiana do bairro do Pelouro, de Salvador. Fez-me largar o instrumento, vendeu o diabo, brigou com meu pai por mim, sem ele entender uma palavra, mas compreendeu o tom, pois cortou a mesada e aí entrei na universidade federal da Bahia e fiz medicina, quase trinta anos atrás... Cá estou. E você? Porque está aqui?
- Prefiro não dizer.
- É?... Eu também não. Casa de repouso, né?
- Hum... – Disse Honório, chocho.
...
- Gosta de filosofia?
- Conheço pouco.
- Sartre?
- Pouco, mas ouvi falar que ele revolucionou a pedagogia moderna, mesmo na condição de filósofo, algo assim...
- Olha... Falo como médico, mas também como alguém que ouviu demais das outras profissões. Alguns pedagogos alegam que a visão de Sartre das relações humanas é, por demais, restritiva. Veja, em seus textos são excluídas todas as possibilidades de convívio íntimo, benevolência e compreensão como tais e sendo assim, seus apontamentos não podem servir como alicerce educacional, de um prisma libertário ou não.
- Como assim?
- Me perdoe palestrar, amigo. Honório, né? É... Mas Sartre vê as relações humanas como necessariamente hostis. Essa hostilidade se inicia na idéia do que é um ser humano e do que é o "Outro". Para Sartre, o ser humano é liberdade, entende? O ser humano, que existe em si, nada mais é do que seu próprio projeto livremente escolhido, um sujeito que organiza objetos ao seu redor como tentativa de realizar intentos livremente escolhidos. Com a entrada do "outro", a liberdade sofre limitação. O ser humano torna-se um objeto aos olhos do “outro” e só pode recuperar sua natureza de sujeito se, por sua vez, tornar o Outro um objeto. Círculo vicioso inevitável, como se vê, o relacionamento humano é intrinsecamente conflituoso... Gosto dessa palavra, “intrinsecamente”... Enfim, alega-se que o conflito se agrava pelo fato de que, no esquema sartreano, é impossível a dois sujeitos compartilhar um ponto de vista comum, o que nega a relação professor-aluno no sentido de descoberta intrapessoal. Isso elimina a compreensão mútua e, além disso, elimina a possibilidade de critérios objetivos ou intersubjetivos de aprendizagem. A pedagogia não mais existe, entende?
- Diz você, então, que a falta de comunhão elimina a compreensão?
- De fato, o próprio auxílio do professor ao aprendiz, está completamente fora de questão, é uma má-fé ao principio existencialista sartreano. Porém, a posição de Sartre a respeito das relações humanas decorre de sua concepção do ser humano e da existência. Embora, os pedagogos anti-sartreanos erram na compreensão das relações humanas porque também erram ao tentar compreender a existência segundo Sartre. É uma coisa pura de lógica, amigo. Tão óbvia que dói.
- Compreensão do existencialismo?
- Segundo Sartre, obviamente, por que ele é, foi e sempre será o existencialismo mais avançado. Nega as barreiras, ao mesmo tempo em que as impõe, coisa troixa, eu acho no particular... Ver o “Outro” como o ser pelo qual eu me torno objeto? Enfim...
- Interessante, mas vou dar mais uma volta.
- Me desculpe. Por favor, desculpe esse velho falastrão. Gosto de conversar. Pego pessoas pra cristo e você é o único que me ouviu até o fim. Vai ouvir muitas palestras minhas ainda. He-he-he.
- Não vejo a hora. – disse com desdém.
Espreitou a piscina e a coloração dos ladrilhos, andou em torno dela, fazia frio baldado ás rumas para se entrar ali; observou mais alguns pacientes e julgou estar entediado demais para conversar com os sem juízos nenhum, e a única coisa para ocupar os olhos era a gorda de maiô branco, mas aquilatou ao notar-se cansado daquilo lá e sentou novamente ao lado de Gericáult, vencido.
- Com Sartre? – Disse este sorrindo.
- Por favor... – Refutou Honório, sério.
- Certo... Olha jovem, vou te falar um pouco dessas semanas, não quero te alugar com o que eu vi durante esses anos todos, mas somente com essa semana. Uma semana hein... Já viu o quarto 23? Aquele com um desenho numa placa de um submarino todo torto pendurada na porta?
- Não. Qual?
- Quinto. Á esquerda. Pois bem, dia 17, uma terça, acho, quase duas semanas antecedentes á sua vinda, morava uma senhora de noventa e dois anos naquele quarto.
-... E?
- Trabalhava em recreação. Exercitava os músculos. Era um exemplo. Pregava alguns trabalhos de madeira, bem feitos, por sinal, oficinas comandadas pelo Josuel. Ele era voluntário, ainda o é na verdade. Por fim, ela tinha acesso ao almoxarifado. Sofria de aneurisma. Raspou a cabeça na máquina, á tarde. Os enfermeiros estranharam, mas não viram muitos perigos. Embora velha e paciente, conservava um bom juízo julgado pelos demais. Á noite começou a cravar pregos na cabeça. Á marteladas. Um por um, com calma, sem gritar, ninguém ouviu nada...
- Que coisa mais horrenda.
- Primeira lição, rapaz. Nada aqui é horrendo, pois saiba... O pior não foi isso. O pior é que ela estava viva de manhã, com oito pregos fixados na cabeça, até a haste, o sangramento totalmente estancado. Sentou para tomar café da manhã normalmente, veio andando devagar, bem devagar, olhando pro nada. Ocorreu um alarde geral. E a velhinha lá, tranqüila... Morreu no hospital, quase cinco horas depois, sem pronunciar uma palavra. Dizia Schopenhauer: “Desviemos um instante os olhos de nossa própria inteligência e de nosso limitado horizonte para a compreensão”.
- Que coisa...
- Quer saber? Pois pra mim morreu bem. Conseguiu um feito, digno de admiração dos profissionais de medicina: a perfuração de um crânio sem uma broca, sem anestesia e desviada de pontos de complicação sem o conhecimento da literatura destinada á isso. Só errou ao acertar a massa encefálica. – Ri um pouco - Pois veja, com o auxílio de um bisturi e uma espátula de raspagem, descola-se o couro do crânio de forma a tornar limpo e evidente todo o osso temporal, sabe? Aí, com um paquímetro, ou qualquer instrumento de medição que sirva para isso, mede-se a distância entre os dentes incisivos superiores e a parte superior do Atlas. Atlas é a primeira vértebra cervical, não os mapas, hein? Feita a medida, divide-se o valor obtido por 6,91, de onde se obtém a profundidade da perfuração, para serem atingidos os nervos coclear e vestibular, referente ao vestíbulo do ouvido. Coloca-se a broca na porção medial do processo mastóideo, na linha de seqüência da sutura lambidal, e marca-se um ponto para início da perfuração nos hemisférios direito e esquerdo. Com o uso do aparato, é possível guiar-se a furação, para serem atingidos os objetivos desejados, compondo com ele o guia para inclinação da broca de dois dos três ângulos. O terceiro ângulo é conseguido visualmente, orientando-se a perfuração rumo ao centro do conduto auditivo externo, para o nervo coclear; ou rumo à tangente superior interna do mesmo conduto, para se atingir o nervo vestibular. A perfuração é iniciada à meia velocidade, para evitar-se o aquecimento do osso. Após os primeiros 3 a 4 milímetros de perfuração, a broca está na cavidade da fossa subaquata. Nesse ponto, com a broca parada, posicionam-se adequadamente os ângulos da furação para o término da operação. Com a prática, pode se desprezar o uso do aparato. Com a broca dentro da fossa subaquata, é muito comum jorrar algum sangue pela perfuração, o que cessa em poucos instantes, permitindo a continuidade, mas é preciso cuidado nessa fase, pois o tecido cerebelar acha-se muito próximo e sem qualquer obstáculo impedindo assim um possível trauma. Atingido o objetivo, pode-se, com uma seringa, sugar a massa nervosa desejada, que já foi rompida com facilidade pela ponta da broca. Mais cuidado é necessário para o uso de agulhas coletoras de sinais, pois deve se atentar mais para a precisão de forma a atingir-se o conduto do nervo sem que este seja lesado. A velha devia ter feito isso. Mas pregou a cabeça mesmo, fazer o quê...
- Você é um filho da puta, Gericáult.
- Prazer, Honório. Agora sou eu que vou andar. Na verdade dormir, acordar ás dez da noite. Sabe...Há anos troco o dia pela noite. Vou te dizer, á noite, nas madrugadas, esse lugar é muito mais interessante. Recomendo-te, amigo.
- Vou lembrar.Até mais.
Levantou-se retirando a sunga do rego.

A Estimável Casa de Alcides (Romance) - Parte III: Ponte

Pareceram séculos, mas foram somente algumas horas ficando sentado e boquiaberto em frente á piscina, a gorda fez a mesma coisa durante todo sazão, quando uma fila de espectadores se formou aos poucos e Honório viu entretido e entediado todo o processo enquanto Vladimir, o porteiro, ria com animalejo, apontando e ficando encarnado, mas a enfermagem presente não, conservaram-se infringíveis. Os barulhos eram de pratos e de passos a maior parte do tempo, ria-se bastante também, mas na sua maioria funcionários e voluntários, que paravam uma hora, porque se algum paciente ria, era o que sempre ria e desatava a rir por horas, variando apenas a intensidade, nunca a altura ou a expressão e se variasse, era mero descuido; porém uma defesa sempre soa clara e profissional demais não sendo vinda de homem em aparência. Cagou limpando-se refletivo. Sorriu ao badulaque fálico na entrada. Do banheiro. Foi até o quarto, despiu-se, sentou na beira da cama. Batidas improlíficas na porta. Era Gericáult que lhe deu um caderno em branco e uma caneta. O melhor jeito de se passar o tempo, dizia ele. Honório rabiscou essas linhas:
Não existem mais culpas. Eu nunca vi acontecer e não foi por falta de tentativas. Nada me pareceu tão agressivo e medíocre em toda a minha vida. Nada. Apenas frases dispostas de um jeito que originou repulsa. Deixo pra quem tentar, quero distância. Edouard Lalo faria melhor. Saint-Säens faria melhor e Berlioz então, nem se fale. Melhor que os outros dois. O objeto principal da sala, os elementos e a culpa. Tudo fez parte de um caleidoscópio crítico e sincero que me deixou embrutecido. Deveria tratar melhor a cabeça antes daqui. Tive um professor no colegial que dizia que eu devia tentar o celibato. Coitado, botei fé. Mataria de desgosto o primeiro mestre, tamanha minha explosão egocêntrica. Mas devo esquecer, concentrar-me nos monstros japoneses atrás de mim. O trabalho. A única salvação é a transformação do trabalho. Escrever, pintar, carregar bugigangas do Paraguai, sabe-se lá. Qualquer coisa que fizer, fazer até desgastar a cabeça do cacete. Trabalho, de péssima qualidade, mas trabalho. Às vezes penso se não pode ser uma desculpa. Ler. Ler ajuda. De algum jeito o objeto me ajuda. Reverência e capricho. E o ridículo fato de pedir um bombardeamento de vida ás duas da manhã olhando pro lado, deitado na cama? Maldito caminho. Maldita condição. Falta mais amor e perdão. Agora sim, desencana. Birra e trajeto. Tchau. Beijos.
Achou uma merda, rasgou a página, escreveu na que seguia ainda batida de lápis da página anterior: Titulo: Diálise Não Tropical. Primeiro parágrafo:
Comunicação? Esquece. Trabalho. Ultimamente venho ofendendo muito, mas faz parte da estirpe característica. Quatro latas de cerveja em estômago vazio. Minhas diálises não-tropicais me levam a isso. Porque diabos um não-tropical, sendo que sou latino? A vida ás vezes prega peças fantásticas. Veja bem, um rato. Um rato de nome Maijon procura um queijo. Não o acha, vai seguindo em seu labirinto mesotópico. Não encontra o que deseja, e segue. E segue. E vai. Passa por uma ratoeira, duas, três e na quarta se estabaca. Fica agonizando na armadilha. Força os pequenos olhinhos para localizar o queijo. O localiza a poucos centímetros, mas está preso. Concentra-se então em morrer olhando o queijo, de forma poética. Mas, há outros ratos. Centenas, todos procurando queijos no labirinto mesotópico. Deparam-se com outros ratos mortos na ratoeira. É sua vez, há mais de cem ratos. E ao invés de ajudá-lo, aproveitam que está com a cara semi-esmagada no objeto pontiagudo feito de metal, agonizando, e descarregam seus espermas em seu ânus que está exposto, sem Maijon poder fazer nada. Essa é a Diálise que vos falo.

Achou uma merda, rasgou a página, escreveu na que seguia ainda batida de lápis da página anterior:
Nunca soube ao certo como iniciar um prefácio, um livro, um conto. Introdução, meio, final. Como um jogo de xadrez ou como uma música de vários meios, mas somente um começo e fim. Às vezes acredito que só existam os meios, o restante a gente toma como inicio ou fim, mas é um meio. Se tomarmos um meio como fim, chega a ser o meio de um fim, uma apóstrofe um In eternus, ou uma porra qualquer que desemboca em outra historia. Nesse sentido, não existe linearidade, por isso odeio tanto cinema. O ideal de historias juntas, contadas, descartadas, esquecidas, apagadas por óbito, que seja. Mas a sagacidade, a extrema ironia de um Machadão, de um Kafka, de um Oswald, de um Barroqué que com facilidade burlam esse sistema medíocre da escrita, abrindo leques gigantescos de percepção sobre o acontecimento descrito, isso é tão complicado que deixo aqui a posição de reles verme pútrido rarefeito sujo de merda, esperma e escarro sobre a estrada de terra batida, verme preso nos fluídos, atropelado por um jegue enquanto fugia do peão da chácara do Zé Inocêncio. Mas como dizia o mestre Geraldo: “Tá a fim de fazer cagada, faz duma vez, caralho! E já que vai fazer cagada, faz de acordo!”.
Olhou para a página, gostou. Iniciaria um romance.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Emergindo tardio e inesperado da massa é descoberto mais um paranoial.

A testa está tão retorcida e encharcada que os olhos ficaram totalmente vermelhos, irritados pelo banho constante e inevitável provindo do escorrimento da transpiração facial incontrolável e abundante. Suando frio, pálido e sentindo-se tonto, olhando há quase meia hora fixamente para o caderno que está com quase três linhas rabiscadas á lápis numa ortografia ilegível para a grande maioria, ainda não fez um só movimento durante essa meia hora, costas curvadas, um fino e transparente fio de baba escorre de sua boca semi-aberta. São duas horas da tarde e o sol bate cheio, generoso, em sua janela fechada. Talvez a única janela fechada numa extensão de quinze quilômetros. Uma mosca-varejeira de um verde metálico pousa no caderno. Seus olhos saem da parede bem divagar até a fitar. De repente, num espasmo, ele grunhe mordendo a língua e dá um tapa barulhento nela. Não sabe se conseguiu acertar o golpe ou se o inseto esquivou-se. Na verdade não importa. Importa que o barulho acabou. Pega o lápis, risca, rabisca, risca novamente e então pausa olhando de novo a parede. Os ciclos repetem com variações pequenas, singelas até que atingi a madrugada. No meio da cidade aberta, cinza e sonolenta, é revelado mais um paranoial.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Joel Boa-Morte

Deitado na cama suja em um hotel de terceira com os pulsos cortados velando o teto, esparramado e frio em sua existência, contempla o som silencioso das moscas que pousam na lâmpada, olhando esta em sua parcialidade, mas como se não estivesse, com os olhos fixos e secos, olha sem piscar, seu nome é Joel Boa-morte, mas tam’bém foi conhecido como Félix Salgado nos momentos em que se foi joconicamente concluir sarabaques por todos os cantos da alta sociedade. Tenta o suicídio e espera a morte, mal percebe os cortes superficiais nos pulsos, mas sangra bem e talvez pela sensação do sangue grosso escorrendo sobre a carne e a saliva que escorre em demasia pelos dois cantos de sua boca, acredita cegamente que vai morrer. É fim de tarde, o sol humildemente se retira, sem pressa nenhuma, como quem tem vergonha, e as recordações aparecem como um caleidoscópio porco. Joel procura organizá-las buscando um sentido menos banal, um ponto perpendicular, uma hélice transversa qualquer; organizar em ordem cronológica como chegou a tal situação. Sabe-se que foi viajante de comércio, debatendo a si mesmo a posição que se pusera, pois ao vender se sentia num duelo de imbecis mirando o fedor de suas mentes falsamente distraídas em torno da situação subtendida. Situação composta da mesma matéria de que é feita a luz dos museus. Abandonou, obviamente, somando menos de dois anos servidos á companhia Steinghhall, multinacional, e voltou a pedir dinheiro para a avó, fingido estudos de direito numa universidade privada da região. Notícia que foi por essa muito bem recebida, pois dela, a avó, Maria Helena, ele herdara a ambição de buscar uma riqueza descomunal, que quando menino lembrava haver na família, mas que acabara com seu avô, trocando três chácaras, duas casas, uma delas um casarão na capital, alguns carros, muito gado, por bebida e bucetas. Morreu se presenteando com uma bala na cara e ainda deixou algumas dívidas como herança para os filhos e mulher. Seu neto, Joel, cresceu com a avó que via nele, seu neto único, a oportunidade perfeita para o resgate da condição de pessoas endinheiradas. Após a comunicação sobre o falso curso, Joel pensava que vultos lhe observam, até agora a impressão permanece, pois fora do hotel, sim, lá fora, apontam para ele, gritam seu nome nas ruas, julgam-no, e aos poucos, o infeliz percebe de onde surgiu a decaída. Era dezembro e comia mal, e saia pouco, e não tinha amigos; se queixava. Quem eu estou querendo enganar? Joel sou eu, ora. E deixemos de lado as descrições pomposas que me deitam à vista ao dicionário e me fazem parar a cada minuto em uma frase. Certo que não morri, esqueçam a cena ridícula da qual passei na pousada, achando que esperava a morte. Há outras coisas mais ridículas de que quero falar ao papel, e á você, leitor imaginário, e a pressa é muita, pois a vontade é pouca.
Morava em um apartamento num prédio de três andares. Segundo andar. Quarto dezesseis. Geladeira, quase sempre vazia, televisão, cama de solteiro, duas panelas, quatro pares de garfos e facas, uma colher, um Fiat 98 de vovó, de molho, um fogão caindo aos pedaços, uma escrivaninha, um colchão na sala servindo como sofá, um aparelho de som que toca apenas fitas e pega rádio. Essas são minhas posses, amigo, foram gentilmente cedidas pela minha avó. Na verdade foram mais, mas a venda foi necessária pra suprir alguns luxos dos quais me dou de vez em quando. Essas vezes em quando se transfiguraram no episódio do qual narrarei aqui: minha existência como Félix Salgado e seu desarrolho em minha frustrada e ridícula tentativa de suicídio naquele hotel daquela noite.
Foram á exatos três anos atrás, eu tinha alguns amigos ainda e em especial uma, aliás, minha melhor amiga, da qual tentei algumas vezes buscar sua afeição mais sexual e que custou quase a amizade. Seu nome era Marcela. Transcreverei de minha memória, a qual não é de muita confiança, o diálogo que tivemos naquela tarde de abril em um café no centro da cidade:
- Quanto custa esse café? – Ela me perguntou.
- Dois reais. Por quê?
- Imagina se a gente deixa de tomá-lo, amanhã estaríamos com dois reais a mais.
Achei muito estranho o quê ela me disse, mas não quis ir mais adiante naquela conversa, pois embora o raciocínio fosse lógico e simples, uma demonstração de mesquinharia á primeira vista, me pegou de tal maneira que passei a refletir sobre aquilo e não saí à noite, como saio todo dia, e fiquei a fumar e pensar, em casa que dois reais, oras, dois míseros reais e em um mês eu teria sessenta só do café. Minha avó era pobre, mas fazia de tudo para me enviar dinheiro, de tudo mesmo, se endividava e tudo mais, afinal, seu filho estava cursando uma faculdade. Caro leitor, nesse instante eu acho que já percebestes porque iniciei estas linhas em terceira pessoa, me sentiria mais á vontade, porém não me julgue, por favor, não julgue meus atos. Eles me levaram ao hotel, não se esqueça disso e além do mais, vá para o inferno com seus apontamentos.
Elaborei uma estratégia simples. Nada complexa, tão simples como a reflexão de minha amiga Marcela. Maria Helena me mandava seiscentos reais por mês, quando eu gastava tudo, pedia mais e ela dava um jeito de segurar meus caprichos. Comecei planejando a semana, apenas gastando em comida barata e guardando o restante. No sábado, tinha noventa reais. Liguei para Marcela e a convidei para sair. Fomos a um restaurante, depois para um bar de classe média no centro e voltamos pra casa sem um tostão. Paguei tudo. Mas foi tudo muito vazio, tudo muito normal, sem cor, claro, eu não senti que era o suficiente, então peguei o restante do dinheiro do mês e comprei pão de forma, ovos, manteiga, queijo, arroz e cigarros em pacotes suficientes para um mês, porquê o restante ia gastar em um só escolhido. O carro não sairia da garagem coletiva até o dia certo, por nada. Começo difícil, caro leitor, não pense que dinheiro é fácil de segurar. Estratégia. Coloquei numa conta no banco, quebrei o cartão e retiraria valores de lá somente no caixa. No dialogo que se seguiu com minha amiga inspiradora em sentidos vários, senti um clima propicio é mascarações por parte de surpresas em explosões faciais, ora ria muito, ora calava-se pensativa. Disse-me, tomada por concluído: “se der certo, por favor, chame-me um dia que lhe farei companhia. Seria uma saída na noite da qual nunca teria tido antes com nenhum outro homem na minha vida, e por isso mesmo de uma especialidade memorável sem igual”. Confesso que aquilo me excitou ainda mais para continuar tentando, já tinha pensado umas sete vezes em ir ao banco, desesperado por meus pequenos caprichos, mas aquilo foi o toque divino. “Ela será sua! Somente continue” um possível Deus urrava em meus ouvidos, minha parte Deus, não aquele de Abraão e Malaquias, mas um deus, forçando o santifico pela cor abrumada do sexo, o quê dava certo e talvez pensem agora, pausando os olhos daqui, os pastores leitores que ajude esse toque pra pegar ovelha rebelde, mas mesmo na certeza, estava ainda no terceiro dia e havia ainda vinte e oito, com minha avó mandando dinheiro e eu não o pegando e no quinto dia recebi uma ligação que era esperada por causa das noites que me pegava pensando, querendo vencer a mim mesmo, tentando cercar o plano, o telefonema perguntava-me se ia tudo bem, pois ela notou que eu não havia retirado nada do primeiro depósito, velha, mas não boba, sabia que eu nunca deixei passar mais de dois dias, qual respondi que havia recebido um dinheiro por um favor feito á um amigo na faculdade, mas que mesmo assim continuasse mandando conforme o combinado, pois pretendia uma viagem no último final de semana do mês, e embora toasse com certa estranheza aquelas palavras, pois minha avó sabia o ódio e o excitamento de repulsa que eu tinha por viagens, a velha achou aquilo bom, não disse, mas pude sentir no tom passivo, dentro de seus gostos, pois lha soava pomposo o suficiente para recordar os tempos passados, tentar tirar um caldo da fruta despedaçada, mesmo que como platéia.
As quatro semanas que se passaram foram uma experiência única e de certo modo até instigante, me divertiu na falsa pobreza, na quebra extremista da rotina, quando ser pobre é uma opção, como os sovinas e excêntricos, não há tristeza nem pena que atinja, e ainda mais, além disso, peguei gosto pelo jogo e assim sendo não gastei ao menos um centavo dentro do período, mantendo os últimos vinte e cinco na carteira como um símbolo sacro, almejando vitórias, olhando-o sorrindo, como um moleque já orgulhoso da traquinagem, antes mesma de fazê-la, e tudo realmente passou conforme planejado, afetuosamente para com o dia, por certo, com exceção de um único, o décimo quarto, por exato, onde na eminente infelicidade encontrei um amigo enquanto eu olhava distraidamente o conteúdo dependurado na lateral esquerda de uma banca de jornal no centro, amigo este que eu devia uma quantia pequena, porém considerável dada a situação de ambos, e que se não houvesse tempo em vê-lo esqueceria da divida tranqüilamente, mas aproximou-se de mim e não me falava como amigo depois de uma abordagem fria evidente e sim como um credor direcionando-se ao endividado, já nos passos em direção, ainda mais forte na fala, saboreando o desespero deste, sentindo-se finalmente superior a alguém em seu intimo de não necessária, nem relevante, inconsciência, e no que tentei negociar e quanto mais negociava, mais ele crescia em seu ego, no sempre confortável abraço da posição de centro-dirigente de uma determinada situação, e como são raros os momentos assim para as pessoas cotidianas e de rosto anônimo, como ele, eu e os milhares, o sujeito aproveitava-se ao máximo, querendo prolongar o tempo ao máximo possível, num êxtase tão saboreado que nem se mostrava presente, sim, e o dinheiro nessa altura já virara segundo plano, visivelmente o infeliz nem se importava mais se o receberia, e de tanto não e de tanto sim acabei falando que pagaria no fim do mês sem falta, com ar de promessa séria, mas pediu-me uma garantia como antevisto por mim antes mesmo do meliante começar a tentativa de um diálogo de acordos que não estragasse meu plano até então sem falhas, mas no desfecho, bem, considerei-o uma segunda façanha, a inicial e estrategicamente dorsal já a tinha dado por concluída bem antes do prazo, tamanho era meu empenho, mas senti que não ganhei depois, mais tarde, em casa, pois poucos dão um relógio de dois altos valores, sendo um deles retornável e o outro não, por uma idéia ainda não concluída, e ainda mais: vendendo-o pagaria a dívida e contribuiria ainda para o bolo acumulado de depósitos. Mas depois. Depois era depois até naquela hora, o negócio era ali mesmo e ainda soma-se esta condição fatídica, percebida postumamente: dentro de meu orgulho não se passou em nenhum momento, a não ser depois, a idéia de simplesmente sair andando, pois era amigo morto, conforme a sua própria vontade explicitada e judicialmente não tínhamos nada registrado, e nenhuma testemunha. Esqueça caro amigo, são chateações passadas que agora te aborreço, não essenciais, percebi de sopetão estar prendendo-o por um simples capricho pessoal, de quem se acha num contexto favorável o dono da palavra, que acaba de tecer uma crítica quando da posição superior no vocábulo dialético e a comete, contradizendo-se, que não leva em conta que pode ter você abandonado a leitura dessas palavras reunidas aqui há muito tempo, por tédio ou decepção, e as usa como um velho reclamão que só é assim porque não tem muito quem o ouça e o que mais queremos ao ser ouvidos na verdade é desabafar, reparem nos grandes diálogos, mesmo de terceiros, grupos, ou até na escola de Sócrates. Uma hora surge esse banal e ridículo fantasma camuflado, o grito no escuro que nunca espera resposta, pois tem consciência própria, alguém a solta, emudecida ou não, e fazemo-los com pausa, mas falta-nos essa quando existem raras orelhas disponíveis, por motivo talvez da certa antevisão do possível ouvinte. Fiz de novo. Desculpe. Já tá mais do que na hora de ir pro desfecho do primeiro mês que não calculei trajetos nem lugares, este azucrinante narrador aqui, nem ao menos idealizei programas, parte dele, ou mesmo uma idéia. Isso foi o mais difícil. Acredite. Incrivelmente difícil. Ansiedade natural da conclusão, da parte boa, a idéia era decidir somente no dia, quando pisasse pra fora de casa. A única coisa fechada era que Marcela iria junto comigo, além do dia e da hora, pois mulher não se chama de repente, porque se ela topar prepare a cadeira com tranqüilidade, perdido nesses que então decidi que na próxima, já estava certo que haveria uma próxima, nem ao menos o dia eu saberia, bastava querer e ter juntado bem mais que o considerado suficiente, e de repente, zás, ia pra rua e se Marcela desejasse ir junto, que já estivesse pronta e viesse ao encontro, pois a idéia de sair com ela já não me seduzia como antes, estava agora indiferente, mas excitado com a possível novidade, e preocupado com a próxima motivação que garantiria a segunda feita, e um pouco arrependido do convite também, estava com dinheiro demais, não ficaria sem companhia na noite, mas primeiro dia tudo bem. Estava pensando no segundo sem nem experimentar o primeiro, que criançola, mas nada mais além destas coisas era previsto, e peguei-a, fui pegá-la, na verdade, ás sete da noite, pausando a buzina, fazendo ritmos, brincando com certa vontade de moleque que foi autorizado á voltar novamente ao campinho pro futebol depois da janta. Mesmo sabendo dos dez minutos obrigatórios para as aparências, e sim, existem sim as verdades absolutas do sexo, desculpem-me joanas d´arc, taradelas por boceta, me peguem na rua, agora ela desceu, vi a luz do seu quarto apagando, sinto as escadas tintilando, trinta segundos no máximo, espere, já apareceu. Veio com uma saia preta que refletia a luz na vertical de um jeito que até retomei a idéia de come-la. “Vamos?” – Ela disse, fechando o portão - “Não, vim avisar que não vamos mais”.Pausa. “Brincadeira, entra aí”.Começamos rodeando a cidade, não no sentido literal, mas no adverso, e nenhum lugar parecia caro o bastante. Depois de uma hora e meia e uma abastecida num posto, paramos num famoso restaurante da cidade, não era o ideal, mas era um começo, aqueles de prefeito e imbecis que estão na sempre curta fase de ser proprietário de lambedores de saco convulsionados. Fomos barrados, pois eu estava com roupa social e sapato, mas não tinha gravata. Comecei a negociar, e justamente quando a primeira noite já estava fracassando a si mesma, num broxamento defecado, caras quase muchas, alguém assoviou. E para minha surpresa, na hora nem agradável nem desagradável, apenas de uma bizarria espetaculosa, no mesmo momento fomos autorizados a entrar, mas que filho da puta, pensei, filho da puta, e eu comendo pão com manteiga e ovo a semana inteira, apenas dois lanches por dia pra dar pra semana, o cara me cobra, e o lazarento com uma puta grana pra comer cotidianamente (concluí, pois caso contrário não teria façanha de por alguém pra dento) em restaurante de granfina, sentei quieto, ele carregava meu relógio solto no braço, explicitamente para quem quisesse ver que tinha sido feito para um outro, comia sem mastigar pratos de um salário mínimo em duas colheradas, pedindo outro em seguida, Marcela totalmente quieta, sem encará-lo, nem mesmo olhá-lo, meio cabisbaixa, só não totalmente, pois mantinha evidentemente costumes propositais, ou não propositais, submersos, mas enfim, tenho sempre um juiz dentro de mim, e para piorar, um juiz precipitado, ela tinha costumes de criação da mulher do interior, daquelas que se não dormem direito quando jovens, exalam um aroma parecido com amora fresca que atrai os pedófilos, mas na verdade nem eu falei naquela mesa, ele disparou a falar, como se fossemos amigos de encontros cotidianos, confidentes, sem tocar no episódio da dívida em nenhum momento, mas acho que não por opção, pois parecia nem mais lembrá-la como questão apagada, pois concluída, e aquilo causou tal estranheza de interesse que depois de um tempo comecei a confidenciar também, e se houvessem bebidas além do vinho, descreveríamos até um assassinato se cometido, mas duas horas se passaram e resolvemos esticar, eu e fulano já havíamos nos entendido bem, esquecido o episódio, e sugeri um lugar daqui, mas disse o desgraçado sorrindo “Não, aqui não. Sempre há conhecidos, se querem torrar uma grana é destino cidade vizinha” “A mais perto fica á 30 quilômetros daqui” pela primeira vez falou Marcela, “Mas é pra lá mesmo que vamos”, bateu o punho cerrado na mesa. Esta cidade de que falo e que foi o início do deslumbramento e começo da espiral descendente, carregava em si um ar de distrito da grande cidade de que vínhamos, um lugar típico de magnatas que moram num casulo protegidos por uma segurança local particular, bem mais eficiente que a polícia, e bem mais interessada ao dinheiro também, por mais incrível que pareça, são comuns os casos de casas que não pagam a segurança serem assaltadas várias vezes, até começarem a pagar, e no caso de teimosinhos, a segurança mesmo deixa pista da autoria, como achar parte de um furto, ou o carro, se for o caso, dez minutos depois. Agora os responsáveis pelo ato? Nunca. Molecada de outro bairro ganhando troquinho, enfim, era um distrito disfarçado de cidade. Um terço da minha grana tinha ido naquele restaurante, mas sentia que valeu a pena, alguém ali estava junto, duplicando valores de diferentes essências, mostrando algum possível caminho e eu me preocupava com merdas não justificadas e se possíveis de aprendizado, comecei a notar. Ao sair o cobrador de dividas em banca de jornal sugeriu sairmos em dois carros, mas olhou bem para o meu e disse “venham comigo”. Acho que um Porsche 2006 não combina muito com um Fiat 98 de uma vovó, com fitas amarelas e brancas do Bonfim no câmbio e no vidro retrovisor esquerdo. Deu a chave pra mim, e disse: Vocês estão juntos, mulher sozinha atrás fica chato, mulher dos outros vindo comigo na frente do mesmo modo “. Marcela emendou quase encima da palavra final, e falando tão rápido que atropelou algumas delas:”Não estamos juntos”. Ele sorriu entrando no banco de trás com um sorriso bêbado, de um bêbado estufado de comida, em silêncio, quando entramos começou a fuçar embaixo dos bancos. “O quê foi?”, perguntei, “Perdeu alguma coisa”, respondeu “Espera.” Quase três minutos depois tirou um litro de Uísque quase cheio, talvez dois copos pela metade retirados, espumando um pouco na superfície devido ao chacoalhar do carro, quem sabe de agora ou mesmo de antes e virou o doze anos no gargalo, como se fosse pinga barata, derramando serelepe, chacoalhando os cabelos, e passou pra Marcela que ficou meio constrangida, mas no final acompanhou o gesto, por fim fizemos uma roda com a garrafa, e cada vez vinha com mais velocidade em minhas mãos de tal forma que eu quase não acompanhei o curso da estrada, e matamos o conteúdo em um pouco menos de cinco minutos da entrada principal da cidade vizinha. O anfitrião berrou, alucinado, arregalando os olhos antes fechados, como se já estivéssemos no centro da cidade: “Não entra! Pega a primeira á esquerda”. Só dava pra entrar pela esquerda, se eu soubesse não ficaria tal atento, mas tudo bem, em menos de dois quilômetros nós viramos. Era uma estrada fodida, além disso sem iluminação. Era fodida, mas era de asfalto, e serpenteava em meio á canaviais intermináveis, punha em prova a autenticidade do veículo, bem, serpenteada, porém única, só acompanhava o terreno irregular porque na realidade íamos.sempre reto, direção única não alinhada, uma eternidade da mesma estrada, e o dono do carro soluçando, de olhos fechados, mas acordado, grunhindo um pouco antes de passarmos em buracos, como se conhecesse não só as fendas no asfalto que poderíamos evitar, me falando, mas também o tempo do trajeto, uma vez que vi pelo espelho quando abriu os olhos no momento exato quando cheguei em uma encruzilhada sem placas e disse “esquerda de novo”, e em menos de duzentos metros nessa nova rota, a estrada passou a ser de terra, e estando mentalmente preparado para mais um bom tempo de volante, começando a me entediar, único elemento do fracasso, eis que o ilustre passageiro pede, com o mesmo tom simpático e cativante de antes, perdoe o uso de uma pobre ironia, mas dessa vez sem salivar pelos cantos da boca, pediu para parar; e o lugar? Bem, não tinha nada ali, ouvia-se aqueles sons da noite num campo natural de visão aberta em incondicional característica, e em termos de alma humana dava para ver três ou quatro fazendas, que o relevo permitia por ser montanhoso, imersos da massa negra em pontos de luz solitários ou acompanhados de mais um ou dois, no máximo, que provinham comprovadamente da mesma casa pelo espaço entre eles, gerando a unidade, mas não a identificação da estrutura geral. Ele começou a descer por algo que parecia ser uma estreita estrada mal feita, criada pela utilização ocasional em que pensando nisso perguntei do carro, não respondeu, era pra deixar ali mesmo, aberto ainda, vi depois. Pensei em abrir o dicionário algumas vezes, a fim de dar uma cara mais letrada ao relato, sem tantas palavras, recursos ou junções repetidas, já que não sou um escritor e sim um ex-estudante mentiroso e mimado, mas sinceramente gostaria de um aspecto de texto mais interessante, menos monótono. Não sei como está, pois ainda não li, apenas imagino-o quando ouço os ecos, mas não me centro neles, ganham um caráter de um mantra incondicional, ignoro-o por desejar escrever tudo sem parar até o final, vomitar de uma vez a merda atolada, e sinto que lê-lo me fará largá-lo por definitivo por vergonhas, de várias naturezas, ou constatação já percebida da perda de tempo. Mas acredite leitor, tais divagações são importantes para entender o desenlace final, que ainda é longínquo, e se é que ele ainda interessa. Aonde chegamos? Depois de uma puta caminhada, numa chácara encoberta, atrás de um sopé de montanha, totalmente clareada, o ilustre tocou a campainha, não ouvi nada, Marcela e eu estávamos um pouco longe, só sei que menos de um minuto estávamos dentro do recinto, acompanhados por uma pessoa armada que cumprimentou-nos com um gigantesco sorriso e não disse mais nada. Um figurão, com seus sessenta e tantos, apareceu acompanhado de dois seguranças vestidos de trapos, abraçou a todos, emendou: “cadê o carro? Vieram á pé?”, no qual o nosso guia respondeu entre soluços “queria fazer uma surpresa” “E quem são seus amigos?”, nessa hora pensei rapidamente que o ilustre nem sequer devia lembrar meu nome, apenas lembrava antes que eu lhe devia, e Marcela, bem, Marcela conhecia o episódio inteiro pelas entranhas, “Félix Salgado, prazer.” “E adorável mulher?” “Amigos somente. Meu nome é Marcela”, estendeu a mão de cumprimentar, mas ele a beijou, então subimos pro segundo andar aonde um som de festa ia aparecendo a cada passo até que enfim se revelou, depois de uma porta de seis metros e tão adornada que de pronto desvendava a megalomania presente no figurão, na sala ninguém tocava piano, e nem haviam bandejas metalizadas, nem alguém vestido de garçom ou empregado, o som era de um rádio amplificado por várias caixas de som espalhadas no cálculo pela sala toda, as iguarias, ou oferecimentos, ficavam numa mesa grande e as poucas pessoas que não estavam vestidas daquele modo idêntico, ao menos usavam alguma cor presente na maioria, era uma cena verdadeiramente enjoativa, Marcela por sorte estava de saia preta, única das peças de roupa que ela usava que combinava, mas tinha alguma. Sim, enjoativa, mas em menos de quinze segundos comecei a me centrar nos detalhes, talvez por querer achar uma razão ou até mesmo um algo que provocasse mais interesse ou diversão, e dentro desse silêncio escondido descobri algumas coisas legais. A quantidade de mulheres era quase sete vezes a quantidade de homens, mas desses sétimos, seis sétimos delas aparentava ter mais de cinqüenta anos, vestidas impecavelmente iguais, todas, e pouco interagiam, pareciam estar ali apenas por uma obrigação social, daquelas que não se questiona, mas uma condição de obrigação involuntária, talvez por conhecer demais aqueles encontros já que pareciam acontecer á muito tempo devido ao fator de minha pessoa observar poucas pessoas deslocadas, sem jeito, como se procurassem um apoio, aliás, quase nenhuma, só não digo somente eu e Marcela, pois não posso afirmar com absoluta certeza, na verdade eu já estava me sentindo bem, á vontade, pois essa era sim uma daquelas raras festas onde você pode ficar parado, quieto, observando sem ninguém lhe perguntar motivos, tentar te “animar” em atitudes ridículas, ou simplesmente fazer cara feia. Ou todas as alternativas com intervalo de tempo ou juntas. Olhei depois de um tempo, na verdade por causa de um simples e comum lampejo de lembrança, para a nossa companheira que estava com os olhos fixos na parede á nossa frente, n[os continuávamos ao lado da porta, exatamente onde tinha nos abandonado o anfitrião á mercê da certeira sorte, segundo seu comportar, e fixando claramente, porém sem palavras, que ali éramos mais um daqueles, já que de tão á vontade não haviam distinções. Pareceram cinco minutos, tamanhas novidades, mas foram quase duas horas, disse-me mais tarde Marcela aborrecida, e apareciam copos em minha mão quase que do nada, digo quase porque um momento, e somente um, mas de flagra confirmado, eu olhava para o chão, admirando os desenhos detalhistas e geométricos do azulejo, quando vi uma mão trocar a taça, mas não cortei a descoberta por uma curiosidade tola e continuei na minha divagação estilística. Quando de acostumei á tudo e percebi o meu exagero gigantesco e inútil de importância, provavelmente devido á embriaguez, aí eis que estava sozinho no mesmo lugar, sem sinal de meus dois amigos e com o copo vazio a um certo tempo, decidi explorar o lugar, aquela sala era com certeza a gema do negócio, o núcleo, o centro, pois haviam dois largos corredores, um do lado esquerdo outro do direito, que já havia reparado, vendo as mesmas pessoas indo e vindo, e além do mais, meus amigos não estavam mais ali e a sala estava consideravelmente mais vazia, percebi pela primeira vez, pois analisava com curiosidade apenas o espaço físico e raramente, ou superficialmente, de segundo plano pra baixo, as pessoas. Parei exatamente no meio da sala, depois de uma corridinha ridícula e desajeitada, completada em microssegundos devido ao curto trajeto, parada de maneira súbita, quase gerando uma sigilosa queda, no apontamento cerebral dizendo que juntos ainda não havíamos escolhido quais dos corredores eu entraria, coisa que nem me punha reflexão ou dava importância no dia-a-dia, escolheria sem pensar qualquer uma das portas depois a outra, mas naquele estado de acomodada catarse fez-me dar uma importância descomunal á isso, a impressão era de uma metáfora que espelhava minha vida, mas não sabia dizer bem porquê, já que era simples, iria acabar nas duas como todos, mas isso na hora não veio, pensei que escolheria uma e pronto, essa definiria tudo e eu não precisaria, nem ao menos desejaria ou até mesmo acharia repugnante a idéia, algo próximo da impressão que temos no castigo, em sua forma mais ampla, pois poderia perder coisas do lugar que eu estava e não me perdoaria por isso. A direita parecia-me muito óbvia, mas ao mesmo tempo o comum causa surpresa, mas optei pela esquerda mesmo, mas nem cheguei a entrar nela, pois ao lado da porta, ainda na sala, parada ao lado direito com as duas mãos para trás, cruzadas, apoiadas na parede, a perna esquerda dobrada na função de um apoio também, havia uma mulher de saia preta curta, cabelo preso e salto que me perguntou de forma apressada se eu estava bem. “Sim, porquê?” “Não me parece, parece que está doente” “Como assim doente?” “Parece pálido e fraco, muito magro. Está com febre?” “E eu sei?” “Deixe-me ver” pois a mão, que estava gelada como um cadáver de gaveta, na minha testa com uma rapidez e força que fez um estalo seco que pareceria aos fora do assunto que eu levara um tapa, não fosse o descanso e permanência da mão, e começou a me falar coisas, perguntar coisas, expor opiniões, contextualizar piadas prontas, gozar brincadeiras, fazer pequenos e sutis jogos, me fazendo essencialmente passivo, num monólogo que ás vezes soava irritante, ás vezes delirante, um delirante de se admirar, mas essa troca de sensações extremas era tão veloz e tão sem pulso, imprevisível, de uma forma estrutural indecifrável, que no final acabei achando tudo que vinha de sua boca, maravilhoso. Infelizmente veio a pausa, que o medo de sua vinda já me incomodava anteriormente, e piorava a situação a idéia que ele vinha acompanhado do remorso e a própria raiva de senti-lo e não conseguir dominá-lo, pois atrapalhava a atenção nas ações presentes, mas bem, o caso é que o silêncio veio. Ele sempre vem. Agora era minha vez de falar. Esperei um pouco, um pouco que pareceu a eternidade e antes de ficar realmente esquisito, na verdade eu estava mesmo, parei de tentar pensar no que falar e vomitaria tudo que viesse. Abri a boca como num bocejo, dobrando a coluna para trás e apontando o indicador da mão direita para cima, cotovelo dobrado, quando levei um tiro na boca. Esse foi o meu primeiro dia provando o fruto da idéia. Acordei num hospital, lembro-me só de ter deitado em posição fetal e chorado como um bebê feito de dor e principalmente de susto, tinha mais lágrima e saliva na minha camisa do que sangue, e segundos antes de apagar, enquanto eu gemia, chorava, gritava, xingava e engasgava ao mesmo tempo, um volume gelatinoso preenchia minhas calças na parte de trás como se fosse independente do meu corpo, tivesse vontade própria, vida, pois eu não sentia que aquilo vinha de mim, não o controlava, e aquele volume aumentava cada vez mais, e não pude sentir sua massa total porque foi justamente no meio desse fato que eu apaguei, podia sentir uns grossos curativos e pontos na parte esquerda da boca e ao longo de todo o maxilar esquerdo até a ponta inferior da orelha, ao meu lado uma surpresa, ela, a mesma que conversara comigo antes dos espasmos fisiológicos e do desmaio, lendo uma revista ao lado da cama, de pé, totalmente diferente, passaria por estranha não fosse o reconhecimento pelos olhos e pela áurea de especialidade, pois estava sem a pesada maquiagem, vestia roupa cotidiana, porém percebia-se que era vestimenta cara, e estava de cabelo solto, não havia me visto despertar, então murmurei um qualquer coisa.e ela sorriu. “Que azar, rapaz. Nunca tinha acontecido isso antes no espaço Gordos, e você foi pego por uma bala perdida de uma briga da qual você não teve absolutamente nada a ver. Sorte o tiro ter sido de raspão, foi como se tivessem feito um cortezinho um pouco sério com uma faca de cozinha, mas do jeito que você esperneou, achei que a bala tinha se alojado no seu cérebro” “Que ótimo. E meus amigos?” – eu não conseguia falar direito, os curativos atrapalhavam mais do que o próprio ferimento, sentia, e murmurava tentando vencer a dor, repetindo algumas palavras ou a frase inteira, dando pausas, dividindo palavras lentamente, corrigindo com gestos de cabeça quando mal entendido, mas descreverei o diálogo de forma limpa e como me lembro, ou pelo menos equivalente ao original nas partes mais importantes, sem colocar as dificuldades comunicativas para não causar aborrecimento ou uma escrita mais banal ainda - “Que amigos? Você estava sozinho.” “Não, eles tinham saído, mas eu estava distraído e não vi pra onde foram. Estavam lá.“ “Não vi ninguém. Dom Quixote sempre recebe os convidados somente, depois some.” “Quem é?” “Não conhece? Então como estava lá? É o dono da casa.” Qual é seu nome.” “Félix Salgado” “O meu é Geórgia, trabalha no quê? Tem parentes pra quem eu possa ligar?” nisso apareceu um médico e uma enfermeira que mudaram de expressão na hora exata que nos viram, quase gritando que eu não podia falar, nem me esforçar facialmente pra qualquer coisa, e deram também um sermão especifico á Geórgia falando que qualquer pessoa de bom senso devia tocar a campainha de chamada para comunicar quando um paciente inconsciente acordasse, mais calmo, o médico começou a explicar a situação dizendo que o tiro não tinha penetrado, não quebrara ou rachara nenhum osso, no máximo teria uma pequena cicatriz que uma barba mal feita facilmente cobriria, frisou a minha sorte para que eu desse importância e disse que sairia dali no máximo em dois dias, mas era obrigação repousar em casa até os pontos fecharem e voltar para os últimos cuidados. Pensava no dinheiro que ainda tinha, e era muito devido ao fato de gastar somente no restaurante, e que a segunda noite seria a soma do mês mais setenta por cento do mês passado, não, não, claro que não, não sairia em outros dias acontecesse o que acontecesse, ritual é ritual, uma certeza que não se questiona, um fragmento projetado e nunca transposto-adaptável em transfiguração. No meio dessa alegria repentina, visão de outro ponto, Geórgia se despediu suavemente no que respondi num adeus seco, na ânsia de ficar sozinho com meus pensamentos que começavam a me agradar, mas não exclusivamente pelo fato deles estarem me entretendo, na verdade um sentimento acompanhava o outro numa mistura inédita que expunha explicitamente os elementos, e por conseqüência, valiosa pela sua raridade, e na única porta do quarto, escancarada de tão aberta, pouco antes dela passá-la a fim de alcançar o corredor dos leitos para em conseqüência sair daquele hospital, parou por um instante e apoiou a mão direita na soleira, virando o corpo na minha direção apenas da cintura pra cima, meio torta e perguntou se eu podia dar meu telefone, se podíamos nos ver novamente, mas segundo ela, que já foi emendando a frase rápida e sorrateira como um aviso para os dois subconscientes, somente para saber das minhas melhoras. Fiz um gesto pedindo caneta e papel, achei-me meio idiota por não ter pensado nisso antes, mas o fato dela presumivelmente também não ter pensado diminuiu meu constrangimento e mal-estar. Anotei e desenhei uma carinha feliz embaixo, bem grande, muito maior que o número que estava no canto extremo superior direito, no início da folha, quase passando o papel e depois de perceber que ela notara o desenho, moldei um gesto de aparência reflexiva procurando passar uma imagem exata deste, dando-lhe autenticidade acredito, e nessa pausa completei a carinha com um corpo de cachorro, ou qualquer coisa que tenha quatro patas e rabo que preferir, e que era três vezes menor que a cabeça. Botei meu nome meio ilegível, como se fosse um cabelo, fazendo um abundante barulho caricato ao rabiscar, e entreguei. Ela fez uma cara de decepcionada e rasgou instantaneamente somente o pequeno pedaço lateral superior que continha o telefone de maneira um pouco agressiva em escárnio, vi que ainda virou o rosto distraidamente na mesma direção do corte, enquanto o fazia, acompanhando-o somente com a cabeça, os olhos sem destino, e, além disso, eu tive a impressão que um dos números finais ficou no papel desenhado, ela deixou a folha rasgada encima da mesa de cabeceira ao meu lado e saiu sem falar nada.
Recebi alta em três dias, um pouco menos da metade do tempo que no primeiro dia previam os profissionais, conversava bem, embora lentamente e excessivamente articulado, acuando divisões da frase, e ligara o celular para que minha avó finalmente ligasse, desliguei no hospital, não queria que ela tivesse conhecimento para evitar a desmascararão da mentira de viagem, ainda estava viajando para ela, decidi manter, mesmo porquê a situação favorecia uma desculpa do celular estar fora de área, os médicos acreditaram que eu não tinha ninguém, e realmente não tinha em família, somente Maria Helena.
Segui o restante do mês dentro do plano, tirando as recaídas na justificativa da sobra da quantia inicial, e decidi manter Marcela na idéia, no entanto, desde aquela festa o celular dela encontrava-se desligado e também não a achava na casa que habitava sozinha. Perguntei á dois amigos seus, conhecidos meus, e estes também não sabiam e nem tinham idéia de sua localização, o que me levava a crer que o nosso articulador daquele dia, aquele de quem me promovi ex-credor, também sumira, mas não tinha nenhuma forma de tentar um contato para confirmação. Decidi o quê já está óbvio mesmo, mas tenho que escrever literalmente para um possível leitor energúmeno (meu filho talvez): eu precisava voltar naquela chácara. Pensei dezenas de vezes na possível abordagem, mas não achava nenhum plano de abordagem em definitivo, então parei de tentar bancar o Charles Browson e decidi bater e perguntar mesmo, como uma boa e velha senhora procurando a netinha. Fui lá de dia, peguei um táxi, a grana que sobrara tinha ido praticamente toda, mas foi a única das vezes que usei ela sem arrependimento, era uma espécie de dívida, para Marcela e novamente para aquele que eu acabara de pagar em prejuízo. Difícil foi achar o lugar, se lembrasse de pedir o telefone para Geórgia seria tudo mais fácil, mas enfim acabei achando com a ajuda do taxista e alguns sitiantes da região, bem depois de muitos círculos largos com o taxímetro rodando. Tudo era muito diferente de dia, parecia que era a primeira vez que eu estava ali, incluindo a própria trilha até o casarão, mas lembrei que estava sóbrio e entendi a situação. Toquei a campainha. Nada. Toquei de novo. Nada. Quando ia tocar pela terceira vez fui surpreendido por gritos nas extremidades da casa, pelos dois lados, por quatro sujeitos magros e Barbados que saíram da mata que cercava o casarão, vieram dois de cada lado, no mesmo passo lento de precaução militar não propositada, três com espingardas, apontando em minha direção, um carregava um revólver na cintura. Este último que me deu palavra e tinha algo que de primeira vista aos olhos atentos demonstrava ser o chefe daquele pequeno bando, ou mesmo de todos os outros em turno, se o tivessem, mas não sei se devido á sua postura, linguajar, vestimenta ou face que isso se colocava evidente. “Quem é você?” “Meu nome é Félix Salgado, gostaria de falar com... – interrompi por estranheza que o nome ou apelido me soava, mas concluí - Quixote” “Dom Quixote, rapaz. Demonstre respeito pelo meu patrão e isso é uma invasão, a partir da porteira da estrada já foi. Sabia que posso meter uma bala na sua cabeça que estarei no meu direito?” “Calma, meu amigo. Desejo uma conversa curta com ele, só isso”.“E posso saber do que se trata?” “Vim numa festa aqui com dois amigos esses dias, desde então não consigo mais encontrá-los, queria ver se ele sabe de alguma coisa que ajudasse ou que pelo menos aliviasse preocupação”.“Hum. Admiro. Espere aqui, mas não saia daqui por nada. Vou falar com ele e se você der muita sorte rapaz, vai poder entrar. Não saia daqui, pois isso vai demorar um bocado. Cabresto! – gritou olhando para o negro franzino de espingarda – fica aqui com ele, outros dois, vamo”. Não demorou mais que doze ou treze minutos, chegou desta vez sozinho, á cavalo, pelo portão principal e disse: “Olha, ele disse que conversa sim, que pode te ajudar, mas não hoje. Ele disse para você aparecer na quinta quem vem, no início da madrugada ou pouco antes, entre onze da noite e uma da manhã, haverá uma festa e você é um convidado especial. Disse também que viesse também para se divertir, esquecesse as cortesias que em alguma hora da festa te chamaria para conversar em sua sala em particular”.Agradeci e preparava-me para ir quando escutei um assovio tão forte, espicaçado e vacilante que pensei que era um código para descarregarem as azeitonas dos canos nas minhas costas, “Desculpe, patrão bem que fala que sou esquecido. – sorriu um daqueles risos de quem tem medo - se eu não falasse isso patrãozinho fazia sopa dos meus ossos” – riu mais confiante e aliviado – “É pra vir de verde ouviu? Verde. Social, se quiser não percisa ser terno, gravata mas traiz blazer, camisa só não pode – fiz um sinal afirmativo com a cabeça e um pouco antes de descer a pequena ribanceira e sumir do campo de visão dos ainda ouvi: “Verde”. Na terça da outra semana, dia 12, seria o dia do mês esperado, refleti que poderia adiar, mas a idéia de repetir a experiência, por mais interessante que tenha sido, como já falei, me expunha a uma coisa que não fazia parte do projeto e que eu gostaria de evitar a qualquer preço: a inalterabilidade, o círculo vicioso que é um dos elementos que formam a minha vida patética no cotidiano. Segui minha rotina esperando a terça que estava fixa no objetivo, mas chegando nela vi que era um dia sem graça, sem expectativas, sem cor. Marcela ajudaria muito. Acabei deixando pra quinta, na prática os caminhos para o objetivo são flexíveis, mas no final comprei terno de bacana, o quê aliviou a única e principal preocupação, já tentou achar ternos verdes prontos, de fábrica? De qualidade, sérios? Em verde é impossível, achei um só. Estava numa página da internet com uma foto nada nítida, única, num manequim sem cabeça e sem pernas, de baixa definição, de uma loja no Rio Grande do Sul, ainda por ironia num momento em que não pesquisava sobre, mas até que faziam a entrega em pouco tempo, mas não iria com algo feito para brincadeiras que desconheço e em material porco, começara a ficar fresco .Félix escondidinho antes de sair buzinando sutil, mas altamente persuasivo, nas minhas orelhas da consciência. Cheguei de táxi na porta, era meia noite e dez, o caminho desta vez sem erros, decorado e como eu me lembrava no primeiro dia, havia uma pequena fila, na minha vez, ao chegar no portão e conseguir ver o rosto do leão de chácara, reconheci um dos homens que me abordara naquele dia á tarde. Ele simplesmente sorriu e estendeu a mão direita para além do portão, sem me ponderar vocábulo algum. Fui sozinho, a casa era tão gigantesca que beirava o ridículo, fiz-me obrigado a ficar acompanhando de longe os passos de um grupo de mulheres que entrara antes. O salão utilizado era outro, ficava no corredor á esquerda do utilizado na primeira festa, na primeira porta no fim deste, um salão duas vezes maior e com um palco relativamente grande, não que eu entenda de palcos, onde um conjunto tocava música instrumental pra gringo e novamente a predominância de mulheres em relação aos homens era gritante, a grande maioria delas entre cinqüenta e sessenta anos, vestidas totalmente iguais, conversando quase todo o tempo somente entre elas e alguns como eu usavam roupas combinando com a coloração verde ou os desenhos de ornamento da sala, concluí que os que não combinavam eram em sua maioria novatos, e talvez assim fosse uma maneira de identifica-los quem sabe para que os convidados “veteranos’ que interagissem medissem palavras, ocultasse surpresas ou até mesmo “preparasse” o iniciante aos poucos. Ainda não sabia para o quê, estava ficando neurótico, talvez, mas divertia-me acreditar nisso, em algo obscuro ali, dava algum interesse pra uma vida vazia, contudo, também quem sabe, esse fosse o propósito pensado pelo gordo: simular o mistério, algo que intriga a maioria das pessoas e usasse aquilo como mais um quitute impalpável oferecido na festa. Peguei uma bebida, mas esperei consentimento. Apoiado em pé, tal como em minha primeira vinda e como alguns leitores, se ainda existem alguns de qualquer tipo, de natureza sabichona, sabem do comportamento, sim, procurei Geórgia o tempo todo, até inquieto, pegando-me ás vezes tão compenetrado que esquecia por um momento o motivo principal de ter ido ali, mas principal talvez por ser somente um objetivo causador inconsciente, e quando me flagrava tendo esses desvios eu me concentrava em um ponto morto da sala, um objeto, um fragmento de cena estática ou um ou mais indivíduos.
Não tive idéia de tempo novamente, não frustrando a expectativa sobre isso, quando vi o patrão sair calmamente da passagem principal, no corredor esquerdo (em relação á primeira sala), eu conheci melhor Dom Quixote posteriormente, de adianto digo que era gordo, usava terno socado, tinha barba longa e crespa com o corte não definido e sim natural de crescimento, uma corrente que ia da fivela frontal até o bolso direito onde se ligava um possível relógio, era visivelmente velho, mas com cabelos tão negros que reluziam e tão lisos que anexavam ao conjunto um contraste inegável com relação às dobras carnudas do rosto, rosto esse bem avermelhado de sol e que carregava sempre um sorriso forçado, mas cordial e nunca aparecia sozinho, no mínimo com um capiau magro, mal vestido e com arma em punho e carregada, á mostra, quando não quatro deles ou cinco, sua considerações eram sempre curtas quando um assunto típico de roda de apresentações ia se alongando naturalmente e por fim ultrapassava a mera função de maquiagem social, retirando-se com uma galante despedida rápida e na seqüência. Cumprimentou-me e quis saber se eu havia experimentado uns dos canapés de certa mesa, afirmei para encurtar e direcionar o assunto, postura que de pronto foi percebida pelo anfitrião que era mestre em interesses e não via mistérios em diálogos, e se via algum a felicidade da surpresa fazia brilhar seu nariz de batata, e alongava por quantas horas fossem necessárias a fim de absorver todo o conteúdo da novidade, mormente os mais comuns em conversação de negócios, os diálogos maquiados. Convidou-me a acompanha-lo até a “sala de negócios” – engrossou a voz em retumbo, mas tal recinto era apenas a biblioteca que tinha uma espécie de sala aberta em seu interior para leitura, um miolo espaçoso, sala que era tão bem montada, pensada e equipada que me enganou facilmente, soube de sua real função no futuro, por isso transcrevo com total segurança, se não soubesse esse detalhe desnecessário, como todos aqui, passaria em branco e o desgraçado, numa típica brincadeira de obeso milionário, enganaria com êxito não só eu mais a meia dúzia de leitores desse entediante relato, bem, a real sala “de negócios” nunca seria aberta a mim, ainda mais com um assunto trivial (todos os meus imagináveis seriam), caso do qual o “superior” aqui no caso apenas acompanhava por diversão e passatempo, mas enganou-me na época, com isso tinha apenas o intuito de provocar em mim a sensação permanente de um portador de assuntos de importância e que de certo modo estava em posição de igualdade com o comparte das ‘negociações”, assim eu falaria mais solto, me abriria mesmo, seria talvez até agressivo, escolheria poucas palavras provindas da antecipação cautelosa da linha de raciocínio e pensamento, ostentaria uma pompa realçada e talvez até exigisse ações imediatas, ou seja, diversão garantida para um rato velho como ele. Esqueçam a conversa, mesmo porquê nem lembro dela direto, nem ao menos sua estrutura para colocá-la o menos fiel possível, mas o resultado dela é que tem uma importância imensurável. Certa altura do meu monólogo Quixote virou o monitor de seu laptop para mim no meio de uma frase que eu verbalizava, nele, vi meus dois amigos no quê parecia ser uma webcam, sorrindo, vestindo roupas grossas numa paisagem de predominância branca de gelo. Estão na América, esquiando. Foram com minha sobrinha, da qual exigia minha companhia, como homem muito ocupado, convidei-os e lá estão, ele me disse, não com essas palavras e não tão diretamente, mas com o mesmo conteúdo. Dei um soco na mesa. O capiau em pé ao lado da mesa, mas mais próximo de uma das estantes de livros, deu uma estrebuchada. Quixote apenas o olhou nos olhos. Devia ser a comunicação cotidiana adquirida em convívio e com seleção dos mais fiéis capatazes devido quem sabe ao castigo de morte. Voltou a sua posição, levantei-me, cumprimentei-lo por medo e não respeito e saí pela porta, ele nada falou. Ia direto á saída, andando rápido quase correndo, o pau mandado que me acompanhava sempre dois metros pra trás, dando “pequenas” corridinhas quando vacilava o ritmo a fim de não aumentar ainda mais a minha vantagem. O negócio do cara era arma mesmo, via-se no próprio jeito invisível que a segurava com a mesma ou maior emoção de um bombeiro depressivo e desacreditado que se via de repente saindo de um prédio em chamas (como um presente inesperado do acaso a um ego vencido e derrotado), correndo em câmera lenta, carregando um bebê (eis a analogia direta com a arma) salvo das chamas ao mesmo tempo em que o foco da cena acomodaria um fundo embaçado do desabamento do edifício. Esse capataz devia ter matado uns trintas, mas na mão, conflito fechado, um soco desmontaria seus membros como peças de um LEGO espalhando ossos e uma fina película integral de epiderme. Já com os passos normalizados, e alcançado pelo meu acompanhante vigia, parei uns quatro passos antes de completar o corredor e atingir o salão, ele parou também e não estranhou, como num videogame pretensioso a possuir alguma inteligência artificial nos inimigos mas cheio de falhas ridículas, aí virei para trás e perguntei ao sujeito se eu ainda era bem vindo ao lugar mesmo com a atitude grosseira, da qual não me arrependia de verdade e embora não pensasse isso realmente e ainda estivesse me dando razão o queria por motivos já citados anteriormente, motivos dos quais lutara para afastar acreditando na resistência definitiva, no fundo apenas uma justificativa para não trabalhar uma resistência fixa e totalizada para a hora decisiva, enfim, ele respondeu depois de uma pausa com quadro de face em cérebro-tainha, disse que conhecia bem o patrão e que pela expressão e comportamento e ausência de ordem, mesmo que simples, eu ainda era um convidado, pensava se tudo isso verbalizara-se naquele olhar de alguns segundos, pois um sujeito como esse não ousaria colocar palavras na boca de seu chefe. Não foi preciso chegar ao salão para notar que o número de pessoas triplicara devido ao barulho, mas não nomeadamente nas conversas e sim no som dos passos, sons de tamancos e sandálias salto-alto se arrastando. Não precisei procurar muito mesmo com tantas figuras parecidas e mesmo as extremamente distintas não escapavam da constante confusa. Vi Geórgia que sorriu naturalmente, muito receptiva, surpresa, e mesmo puto com tudo e desconfiado na autenticidade dos fatos fiquei ali por ela. Sua sensação era brusca, repentina, tocava de maneira aberta e também fria, não conversávamos, jogávamos palavras ao ar por costume dos homens e de repente tive um estralo rico, especial notoriamente, já que em seus igualmente ricos componentes também carregava uma alegria de ode patético e boçal á vida, um estralo pertencente aos gênios, diferindo destes apenas em conteúdo prático, era uma coisa idiota e banal: Ali não se gastava um só vintém e eu tinha muito dinheiro. Ofereci a idéia de mudarmos de local a ela que agarrou de pronto e pediu estimulada e decidida se podia escolher ou indicar algum para minha possível aprovação, respondi que por mim ela escolheria tudo na noite, desse jeito mesmo, nessa leal ordem de letras, escapando intenções, confirmando um conhecido conceito de base constante e qual pode se manifestar, sem anexos e ainda crua em alicerce, em centenas de dessemelhantes exibições exteriores, e que é em sua quase totalidade odiado pelas mulheres devido á escolha eterna destas pelo sutil natural, em motivo de orgulho ou instinto superficiais para o gênio masculino, e que assim sendo acabei dando a oportunidade para uma penosa, estendida, entediante e massiva queixa ou até uma súbita escusa, curta e fatal, mas ela pareceu nem ouvir o comentário, como se já esperasse a resposta afirmativa de sua pergunta, fosse tal resposta elaborada de modo x ou y, com adendos ou meramente lisa, não importando sua formulação, sendo bem recebido até um resmungo, afinal, ela sabia que incondicionalmente obteria sempre a mesma resposta.
“Estou de carro”, ela me disse muito afável e abaixando meu celular frouxamente quando percebeu que a chamada que eu fazia se tratava de uma ligação para um serviço de táxi, percebeu tirando-me educadamente da única forma de comunicação do aparelho, quando notou, pouco tempo depois de eu começar a explicar calmamente ao motorista o trajeto até o casarão, que era longo e qual também um mínimo erro resultaria em atrasos e aborrecimentos consideráveis. Após a sua fala olhei-la um pouco nos olhos e levei o aparelho ao ouvido esquerdo novamente cancelando o pedido sem dar razôes, desligando rapidamente. Saímos. Próximo ao portão principal, o capiau que me guiou e até intermediou de certa forma a conversa responsável pelo inesperado, mas possível, encontro com Geórgia, esta que me divertia no restante do mês em pensamento e pelo adiamento do dia do plano e convite pessoal, o capiau me acenou simpático antes de cruzarmos a entrada, e quando passando em definitivo os domínios da casa e estando ele ao meu lado, falou, visivelmente envergonhado e articulando apressado, como se me aborrecesse ou estivesse tomando meu tempo: “Doutor, meu nome é Osório. Só queria falar que gostei do senhor. Já vivi muita tocaia de conhecido próximo nos tempos de amargura, antes de servir meu bom padrinho que me acolheu e me amparou, Seu Dom Quixote e posso garantir que peguei prática na coisa, consigo saber de pronto se um homi é homi de boa fé. As veis só pelos olhos, as veis pelo rumo da prosa ligeira ou de palestra ou até no jeito de andar”.– fiquei realmente bajulado, mas logo tive pena, para ele eu era um homem superior, rico, doutor enfrescurado, um amigo do chefe, em sua ingenuidade isso corresponderia a uma certa equivalência mesmo que não totalizada, mas mal sabia ele que durante 95% do mês eu passava, quem sabe, mais necessidade que ele próprio, aí respondi cordialmente dizendo meu nome, mas sem perder a pompa do meu personagem que a esta altura já simpatizava, ele então pareceu feliz, dei o braço á Geórgia em forma de V, apoiado na cintura, e então saímos caminhando calmamente com ambos vestindo narinas expansivas e empinadas, sentindo o odor noturno do esterco recente, caminhando no meio da mata como um casal de ingleses do século dezenove desfilando nas ruas principais ao cair da tarde e que não fodem á anos, eu, ela, as árvores, a terra, o esterco chutado e meu terno verde. “É esse” – apontou ao carro que não estava em nossa frente, mas ao primeiro do lado direito deste, ofereceu-me a chave para dirigir e sobre o quê respondi que não guio carro das outras pessoas, não retifiquei o motivo e ela mesmo insistindo pela segunda vez em vão, felizmente não perguntou o porquê que não saberia inventar, talvez passasse por excêntrico e respondesse como direcionado á uma criança insistente, um porquê sim, mas nunca revelaria o medo de batê-los e não ter depois como pagar. Mas ali? Ali eu era rico, ostentava o ar de despreocupação financeira e faltava-me em soma as únicas e poucas pessoas que me conheciam na minha dureza cotidiana. Podia ser tomado em totalidade pelo personagem que me pulsava nas entranhas e que sua existência não fora planejada, que em verdade apareceu-me completo e inesperadamente como um animal desconhecido, porém simples e que mesmo deste modo e de relevância ridícula faz vibrar o ramo da biologia que tem tanto descrédito e deboche por procurar pés-grandes, chupa-cabras e vermes do deserto. Como sabido, estávamos na área rural da cidade vizinha á minha e saindo dela já não sabia onde eu estava nem onde estava indo e também não ousava perguntar. Desde que entrávamos no carro não havíamos trocado uma palavra, somente ás vezes eu olhava para ela e virava o rosto ou ela olhava para mim e sorria, não virava a cara, esperando que eu olhasse em resposta e em seguida voltava os olhos pra estrada sem desfazer com pressa o sorriso. Chegamos em um estabelecimento que eu desconhecida. O prédio tinha dois andares e havia aquela característica fila clichê de cinema. Minha discreta cicatriz da boca até brilhou de tanta felicidade. Um lugar aparentemente perfeito que eu sempre almejei para o plano que até agora se exibe chocho e apagado, gerando mais frustrações do que prazeres. Uma que fosse minha sapiência não mais me importava, seguia como um louco de incertezas e entrei tão facilmente qual um rato em um galpão de fazenda feito para guardar ração e quase abandonado pelo motivo da morte ou da venda recente da grande maioria dos animais. Sentamos nas cadeiras de fronte ao balcão do bar e lá ficamos até experimentar todos os setenta diferentes drinques, cada um custando quase o salário de uma semana de um cortador de cana ou catador de laranja. Depois, fui apresentado por Geórgia á centenas de pessoas quando já estava extremamente bêbado e dentro do cú da madrugada, e embora não lembre o rosto de nenhuma delas, lembro da sensação de divertir-me e de divertir. Acordei num hotel. Sozinho. Numa cama larga, de gravata solta e calçando os sapatos. Paletó na cadeira ao lado da cama. Nem idéia de como havia ido até lá, mas consolava-me o fato de não ter ido para casa com companhia e estragar as aparências. Sobrou-me apenas alguns centavos e eu nem me lembrava no que tinha gastado, apenas lembrava dos drinques iniciais que eram caros, mas ainda assim não deram um quinto do que eu tinha. O hotel? Acredite, sobrevivente do texto, já estava pago por Geórgia, disse-me o recepcionista quando assinei para sair, e eu achando que eu mesmo tinha pago na noite anterior com parte da minha quantia aglomerada. Tamanha ingenuidade confesso que envergonhou a mim mesmo. Obviamente que a quantia para a aparência que eu desejava não era o suficiente, além disso, fui descuidado a ponto de comprometer todo meu sacrifício por nada, e teria passado um aperto não fosse essa sorte rara e Félix Salgado teria que ligar para a vovó para conseguir pagar a conta da diária de um hotel cinco estrelas na entrada de uma cidade ádvena á noventa quilômetros da minha cidade. O problema um estava resolvido antes mesmo de eu conhecê-lo. Problema dois: como voltar pra casa? Polegares opositores nos diferem de outras espécies. Consegui após contadas três horas e vinte e oito minutos ininterruptas de puro sol latente em minha cara, aquele sol próprio do fim da manhã e meio do dia, e como não bastasse, fui presenteado com algumas dezenas de graças dirigidas aos gritos, variadas em intenção, exposição e conteúdo, dos tripulantes dos carros que passavam por mim muito próximos e em alta velocidade. As frases que entendi eram em sua maioria centradas ou integralmente direcionadas no fato de eu estar usando o terno verde que me ardia o corpo e parecia estar colado em minha pele, em pouco tempo ele pesava como uma caixa industrial de arroz pra transporte interestadual, refletia essa sensação nos meus ombros e colunas que ficavam curvados cada vez mais para frente, e ainda aguçava o cansaço do braço que precisava estar constantemente na posição de carona, obrigatória porque é quase universal, cansaço esse que não aliviava ao menos um momento mesmo que alternando a função ora no braço esquerdo, ora no direito, mas afinal, era minha única roupa disponível que se encontrava muito amassada e molhada de suor, pois dormira com ela sem o paletó do conjunto.
Quando finalmente parou alguém, este foi um caminhoneiro, concretizando a possibilidade eu inicialmente já julgava a mais “enquadrada” por ser mais típica, e por isso mesmo igualmente provável. Foi muita prosa durante a viagem para alguém que não estava a fim de falar, como eu, mas a felicidade era tanta por estar indo pra casa que não tive coragem de cortá-lo em um só momento. Depois de um maior tempo de viagem do que me lembrava no dia anterior, ele anunciou a chegada que me passou despercebida tamanha concentração que eu colocava em alguns pensamentos que me invadiram aos poucos. Deixou-me na principal entrada da cidade, que era metade pista metade adiante avenida, atitude que avisara antes dizendo que aquela minha cidade não era seu destino final e sim apenas se encontrava no caminho deste. Era uma longa caminhada que eu iria fazer de bom gosto, sem lamentações, porque mesmo longe de casa, eu estava em casa. Coloquei o terno dobrado ao meio no braço, agradeci e saí caminhando. Quando estava completando aproximadamente um terço do caminho aconteceu uma desgraça: uma caminhonete passara por mim buzinando, cumprimentei levantando a mão e não dando importância, pois ou o cara me confundira com outro ou simplesmente praticava o popular e irrelevante cumprimento entre desconhecidos, como acontece cotidianamente. Não. Deu marcha ré e parou do me lado. Continuei caminhando olhando para frente. “Félix!” Não teve como não olhar. Era incrível e sem nenhuma essência definitiva ou parcial dentro da região cerebral das mais simples sensações emotivas. Dom Quixote sentado no banco do passageiro, um homem sorridente de óculos escuros ao volante e três sujeitos armados na carroceria, um destes, que abria um sorriso simpático e aparentava ansiado para ter uma conversa que sabia que não ia acontecer, era aquele que me tinha estimado, o que guiara e ficara na sala no dia da entrevista, também abrindo o portão na saída. O Gordo fez piada dizendo que a minha noite provavelmente fora tão boa que eu varara a noite e que de tão bêbado tinha esquecido o carro em sua fazenda. Concordei rindo. Ele mesmo me dera uma desculpa que gostei e acabei abraçando. “Porque não chamou um táxi?” “Queria andar pra ver se sarava um pouco” respondi pensando rapidamente. Ofereceu uma carona até sua chácara para pegar o carro. Achei boa a idéia e fui. “Sobe aí”. Pulei na carroceria. Osório deixou escapar um pulo de alegria. Comecei então pela primeira vez a achar toda aquela simpatia meio estranha.
Cheguei no casarão ainda curtindo o vento na cara e sentindo um pouco o fato dele ter se acabado. Desci pulando, prontamente caminhei em direção ao carro. ‘Ei, mas que modos são esses? Não vai ao menos entrar pra um café?`. Disse o gordo brincando, mas meio bravo. Aceitei dizendo que assim o fazia com aberta obviedade e muito prazer, aí então bateu ele a mão na testa e comentou com impostação serena e doce que tinha acabado de lembrar de certos afazeres, inadiáveis, e que eu havia de perdoar o inconveniente, pois ele não dispunha de tempo. Cumprimentou cordial, no mesmo lugar, sem se aproximar, e entrou, porém, não deixou nem se deu á indiferença de perder qualquer atitude típica e caricata da personalidade dos que ostentam com sabedoria certa posição e certas posses, a minoria, e em óbvio modo duas capangas ficaram ali ao meu lado. Perguntei para Osório se queria prosear, disse que sim e saímos caminhando os três, o terceiro sempre calado e olhando para baixo de espingarda enferrujada nas mãos. Andamos como loucos sem rumo e de modo vagaroso tal qual despreocupados, sempre em linha reta, apenas mudando a direção quando brotava do nada um obstáculo, inesperado por causa da ausência coletiva de concentração, mas passado o empecilho retomávamos pela mesma direção retilínea. Falei muitas mentiras, coisas que achava fazer parte do meu personagem e cada feito ou mordomia adquirida que contava, fazia brilhar os olhos de Osório que pouco falava e quando dava disso era em sua maioria para pequenos comentários e afirmações e mesmo no casual momento de silêncio, ele pedia licença quando falava coisas de seu passado o qual abertamente se mostrava muito apegado, umas histórias curtas, diretas, variadas, distintas e meio fantásticas em sentido fabulado e que sempre resumiam, na verdade, a intenção de venerar Dom Quixote por tê-lo salvado de seus infortúnios. Preparava pra ir quando vi uma coisa inacreditável no meio do pasto e quando viram eles a minha cara de espanto olhando para a terra, apressaram um pouco o passo e até o segundo segurança, aquele que até então estava calado, começou a puxar um assunto qualquer. Agachei. Pararam uma distância de dez passos na minha frente, viraram apenas observando. Peguei o objeto, fiquei em pé na análise, tentando não acreditar naquilo. Era a curta saia preta de Marcela. A mesma do último dia que a vi, naquela festa. Estava jogada á muitos e muitos metros da casa, de uns quatro a sete quilômetros. Entrei em um estado involuntário de começar a gritar feito louco, fazendo todo tipo de perguntas plausíveis, fazendo até as relacionadas á possíveis acontecimentos, variadas teorias, que vinham a mim instantaneamente, pois estava eu penetrado numa catarse que gerou duas linhas de raciocínio sobrepostas ao mesmo tempo, porém extremamente díspares em processo, procedimento que até então eu nunca tinha passado, experimentado, então me centrei novamente no caso, chateado por ter que deixar de lado por completo a inédita e fascinante proeza, fascinante julguei na hora e pra ser mais sincero, já que deixei claro bem atrás do texto que eu não sou um escritor e sim um alugador egocêntrico de orelhas, ou de um só olho do pobre infeliz leitor, tanto faz, a veracidade é que não achei palavra melhor praquela sensação, na verdade não é esse o termo, mas aproxima-se um pouco pelo que me lembro, aliás, isso é um problema na língua portuguesa e deve ser por isso que existem tantos poetas vindos do nosso idioma. Não tenho certeza se o quê vou falar se associa ou não ao conteúdo da chamada semiótica, mas acho o português escasso se tomarmos em conta a extensa e abundante quantidade de sensações e sentimentos humanos, e não venha defendê-la com comparações com outros idiomas menos ricos porque no fundo isso não interessa, não tem importância, não consola e não tem sentido prático. Sim, acabo de perceber. Desculpe, fiz de novo. Vou parar, prometo. Tenho um dom incrível para afastar pessoas, diferentes dons existem independente de acharmos eles bons ou ruins, são dons e por isso mesmo eles têm de modo independente igual importância. Agora sim, parei.
Insisti sem sair do portão durante quase uma hora inteira pra falar com Dom Quixote, fazendo exigências, gritando, e tudo mais que eu não poderia fazer de jeito nenhum e que diminuía muito mais minhas já escassas chances. Nem comunicaram seu chefe, sabiam que não podiam deixar. Mas algazarra insistida é algazarra ouvida. Quando o gordo me viu curioso pela janela frontal do casarão com a saia na mão, pude ver mesmo havendo grande distância, vi que ele tirou, do nada, puxando de baixo, um revólver que já pôs em mira. Duvidei bastante perturbado, hesitando por sentir meu corpo esquentar, (ainda tive tempo de ver por cima minhas narinas avermelharem) e meio segundo depois ele atirou e reconheci de imediato aquele som inesquecível do disparo que ouvi quando levei um tiro na boca. O tiro fora pra cima. O típico aviso direto que é dado quando o lado em vantagem está de bom humor. Corri desengonçado o mais rápido que pude até o carro como um porco acabando de entender que aquela movimentação ao seu redor é a preparação pro abate. Cheguei em casa carregando a saia, coisa que só notei ali. Tinha dirigido todo o trajeto com a peça enrolada na mão esquerda, nem percebi, minhas mãos deviam estar coladas no volante.
Tinha uma nova situação agora nada agradável em minhas mãos. Sem trocadilhos. Chamava a polícia, voltava na fazenda com mais calma ou simplesmente esquecia tudo, afinal, tinha certeza que era Marcela naquele vídeo. Resolvi que fingiria que nada sucedeu naquele dia e aí então voltar para a chácara de maneira sã, recomposta, de postura mais educada, perdoando o balaço na fuça agora com autoria quase confirmada, de motivo ainda não compreendido e a agressão usada pro banimento. Cheguei a conclusão que a situação não era tão grave, ok, eu confesso, forcei por completo o otimismo, peço respeitosamente uma semi-absolvição, mas é por puro cagaço, puro experimento pra um minúsculo incentivo pessoal, conclusão que consegui engolir depois de insistir intensamente em valorizar duas idéias: Um: o fato de tê-la visto sorrindo e acenando e o segundo e mais difícil: afastar os demônios das centenas de outras hipóteses que vinham em minha cabeça e quando o tempo enfim determinava ser isso impossível eu tratava de centrar nas suposições mais felizes, mesmo que fosse necessário procurá-las. Uma que era idiota ainda que engolível, felizmente em irônica simultaneidade devido ao nível de desespero, baseada de que talvez Marcela estivesse menstruada aquele dia e arrumara alguma mulher que emprestou uma roupa. Mulheres se unem muito mais que os homens, pois têm mais dores em comum. Tentei seguir então com meu plano dentro do cotidiano tentando ficar mais leve.E bem mais rápido do que esperava, consegui. Aliás, muito mais rápido. Em uma semana já esquecera de tudo, em duas semanas retomara a amizade com Dom Quixote, em três conseguia realizar um dia digno do plano, coisa que até então não havia conseguido com total êxito, e em quatro meses já conhecia todos os convidados, tornara maçom iniciante por indicação, sem precisar que pesquisassem minha vida, e passava de uma festa a outra como pinga passa em roda de capiau na hora do descanso, sendo sempre reconhecido por ao menos quatro ou cinco dos presentes. Até a descoberta verdadeira de três anos depois, umas situações, uns piparocos e algumas mortes.