terça-feira, 26 de maio de 2009

Cura pra dor

Ele desenhava em sua casa para vender na rua, desenhava nas ruas para não faltar em casa, nas pinturas que eram reconhecidas pelas avenidas de Porto Alegre, uma cidade tatuada das primeiras artes atuais, comprava calças para a família em Recife, siruismo da moda, vestimenta fundamental de sarlotas. Andava com segurança por entre as avenidas, passos moles de quem deve algo para alguém, de quem comprimenta com acanhamento, olha nos olhos com um sorriso patético, furibundo, se desconhece enquanto bebe, sabe de tudo de si em eloquência, se atropeça, se não ama direito, se não move um destino para outras memórias, é porque não se expressa com exatidão. Haviam gatos espalhados para ter o dinheiro de volta quando bem o quisesse, não recebia em notas abertas, não dava troca. Vivia de caricaturas no centro do teatro Pedro Parenti, na pracinha da frente. Seu dia preferido era o de quinta-feita por saber aonde iria depois do trabalho encontrando amigos disfarçados de verdadeiros, catrevólos e sorocabanos, movia as mãos ao urinar como quem se masturba, mas só passava a impressão. Sempre urinava nas calças ao voltar do banheiro, subia o shorts e descia a camisa para tampar as marcas de respingo, ás vezes a camiseta era curta e não dava conta e se não bastasse ainda voltava e bebia com indiferença. Desenhava em guardanapos e ofertava para as moças julgando estar causando boas impressões.Seu melhor amigo trabalhava numa banca, folheava os gibis com alvoroço, emprestava alguns com a condição de retornarem em perfeitas condições. Num desses dias de sol que os dois conversavam em frente á banca, o jornaleiro cobrava do desenhista porque ele não exercia sua profissão, que era a de engenheiro químico formado. O desenhista lembrava de um episódio da faculdade, que não justificaria, mas que exemplificava: "Lembro de um amigo de faculdade, o Roger. Tinha grande talento para a escrita, publicara desde jovem contos nos jornais locais, matriculara-se numa universidade federal para estudar as letras. Todos diziam que ele iria se formar com louvor, faria um doutorado, seria um dos maiores escritores brasileiros, se não, o maior da região sul. Decepcionou á todos, largou a graduação no terceiro ano, nem chegou afazer mestrado, foi cursar matemática. Pegou todas as suas teses, seu material da universidade e seus escritos, me convidou para irmos até a praça Carlos Simon Artz. Colocou todos aqueles papéis num baú, botou fogo nele e nós dois ficamos fazendo uma dança apache em volta." O jornaleiro comentou que achava que escrever era como cozinhar. Todos podiam escrever, todos podiam cozinhar e que os julgamentos nada mais eram do quê uma tentativa de hierarquizar a sociedade como ela mesma tenta desde o princípio. "Sabe, acho esse jornal do zero hora muito rabiscável. Adoro desenhar nele." "É seu", e deu o jornal ao amigo. Riram ao modo de madames entendiadas do século dezenove e combinaram sair depois das oito da noite. Um amigo farmacêutico que havia prometido uma mulher branca, fácil de esquentar e quando esquentada fazia loucuras. Um milhão, dois milhões, ele não se lembra exatamente quantos números. Quanto tomavam café ele batucava com uma colher no saleiro. O próprio farmacêutico aplicou a ampola. Decidiram sair um dia a noite á pé. O baque foi instantâneo. Achavam ter contraído uma pele de galinha depenada, Os sons de buzina se chocavam com a sensação, cacoalhavam a crista carnuda, a endotermia acelerada, perderam os dentes e as bexigas para reduzir o peso e alcançar vôo. O desenhista deu um pulo ridículo com esse propósito e bateu as mãos, o jornaleiro não riu, se concentrava na tentativa e nem se surpreenderia caso o camarada obtivesse êxito. Numa das avenidas mais movimentadas de Porto Alegre, a Borges de Medeiros, subiram o Viadulto Otávio Rocha, em forma de U, acreditando estarem imersos em gelatina. Queriam subir o Sulamérica a fim de ver a cidade de cima, tomar umas garrafas, mas foram barrados na porta devido ás suas pupilas. viram um porco correndo na rua e acharam ser alvo de alucinação, mas não o era. Um maldito porco tinha saído de não sei onde e estava correndo para não sei que lugar. Deu até no jornal outro dia sobre um leitãozinho atropelado. Ele gritava se o parceiro se sentia com sorte. Uma mesa de blackjack cairia bem, me acerte no meio do nariz. Me acerte você também. Impressionaram-se com a força da droga que transformara a pele primeiramente em pele de frango e depois em tábuas. Vocês beberam demais, disse o policial, no que ele respondeu: Você se parece com a chuva. O vigilante agarrou o jornaleiro e jogou-o na calçada. Ele lambia a lama do meio-fio. Mais uma passagem desenfrada, já estavam em outro bairro sem perceber. Ele queria pular daquele muro para cair na piscina da casa de dentro. Temia cachorros. Não se preocupe. estou olhando pra tu. Confiou no amigo. Deu um salto com a perna direita dobrada e as mãos em forma de V. Via-se seu reflexo sobre a luz interna da casa, um super-herói. Não chegou a ultrapassar o muro, caiu primeiro encima dele e depois se depositou no chão de dentro num baque seco, como se fosse um saco de feijão. O amigo olhou por cima do muro e viu o companheiro estirado, camisa rasgada, arranhões no braço, escoriações na testa. Ficou imóvel durante um bom tempo, parecendo estar morto. Nunca correram tanto, nem na época de entregas do jornaleiro, nem na época de garoto do caricaturista. Deitou no chão, ambos deitaram entravando personalidades de músculos. Sabe, apanhei hoje no terminal de ônibus. Levei dois pontos no supercílio direito e acabo de voltar do hospital. Vi um japonês de cabelo muito liso, fino e escuro azul brilhante, rosto pouco oleoso e simpatizei com ele. Tinha mais ou menos a minha idade e eu perguntei se ele tinha irmã. A Lúcia tem dois gatos. Mishi e Mishinho, odeia gente escrota com dinheiro, o quê é um pleonasmo para ela. Mora em Jaçanã, em São Paulo. Foi para o Rio Grande do Sul e pensou em mudar pra lá. Joga sinuca. Acorda tarde no final de semana, tem uma pinta perto do nariz, tem vinte e três anos e seu sobrenome é Yamamoto. No final da noite comeram uma porção de batatas fritas com refrigerante numa multinacional alimentícia. É nissei? Sim, a Mika tem grande tradição para desconhecidos. A mãe veio para cá com três anos, o pai com doze. Tem dois irmãos homens, mais velhos, seu quarto está passando por uma reforma, não entende gírias e é formada em história. Não sairemos mais em restaurantes no bairro Rio Branco. Nuvens é uma palavra que não gosto de ver nos jornais, destoa demais, o desenhista concordou sem dar acesso.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Um corredor até ela

De pensamentos guardava o corredor, tal uma druida equivocada. Tem um final cego, de quantas uma tornou-se o de ser encapuzado na páscoa. Com pescoços que haviam agora, espalhados pelo chão de zinco, punha nomes na claridade. As vestes do pai já eram em si uma filosofia umbelical. Atravessara sozinha na clandestinidade, tal pai, tal tia. Seu pressentimento fora sempre na hora de estar durante o motor. Corredor de seu nomes: "trajeto de" ou "infinda". Continuava, deveria, ousava, ousava a porta. Podia encontrar uma vertigem. Continuava á todos um final que deveria ser pobre a ninguém. Recordaria. O corredor. Foi durante muito tempo que o tinham empurrado. Fecharia o dono á muitas portas. Num adulto a lâmpada range mais de vinte vezes, um definhado sargento da aeronáutica me disse. Ele, homem delatado. Respondeu que ia varrer sua infância como podia. Vinham sozinhos e recitavam Descartes, incontáveis. Ela se tornou uma sequência dentro da meia, sabia que dormia ás vezes para a ceia, não podia permitir a ultrapassagem. Podia ter um filho. Tentava, ardia. O dono caminhava no aquário,de sua tia o último desabrigo. E com o armário já falado? tinha uma dor de ave-maria, de assepsia em claridade, dentro daquilo semi-morto. Fora comunicar bravamente se o coração tinha figuras e se algo possível jazia no porto. Quem chegar leva estas lágrimas de escuridão; escapou-me, quê o quer assegurar estrelas devidas, nem um resiste que sentimentos serão feitos por ceticismo convincente das costas, e se triste lhes são as coisas como figuras, que seja menos imatura, enquanto o imaginário semi-vivo permanece no cume dos rubros matos, montanhas invictas, não resiste um bocadinho enxergar que um bocadinho as coisas tem respostas dissimuladas e saem do tempo constantemente. Pedaços de deserto aparecem. Pedaços de água também. Dentro ali, as montanhas, as tangíveis de amante viram algo que arrancam bafos de demência dos gestos.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Lepidotríquias (Peça curta para teatro)

Personagens:

Leopoldo Tavares – Homem de quase cinqüenta anos, calvo e de cavanhaque.

Benedita Tavares - Esposa de Leopoldo. Sempre vestida como um sofá de puteiro.

Amâncio Tavares - Filho de Leopoldo. Jovem de vinte e quatro anos. Patético, cara de tonto.

Januário - Sócio de Leopoldo. Corpulento e brincalhão. Agente Funerário e Juiz.



Primeira cena: Mesa de Jantar. Todos comem, Leopoldo levanta calmamente e vai até o aquário e o coloca no centro da mesa com certa força. Olha a mulher e filho, e diz, ainda de pé: Leopoldo – Aqui vou falar a verdade uma vez. Esse é o único ser que realmente amei em minha vida. Esse peixe. Digo de total sinceridade que eu ei de morrer antes dele. E os preparativos por mim ainda, digo, já começaram. Benedita – Senta Leopoldo. Termina seu bacalhau. Tá esfriando. Leopoldo – Não gosto de você – aponta para a mulher – e não gosto de você – aponta o filho, dessa vez com mais raiva. Benedita bate os talheres na mesa e se levanta. Leopoldo a pega pelo braço esquerdo.
Leopoldo – Ouça mulher. Eu tive um sonho anos atrás. Muitos anos atrás – se acalma e solta os braços dela, que fica observando no mesmo local – eu ainda era menino. Sonhei com o dia da minha morte. Sempre busquei... Sempre busquei um apego, uma paixão. Esperando realmente esse dia... Tudo em vão. Esse peixe é minha vida. Vocês são complementos dos quais nunca fiz questão. Amâncio não parara de comer durante toda a breve discussão, faz um gesto como quem termina o prato e diz: Amâncio – isso não me interessa. Benedita – A mim muito menos. Os dois saem da cena. Leopoldo fica sozinho. Senta calmamente na mesa e começa a beijar o aquário, abraçando-o depois. Tenta acompanhar o peixe em seu movimento como se buscasse atenção. Leopoldo - O que determina a duração da vida do peixe é a sua espécie. Existem peixes que duram muitos anos e existem alguns que não suportam aquários e morrem logo. Comprei você, hum, exatos cinco meses. Eu mesmo não duro dois. Fala meio resmungado, depois de um pequeno tempo: pH, dureza, temperatura, ligação, ósseos, cartilógenos, símbolo cristão, escama. Como é mesmo?Pelágicos, demersais, mesopelágicos... Nisso há um barulho de quem bate em
uma porta. Leopoldo apenas olha, não responde. Entra Januário, seu sócio. Januário – Fala Leopoldo! Leopoldo – Hum... (Meio desanimado) Januário – Ótimas notícias. Fechamos o negócio com o Macedinho. Temos que comemorar Leopoldo, comemorar! – com um sorriso dá um tapinha nas costas do amigo, que ainda permanece sentado e indiferente.


Segunda cena: Cortinas se abrem. O agente funerário encontra-se de pé, Benedita sentada na mesa, ele lê a íntegra do testamento: Juiz - “Eu, Leopoldo Tavares Companhia, brasileiro, vice-presidente de uma empresa particular, domiciliado e residente nesta cidade, na rua Joventino Tancredo nº 199, RG tal, CPF idem, natural da cidade de Ponta porã - MS, nascido em doze de janeiro de 1954, filho de Félix Tavares e Rosa Aneâncio Tavares, ambos já falecidos, casado, pelo regime fechado de bens, com Benedita Tavares, com quem tenho um. filho, estando em perfeito juízo e em pleno gozo de minhas faculdades intelectuais, na presença de (03) três testemunhas a seguir qualificadas: Meu sócio, Januário Lobres Pontes, meu contador Federico Ricco e meu tio Tancredo Tavares livres de qualquer induzimento ou coação, resolvo lavrar o presente testamento particular para dispor de meus bens para após a minha morte da seguinte forma: PRIMEIRO: não podendo dispor de todo o meu patrimônio por ter herdeiros necessários deixo para minha mulher, a totalidade da parte disponível de meu patrimônio existente por ocasião de minha morte, porém salvo condições apresentadas ao final deste; SEGUNDO: para meu testamenteiro, nomeio meu sócio, Januário, acima qualificado, fixando o prêmio de (10%) dez por cento, ao qual peço que cumpra e faça cumprir as presentes disposições de última vontade. Declaro não existir testamento anterior em qualquer de suas formas legais. Para que sejam liberadas as contas particulares e feitos os acordos que seja cumprida o meu último desejo em morte: ser cremado, colocado em uma caixa de tom azul escuro e servir de alimento gradualmente para meu peixe amarelo que acredito ainda estar vivo, e se não o estiver, que seja alimentada a sua possível prole ou parentesco comprovado.Nada mais tendo a lavrar, dou por encerrado o presente testamento na presença das (03) três testemunhas acima qualificadas, para as quais li a íntegra do que nele se contém. Local e data, etc.” Bem, é isso – retoma o Juiz,
abaixando o papel, precisamos cremar o corpo” Benedita – Como vamos cremar esse corpo com as contas bloqueadas? Juiz – Acredito que você deveria realizar o funeral ainda hoje e pensar em crema-lo depois. O peixe ainda está vivo? Benedita – Não.



Terceira cena: Cortinas se abrem. Leopoldo está sozinho no palco tomando um copo de água. Ouve a descarga e Amâncio aparece caminhando devagar. Por um minuto se fitam nos olhos. Ambos de pijama e descalçosLeopoldo – Os peixes não dormem. Eles apenas alternam estados de vigília e repouso. O período de repouso consiste num aparente estado de imobilidade, em que os peixes mantêm o equilíbrio por meio de movimentos bem lentos. Por causa disso trepo devagar com sua mãe.Amâncio- Ei pai, você se usa de exemplo o peixe pra transar com a mamãe ? Leopoldo- Éééé....... (visualizando a cena e disfarçando em seguida e mudando de assunto) ...outra história. E então filho o que você me diz desse olho de peixe que nasceu no meu pé?(mostra o pé esquerdo) Amâncio- Bonito! (diz, cortando e emenda:) Aquele dia o que você disse na mesa... é verdade?(Leopoldo olha para o filho com indiferença se vira e lhe dá um tapinha nas costas,próximo a saída do palco ,sem se virar,e diz:Leopoldo - Sua mãe me espera pelada.


Quarta Cena: Abrem-se as cortinas. O juiz enrola um cigarro de palha. Está sério e completamente suado. Seu olhar é fixo no horizonte. Enrola como quem faz isso há anos, automaticamente. Leopoldo está deitado na mesa, morto. O agente funerário mexe vez ou outra no cadáver, dando a impressão de estar preparando-o para o enterro. Acende o cigarro e joga a cinza na boca de Leopoldo, que está de boca aberta, faz isso enquanto abotoa seu paletó. Agente Funerário (Juiz) – É, Leopoldo... esse dente de ouro aqui vai pro saco. (diz enquanto abre as bochechas do morto). Entra Amâncio. O agente retira as mãos da boca do defunto na mesma hora. Amâncio – como está indo? Agente Funerário (Juiz) – Bem. Qual a causa da morte mesmo? Amâncio – Acho que se deu mais ou menos assim...



Quinta Cena: Abrem-se as cortinas. O aquário está no centro da mesa, Leopoldo bebe um drinque, joga um pouco no aquário. Ri e diz: Leopoldo- Bebe, neném, bebe. Vou pegar a primeira condução, acender o direito, sem medir as conseqüências, diante desse meu barracão, sem aperto pra te atravessar. Um minuto... (Leopoldo levanta e pergunta ao seu querido amigo peixe) Leopoldo - Oh!Estimado amigo é pouco uísque pra você,eu se pudesse nadaria em álcool,viveria embriagado,se não fosse a responsabilidade de cuidar de ti,nada me resta a não ser você.... (Ele para por um instante e o silêncio toma o palco. Leopoldo se dirige novamente ao centro do palco, busca o peixinho com as mãos no fundo do aquário toma-o e enche sua boca com uísque colocando o pobre peixe para nadar. Num primeiro momento suaves movimentos lhe acariciam a garganta, o torpor causado no peixe pelo álcool dá a Leopoldo uma sensação de que está fazendo bem ao se pequeno amigo, mas quando a ameaça de morte se tornou eminente o peixinho lutou para sair daquela situação engasgando Leopoldo que tossiu vindo a acordar
seu filho que quando chegou a sala não entendeu aquela cena, se aproximou do pai, ele já não respirava, Amâncio senta-se no chão ao lado do pai ,mas não consegue chorar,lembra da sala de jantar e das tantas outras vezes que fora desprezado pelo pai.) Amâncio - Caralho, o que a merda desse peixe estava fazendo ai?

Sexta Cena: Abrem-se as cortinas. Benedita despe Leopoldo. Abaixa suas calças até o joelho, põe as mãos embaixo da bunda do morto, retira um anel. Benedita: - era aí que você guardava esse anel, né Leopoldo? Antes de sair atrás de não sei quem, depois do almoço. Bom, a empresa é minha, as coisas são minhas. Morra feliz com esse maldito peixe e tenho até algo melhor para você. (Ela vai atrás do palco, pega um balde lotado de enguias numa água verde. Começa a colocá-las, todas, embaixo das nádegas do morto, algumas escorregam, outras ficam). Benedita - Pronto querido, aqui está seu troco (Ao terminar de colocar as enguias ela enxuga as mãos nos vestidos, passa as costas das mãos na boca, cospe). Senta na mesa, ao lado do morto. Acaricia seu peito por debaixo da blusa, deita sua cabeça em sua barriga enquanto acaricia.


Sétima Cena: As cortinas se abrem. Januário, Benedita e Amâncio estão jantando na mesa de centro do palco. Leopoldo chega com vários vinis e joga no meio da mesa, com força. Pula encima rapidamente, a mesa anda um pouco para o lado esquerdo com seu pulo e ele então começa a nadar de maneira lenta, mexer a bochecha como guelvas. Todos levantam rapidamente, desacreditados. A cada tentativa de tira-lo da mesa uma mordida. As cortinas vão fechando devagar enquanto essa cena vai ocorrendo. Ao fechar por completo anunciando o fim da peça, a mão de um dos atores abre a cortina por baixo e deposita o aquário com o peixe amarelo .

FIM.

sábado, 16 de maio de 2009

Velho acerto

A casa se destaca num pico de colina franqueado, parece feito por metade de um compasso partido ao meio, uma única janela disposta centralmente, em cruz, não há árvores ao redor, seu piso se estala diretamente no solo trincado, há barulho fino de vento na madeira, vista de longe não parece ter mais de dois quartos, uma cozinha, um varal que se estende até aonde não alcança vista. Ela tem maneiras poligonais e tem uma dimensão apenas. Falta menos de meia hora para amanhecer por totalidade, a coloração é de uma madrugada clara, cinza escura brilhante e opaca. Na janela, um clarão de lamparina no lado direito repercute em intervalos proporcionais. No porão, um recinto gigantesco, de centena de cadeiras, em uma delas do centro um gato velho de cartola e fraque pretos, encardidos, está sentado em sua sala de projeção. Assiste á filmes mudos e musicais. Parece emocionado, bebe uma mistura amarelada clara, fuma uma cigarrilha, funga o nariz. Guarda os rolos de filme numa estante alta, a escada é a maior espiral vista por aqueles lugares. De fora, um animal de quatro se arrasta carregando um tronco de árvore nas costas, amarrado por uma corda, demoradamente. O velho gato liga uma vitrola enferrujada na sala. Depois de raspar, a agulha se acomoda e o som da música é o tique-taque de um relógio, ele senta num grande sófa vermelho. Olha para baixo, afasta os pêlos da pata direita revelando dois orifícios. Liga um cabo de tomada neles. Seus ombros antes tensos, relaxam num largo movimento. Tira a cartola, olha pela janela á sua frente. O animal parece aproximar-se cada vez mais um pouco, sem pressa.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Gonorréias Mentais

Um humor pedagógico-sexual do amanhã antes de anteontem só se contretizaram nesse momento, o ator fedorento e frenético rabisca palavras com gasolina limitada, intimamente infecciosa, navegando nu por espaços da ópera de raro queijo, releve a repulsa que repousa neste reles resto. Admiro-lhe a frase, bate uma sozinho, ostentosa manobra.
Dançava no barro fecal opuscular, de jardas quebrantes. Careca, puto e kamikase. Enterrava os micróbios destemidos. Xaropes variados intimos ao cu.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Encontro

Sete idosas portuguesas se encontram numa esquina morta para trocar experiências sobre a temperatura. A primeira, Íovala, peadora e pecadora, tabacófila de primeira, olhos rubros, cabelos idem, cearense em gestual; A segunda, Iolanda, hábil no sabão-vegetal, cheirando tabasco, ebriativa e morena eclesiástica; A terceira, Iovele, obaluaê de convivências, obã de abacates, roupa cor de mel, obcecada em comprimidos obcodiformes, de certa obesidade; A quarta, Inací, obimbricada, de obituário recente, nabokoviana, de vacilância no olhar; A quinta, Ioda, de lábia baqueada, pacabote em labirinto, quadradice maternal; A sexta, Iobala, mestre na cabala, de ecidospório acadêmico, echadiça em fabagela fabricável, uviforme; A sétima,I oana, esquelética como ebanismo mórbido, cabelos cobreados, habilitante feita, amiga das letras, iacrana.
Iovele, Iovala, Ioda, Inací, Iolanda, Iobala e Ioana. Ioana conhecia Iovele que conhecia Ioda e Inací que conheciam Iovala que conhecia Iolanda e Iobala que conheciam um velho mineiro magrelo de óculos tarado.
Todas estavam a par da situação gabada, da mabounga existente, do pacaguaras vacaril. Esqueceram o chá com bolachas, servia mabaço, sorviam o bagaço, rebatiam a mamona. Que faremos adiante? Iovala, que estanciava o registro de combinação dos vocábulos, Sapos difusos em anitrópicas texturas, rendiam mais do que um balanço entre comadres, múltiplos exemplos: aberturas de dimensões da cerne da carne, criação compilada de retorno aos erros. A calda do preparado de Inací parecia mais jacamar, de papacidade boa, de sabaísmo idem. O sabão-de-macaco, ofertado por Iolanda, vacinava as pelugens sem cor das senhoras como um pacu de respeito. Fabulística Facada. Nas façanhas deste dia, destacaremos a de Ioana, que propôs idéia rabaz: reincidir o sabastro. No tempo apropriado a corrida de senhoras daria largada, uma a frente, outra perguntando o segundo ideal. Alvoroço senil. A primeira a chegar desconhece o próprio nome interessada em situar o recinto em presença.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Epílogo

Carregava um espesso mantra nos braços, os ombros figuravam travados com o corpo, porém davam liberdade para as mãos, o olhar abismado e infantil, olhar de loucos embriagados de razão, os passos firmavam-se na terra como pregos em madeira mole, trazia a alegria dos profetas, a vontade dos justos e a afirmação convicta dos poetas.
Vinha cansado de batalhas, sereno, livre, cantava com a língua próxima aos dentes laterais, movia a mão que não segurava o cajado sintonizado com o rítmo das pernas numa proporção ímpar, porém bem cautelosa, e trazia na mente nada mais que o trajeto.
O andarilho era a felicidade.
Suas vestes não eram encardidas, mas eram dotadas de tempos e percebia-se que se lavavam em todo e qualquer dos riachos possíveis, seus fiéis amantes, ele tocava harpa com a barba, sorria pras crianças e ia caminhando, e ia caminhando, de tal anos tão antigos quanto sua figura no mundo, por ser passada de homem a homem aquela entidade.

Encerrando o Assunto

da forma mais ridícula possível. Dez horas quentes de viagem, sobrepostas a pequenos pingos de suor escorrendo como líquidos de seringa mal colada nas veias, ao mesmo modo que sacos de soro transpiram. O lugar do banco era o preferido do sol, o esquerdo, o direito, uma mulher cheirando á manga podre ao seu lado. Dez horas. Sem malas, apenas um case de tacos de golfe. Uma cara de raiva ressaquida, de fruta mal chupada, de quem estava num batalha de guerra e todos morreram, o mensageiro teve as tripas cortadas á sangue frio com uma navalha curta, e o batalhão inimigo avança sem pressa e consciente, enquanto ele olha apenas os dois companheiros que sobraram gritando e atirando ante os olhares de escárnio dos adversários, atira para morrer mais devagar. Apenas uma parada. Ele desce, acende um cigarro, dá baforadas generosas que fazem um idoso fumando um palheiro engasgar, esquece que está tragando e tenta acender outro, queima a cara consideravelmente com o primeiro cigarro, a reação sobre a queimação é demorada. Joga o primeiro cigarro quase inteiro no chão, apagado devido ao contato com a carne e fica com o segundo nas mãos trêmulas. Dez minutos, tempo de fumar seis cigarros e acender um último só pelo prazer de jogá-lo inteiro antes de pisar no primeiro degrau de entrada do ônibus. Agora são três horas somente, pensa. Sente a barriga arder cada vez mais a cada minuto, a cada quilômetro. Sua garganta solta arrotos azedos que ardem o céu da boca. As árvores passam demorativas, inconsciênticas (inconscientes e idênticas), sete maneiras de dizer oitenta, noventa, trocar os números por ter os ponteiros preguiçosos como batatas em palito fritando em óleo frio. Uma caixa gelada comete o erro de ter sombras de lua morna num dia tão quente, e ela tem sons que mentem a maior parte do tempo seu incrível preço, sua pequena irmã querendo ir pra onde, qualquer lugar que coloque pregos macios em sua cabeça, palhaços de membros eretos jogam-na no chão imundo de terra batida. Não consegue ver tão longe seu medo, agora ele anda ao redor das diversões e todos os sabores vazam pelos buracos do topo da cabeça, misto de dor, orgasmo e ódio, típico dos assassinos nascidos feitos, que sorvem a morte como alguém com os dentes a morder os lábios, cabeça curvada para trás, olhos fechados e arrepios na espinha, tal um adicto que se encontrava internado e fugiu atrás de sua verdadeira razão. Fazendas que criam nomes para depois abatê-los sem piedade para próprio consumo. Ele vê suas bolas penduradas na parede por um único prego, com único fio de sangue que escorre formando um J devido ao vento que faz naquela região. Atualmente tem pensado muito em bagos, ovos, olhos e objetos ovais.
Chega até a rodoviária e mal a reconhece. Salta do ônibus esbarrando, há quarteirões para andar. A visita é surpresa. A queimadura do cigarro na maçã esquerda do rosto começa a se tornar uma bolha mal cheirosa, vermelha nas bordas, amarela por dentro, transparente por fora. Anda rápido, descompassado, o begue de tacos sacoleja em suas costas, o surra como um chicote. Reconhece a casa. Como poderia esquecer? Faz menos de dois meses. Bate palmas, a pessoa que abre a porta mal acredita, quer entrar de novo, mas a curiosidade ainda é um dos maiores sabores do mundo e mesmo que quisesse não há portão, apenas uma porta que vai direto até a rua. A imagem que ela vê assemelha-se a de um dos perdidos em andanças no mundo: fedendo, mal vestido, triste, cabisbaixo, e com sombras de vida que teve um dia. Ele retira do bague de tacos de golfe uma Katana-Kaji, do Geindato, de forja tsukemune, cintilante aos olhos, generosa ao sol transformado em fino cabelo em seu espelho, comprada na economia de meses, afiada pelo Tomizo Ishida, a maior autoridade em espadas japonesas no Brasil, capaz de cortar um mosquito no ar de forma tão precisa que as duas partes do inseto continuam a voar acreditando estarem vivas. Sabe que é tão ridícula a idéia que o fez questão. Ajoelha tão rápido e com tanta força que machuca os joelhos, cerra os lábios segurando a dor, tudo no maior gesto pomposo como um bushi do shogunato. Põe a espada em repouso nas duas mãos abertas, abaixa a cabeça. Pronuncia: "Daijobu! Soba ni iru kara! Awatishua anataô uashitmasu! Palavras que me ensinastes dentre tantas e das quais nunca fiz realmente questão, somente a questão de vê-la sorrir ao falá-las. Vim para você terminar o quê você começou. Se não for por amor, que seja por piedade." Vendo a recusa da mulher de não tomar a espada nas mãos, e nada pronunciar, encostou-a na garganta. Bastava um mísero tapa de uma criança para enfincá-la até a metade no pescoço. Nisso aparece um japinha velho, muito gente boa, cabelos grisalhos, falar arrastado, magro, interessado nas economias, nos jornais e reconhece o cara, sorri, estava entrando em casa. "O quê está acontecendo aqui?" O samurai ajoelhado e rídiculo responde: "Coisa de jovem." O senhor Yashuhiko Murakami, conhecido como Seu kiko, tão gente fina que arrepia, retrucou "Que ótimo. Sinto saudades dessas brincadeiras, aproveitem ao máximo enquanto podem." Enquanto o sujeito pressionava a katana nervosa no pescoço o velho sorriu de um jeito cordial e entrou, para tirar a camisa, tomar uma cervejinha e assistir ao jornal. O silêncio da ex-concubina pouco ponderou: "Como você é bobo." Ele retrucou: "Termina logo com essa porra, acaba de uma vez. Como se pode confiar em alguém que sangra todos os dias e não morre? Já estou morto há meses, acaba com essa carcaça fédida e essas idéias imbecis e cheias de clichês das quais você transformou minha cabeça." "Vou entrar, fechar a porta. Vá embora daqui, seu louco" Ele a pegou pelo braço. "Eu imploro". E começou a chorar de um jeito tão medíocre, babaca e assustador do qual o mundo não havia parte. "Suas palavras não me tocam mais, conheço cada artimanha delas, uma a uma" Ele respondeu: " O quê se acha em obstáculos intrapassáveis que insistimos em sobrepor e nos ferimos ainda mais? Considere isso ao menos" Ela: "Você só teve sofrimento comigo, por que insiste em sofrer ainda mais?" "Tive sofrimento, prazeres, enjôos, decepções, descobertas, tudo e mais as diferentes combinações que essas coisas podiam me oferecer. Não consigo afastá-las tal um doente, ando doente dentro do apego sobre mim mesmo." Ela entrou e fechou a porta com raiva. Ele ficou olhando para o trinco, com um risco de sangue no pescoço e uma espada cara nas mãos. Andou arrastando a ponta da espada no chão, gerando sons vivos, focados na raspância que ele também sentia na garganta. Ambas simbióticas. "Que diálogo mais bobo", pensou. Encontrou no caminho um bando de pirralhos, uns sem camisa, outros de camisa larga, média de sete a dez anos, brincando na calçada, sujos e ranhentos. Deu a espada para um deles."Brigadão Tio!" gritou um, desacreditado com tamanha generosidade. Enquanto se afastava podia ouvir a excitação da molecada.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Sala

As conotações negativas aumentam os olhos para o instrumento pontiagudo que fica estático na mesa. Suas teclas são feitas de marfim puro, o obeso de manchas negras na perna afirmou em tom de sarcasmo. Uma máquina de escrever lhe toca as narinas. Abra os olhos, feche os livros. Poderia falar sobre você, escrever somente sobre você o restante de minha vida, mas toda vez que me remeto a transfigurar quadros cotidianos em letras, um rasgo agudo passa acelerado no peito. A sensação de confinamento e confiança sobre si próprio foge quando a experiência não é o resultado de uma disponibilidade e de uma disposição própria do sujeito sensível. Diante da cachoeira, sabe dos reflexos prováveis do terror. Nem lembrar eu quero de cenas banhadas de alegria, nem dos segundos mais fixos que um dia. Elas já me atormentam o suficiente ao longo que vivo. Não se vê, se não se vê por si mesmo. De posse do formulário, você me disse uma vez que me resumiria numa palavra: saudosismo. Voce foi mais do que meu momento, mais do que meu cigarro abatido, meu músculo flácido. A Função de um despertar que se endereçava a uma dimensão da nossa sensibilidade em vias de entrar no grande sono da reprodutividade mecânica. Uma coincidência cronológica que rompe a atenção não induzida. A atenção é um despertar, dentre os vários despertares tardios de uma vida.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Estudo de personagem

Vamos tomar uma viagem juntos, até o longo da irresistível escória de um vermelho pastoso para coisas frias no espaço negro de imagens de vidro. Vamos ver o balanço tabagista e passageiro ao procurar um e outro entre um justo e sozinho pedaço de metal diáfano e um claro trem transparente de questões exatas que desce nervoso até nossas veias alvas, ausentes de diagnósticos. Não fique nervoso quando descermos, não mais viajará depois, essa estrada fecha. Sempre fecha. Ele era um menino ávido, animalzinho cheio de desejo, e Fulana divertiu ensinando-lhe as perversões de que era sábia. Mas cansou-se rápido, pois ele não tinha nada para lhe dar e fora da posse furiosa, ficava sem nada dizer. Ela encostava o corpo nu na janela cansada daquilo, o cenário era um coro ressoando em sua pele velha. Quando sai do delírio sexual, o homem não mais a interessa. No fundo só tem a posse para prender seu coração, o que não basta. Deitada na cama, ela fez planos como fez com todos os outros. Pega o caderno, rabisca: “Eu ouço uma voz no fundo do quarto chorando, é algo bom. Vamos pequeno eco, deixe-me ver sua face. Vamos, pequeno eco, eu sei que você tem algo a dizer. Na falta, um cão frenético, inebriado com essa grotesca chamativa, me diz que tudo aquilo foi e é um dia muito bom, e eu querendo te introduzir aquela poção especial, sua veia escapando. Está oriundo de mim? Não, está vindo até mim, agora eu sei o que realmente preserva-se lacônico ao dia, eu conheço algumas pessoas que podem dar o seu troco.” Engoliu o licor de cacau. Ela tem graves maneiras de escapar pelas mãos, ela tem um sorrir de vocábulos, de trilha arrematada, de estar tudo errado. Com o presente amante, na cama perdera os trejeitos de antes, ás vezes era como uma mula submissa aos guris da roça, ás vezes era como um papagaio que sacudia as asas, se arrepiava, abria as penas do rabo num grande leque verde. O céu se derrama em estrelas como o sangue rola nas coxas de uma adolescente virando mulher, a noite é morna, o desejo sobe da areia em forma de calor, e ao terminar com seu homem, lembra da infância e de seu namorado da época, Ernesto. Fora criada na roça. A sombra das roças é macia e doce, é como uma carícia, os dois se fecham em folhas grandes que o sol amarelece. Os galhos se procuram e se abraçam no ar. Naquele jogo quase de criança, tão requintado no vício do amor que era quase puro, eles passaram a hora triste do crepúsculo. Adormece nesses pensamentos. Sonha com o dia em que Ernesto trouxe orquídeas para que se despisse. Orquídeas rubras e brancas, violetas e manchadas, todas as que antes brotavam dos cactos bravios no jardim, caídas sobre o corpo esplêndido de mulher.

domingo, 3 de maio de 2009

Dia 23

Queria pedir licença para o tom desabafante, sons que eu nunca ouvi antes vem lá de fora, espero achar uma forma de dizer isso menos idiotamente. Meu nome é Tancredo Dias e há dias procuro saber do paradeiro e crise de Ângela, aquela mucama desgraçada, que encontrei numa festa pela primitiva vez. Estávamos saindo do apartamento de Priscila, cheguei com Mariana, aquela fragrância conhecida de noite fecunda e eu com uma lata quente nas mãos esperando no carro, pelo interfone chamamos-nos para dentro, íamos a uma festa e ela precisava pegar as direções com alguém. Quando subi, ela estava na cozinha aprontando uns drinques, ela usava um shaker, batia elucidada, mas isso não importa, ela me disse. Havia mais uma amiga dela na casa, qual não me lembro o nome, e eu começava a ficar seriamente embriagado ás sete da noite. Precisava trocar a bateria, próximo da morte, trocamos as idéias difusas, aquele cigarro enrolado me fez ficar num silêncio maior, olhos separados. Quando chegamos ao local de fadário, haviam mais pessoas procurando pelo número da casa. Ouvimos Morphine no talo a excursão inteira á quatro em meios á gritinhos de Mariana. Um copo plástico para cada daquela mistura verde-limão horrorosa que carcomia o vão dos dentes. Um bate-estaca de caixa-clara começa a tentear nas veias de meu cérebro naquele momento. O som do carro estava alto e eu tinha passado toda a manhã daquele dia viajando, o dia bebendo esperando. Voltando ao local de embate, a sala tinha um chão de azulejos de banheiro, do qual o meu sapato grudava vez ou outra, fazendo-me quase tropeçar atropelando. Um bom tiro cai bem. Não, grato. Hoje vou de líquidos diversos. Não havia mais de quinze pessoas na sala, quatro na cozinha, um som alto de rock coreano me remetia á baladas da vila mariana. Dispensava. Fiquei perambulando pelos cantos, aquele aroma de vozes molengas, balsamadas, aquela luz azul que tanto irrita em bares que cobram mais de vinte reais a entrada, porém aquilo era um apartamento. Pernas trançadas, bocas semi-aberta, olhos orientalizados, em forma de V de ponta cabeça, formando um triangulo com meu queixo, meu olhar em câmera lenta para o maior movimento possível do exterior, arrastava a ponta do tênis como enchido de um diplomata gordo, rico e quieto. Julgava. Estava bem, no difícil liminar entre o sagaz e o bobo, preservava meu silêncio de quatro horas atrás. Consegui perder minhas amigas num âmbito menor do quê trinta metros quadrados, talvez estivessem em minha frente, talvez não, talvez tivessem ido embora. Sorvi cada gota da cerveja que parecia estar vazando pelas minhas narinas tanto me sentia preenchido de líquidos destilados e fermentados, tanto tivesse como tanto. Sentei no sofá, uma nutrida fêmea cheirando lavanda puxou papo comigo. Bem nutrida, eu diria. Virei o rosto lentamente e comecei a fitá-la, ela achou que eu prestava atenção. Só via sua boca subir, descer, rebolar, endiabrar movimentos enquanto minha visão parecia martirizada, pois podia ver as minúsculas gotículas de saliva saltando em câmera lenta de sua boca. Algumas pessoas dançavam em nossa frente, pude ver de rabo de olho. Minha mente esguarniçava um regurgito estomacal em breve. Encontrei-me em seu ombro. Chamava-se Letícia, soube mais tarde, e ia falar que eu precisava ir ao banheiro, mas na ânsia de idéias decidi fazer um voto de silêncio já que não falava á quase quatro horas. Dei três batidinhas em seu ombro e levantei num impulso tão forte e ansioso que cai pra frente e segurei em suas coxas que tinham a largura de minha cintura. Ela sorriu de canto. Dei risada e quase falei, saí vazado. O caminho do banheiro eu já conhecia de cor. Ele já exalava o cheiro do meu saco. Incrível o fato que na época eu transava mais de quatro vezes por dia, já fazia meses. Quando se transa tanto se chama mais a atenção, exala-se um olor dos bagos que me eu próprio sentia tesão ao senti-lo, não sei explicar direito, mas tive uma namorada que era bióloga e tinha sempre essa explanação de base hormonal em argumento irrefutável. Fato é que fui abordado no caminho do sanitário, não por uma mina, mas por um cara. Posso te chupar? Voto de silêncio? Passei na frente dele olhando pro chão, mortalhadamente, como um espantalho vivo e pálido e entrei no banheiro. Tranquei-me por quase meia hora, nem ouvi as batidas na porta que devem ter sido muitas, mas a verdade é que gorfei maior parte do tempo, a outra metade permanecida foi por medo. Dispenso barba no prepúcio, Monsenheur. Muito agradecido, mas vou pegar outra breja. Não podia falar, saí com medo de topar com a figura ainda, mas ela não estava lá, vi no canto direito da sala principal, atentei em não fazer contato visual. Minha trepada era a bebida. Vi Ângela pela primeira vez na festa depois de chegar com ela, a quantidade de pessoas havia triplicado, veio fazendo perguntas. Ofereci cerveja no intuito de calá-la. O circo estava se tornando mais interessante. Fiz um negócio que idolatro quando estou bebido, mas que não deve ser repetido tanto por ser meio arriscado: encostar num canto panorâmico, sozinho e com a intenção de permanecer nessa condição, analisando horrores, querendo pescá-los em simetria, divertir-se com a bobagem inevitável de si próprio. Quase dormi encintado na parede quando vi algo notável, gostaria que Machadão estivesse no meu lugar. Nem idéia de sua reação. Nunca vi ninguém esquentar nada na colher antes, somente em películas. Aproximei. Acabei caindo de cara no chão. Era verão, pessoas vinham e me diziam de botões, sem faliculismo, fui levantado por duas pessoas e resolvi deitar no sofá. Começava a delirar. Não querendo quebrar meu voto nem ficar quieto gritei um "iuhhú" ridiculamente. Ainda era uma da manhã. Acordei lá pelas duas e meia com muita sede, me dirigindo diretamente ao freezer, estava menos bêbado, porém mais tonto, precisava dirigir ainda, porquê Priscila não tinha mais condições para responder por Ãngela e sua amiga devia estar no quinto tempo com um carinha que devia usar pó-de-arroz. Nunca vi alguém tão isento de barba; nem os engenheiros da universidade, nem médicos recém-formados. Já não havia mais motivo de voto e disse então que precisava dormir mais, ela riu olhando para baixo. Havia urinado nas calças. Hora de mudar de águas para nadar em sossego. Fumar me faria pior, recorri á imagem antes de apagar. Nunca havia experimentado e por tanto canto procurei como um recém-acordado submerso em meleca uterina. Queria descer á cidade, lembrar de piadas reais que não inventadas, um jardim com tomates gordos com feijões e vinho. Eu conheço um jeito de nadar até a cidade, juro. Ninguém quis entrar em águas comigo e decidi ir sozinho;

sábado, 2 de maio de 2009

Cozinha

Quantos sóis absortos, de diferentes identidades, preferentes quando chegavam a surrar nossa única janela de casa, regada com uma flor que me dera e dissera ser a caricatura única de nossa ternura. Quantas vezes desfiei-a murchar, jorrando água ás pressas tais regentes, para que decretasse que iria embora, trancafiando-me no quarto em noite de acesso. No abismo de sua racha tchalaguei todos os dedos. Decretaste ás goelas acessas dos confinantes todo seu estupor de quem jazia estropiada na cama, ficando fula puta depois, mas concedendo no meio. E que o silêncio, um dos nomes de Deus, se aconchegava aos poucos e caiava sereno no quarto, ditando ordens de saudosismo, você num canto da sala, eu em outro e o criador e criado do gemido tardio no meio. A solução era o soluço. Atualmente percebo que minha massa cerebral é chula como um frio sanduíche de merda, virado com o recheio para baixo e encostado no canto de única mesa que tínhamos e que hoje já não sei mais. As diferentes dobraduras de vivências, ambas colidindo em nossos gestos ao cozinhar, banhar, andar, sair, beber, fumar, amar já me foge de tantas, chuvas verdes que você observava quieta debruçada sobre a janela, a laje aliciava cantos compassados, e os montes estaticamente frios cobriam minha nuca branca. O tempo sempre foi nosso amigo, mas constantemente exigia provas de amizade para com ele. Nunca ponderastes ditados falecidos com gosto de creme em maçãs fálicas, nunca disse que o repouso nada mais é se não um tempo nada maligno dado a ele mesmo como amostra de seu talento próprio rejeitando seu próprio ser requisitado dentro de sua vontade necessária. Hoje, quanto mais dentro da noite, mais noite dentro de mim. E nem dizer quanto sinto sua falta me julgo capaz. textos confissionais, inatíngiveis respostas, alentos repetitivos. Não há nada de novo, a velha história de dar corda no planeta. Atravanque quem sabe um dia, e que tantos dias bonitos vivi pelo fato simples de serem apenas bonitos, tardes fechadas, desconhecidos cerrando os lábios em tom de deboche, um medíocre segundo dado para si mesmo. Quem me dera ter a eloquência do mudo, os olhos do mundo, o livro que lês. Sou apenas mais um repouso traduzido em recreio da vida. Um nada. Um ser errante, com o álibe e perdão do termo á romantismo clássico. Uma nuvem chega de muito longe, pessoas também, e do mesmo jeito que chegam nos vão e não há nada que possamos fazer sobre isso. Alarmada, gentil e senil vida senhora, compromisso de saberes, maravilhados espantos delirantes, por trás de nossas ridículas faixas faciais escondemos nosso próprio enigma, luares que entram em nossa sala sem pedir licença. Me refiro á você e seu desejo que compactuo de construir a desconstrução a cada espelho tranparente de cada dia. Tranfiguro meus testículos em ovários violados sem medo de parecer cômico, pois no príncipio eu era a sociedade, raspando dignidades, distribuindo obséquios, coçando os bagos sem anseios maiores. Agora me sinto á vontade para lançar o mais puro jato de vômito literário, direto da fonte, sem pompas, sem modismos, sem filtros encadeados vindos da massa craniana exalando borras fecais. Gratificantes as rosas de sal mesmo não tendo olhos, dando as mãos enquanto o mundo respira como em uma tela de zinco, porém sem invocar a frescura da superfície que possuem as palavras isoladas. Entendo sua aflição e cansaço, calma provacativa de não ser implacável sem retoques incriminados, a inutilidade é uma questão de casos característicos, de dormência das vontades. Ando meio emotivo, abestalhado, impulsivo mais do quê já sou e não sei mais da minha própria veracidade. Tenho sido fodido por quase tudo que cruza minha frente e a impressão que tenho é que uma velha de ceroulas amareladas da mais pura urina (aquela que parece ouro líquido), unhas abarrotadas de carniça dos dentes, sorriso e falar diabólico costura minhas linhas da vida na epiderme de um felino doméstico morto á meses.