domingo, 3 de maio de 2009

Dia 23

Queria pedir licença para o tom desabafante, sons que eu nunca ouvi antes vem lá de fora, espero achar uma forma de dizer isso menos idiotamente. Meu nome é Tancredo Dias e há dias procuro saber do paradeiro e crise de Ângela, aquela mucama desgraçada, que encontrei numa festa pela primitiva vez. Estávamos saindo do apartamento de Priscila, cheguei com Mariana, aquela fragrância conhecida de noite fecunda e eu com uma lata quente nas mãos esperando no carro, pelo interfone chamamos-nos para dentro, íamos a uma festa e ela precisava pegar as direções com alguém. Quando subi, ela estava na cozinha aprontando uns drinques, ela usava um shaker, batia elucidada, mas isso não importa, ela me disse. Havia mais uma amiga dela na casa, qual não me lembro o nome, e eu começava a ficar seriamente embriagado ás sete da noite. Precisava trocar a bateria, próximo da morte, trocamos as idéias difusas, aquele cigarro enrolado me fez ficar num silêncio maior, olhos separados. Quando chegamos ao local de fadário, haviam mais pessoas procurando pelo número da casa. Ouvimos Morphine no talo a excursão inteira á quatro em meios á gritinhos de Mariana. Um copo plástico para cada daquela mistura verde-limão horrorosa que carcomia o vão dos dentes. Um bate-estaca de caixa-clara começa a tentear nas veias de meu cérebro naquele momento. O som do carro estava alto e eu tinha passado toda a manhã daquele dia viajando, o dia bebendo esperando. Voltando ao local de embate, a sala tinha um chão de azulejos de banheiro, do qual o meu sapato grudava vez ou outra, fazendo-me quase tropeçar atropelando. Um bom tiro cai bem. Não, grato. Hoje vou de líquidos diversos. Não havia mais de quinze pessoas na sala, quatro na cozinha, um som alto de rock coreano me remetia á baladas da vila mariana. Dispensava. Fiquei perambulando pelos cantos, aquele aroma de vozes molengas, balsamadas, aquela luz azul que tanto irrita em bares que cobram mais de vinte reais a entrada, porém aquilo era um apartamento. Pernas trançadas, bocas semi-aberta, olhos orientalizados, em forma de V de ponta cabeça, formando um triangulo com meu queixo, meu olhar em câmera lenta para o maior movimento possível do exterior, arrastava a ponta do tênis como enchido de um diplomata gordo, rico e quieto. Julgava. Estava bem, no difícil liminar entre o sagaz e o bobo, preservava meu silêncio de quatro horas atrás. Consegui perder minhas amigas num âmbito menor do quê trinta metros quadrados, talvez estivessem em minha frente, talvez não, talvez tivessem ido embora. Sorvi cada gota da cerveja que parecia estar vazando pelas minhas narinas tanto me sentia preenchido de líquidos destilados e fermentados, tanto tivesse como tanto. Sentei no sofá, uma nutrida fêmea cheirando lavanda puxou papo comigo. Bem nutrida, eu diria. Virei o rosto lentamente e comecei a fitá-la, ela achou que eu prestava atenção. Só via sua boca subir, descer, rebolar, endiabrar movimentos enquanto minha visão parecia martirizada, pois podia ver as minúsculas gotículas de saliva saltando em câmera lenta de sua boca. Algumas pessoas dançavam em nossa frente, pude ver de rabo de olho. Minha mente esguarniçava um regurgito estomacal em breve. Encontrei-me em seu ombro. Chamava-se Letícia, soube mais tarde, e ia falar que eu precisava ir ao banheiro, mas na ânsia de idéias decidi fazer um voto de silêncio já que não falava á quase quatro horas. Dei três batidinhas em seu ombro e levantei num impulso tão forte e ansioso que cai pra frente e segurei em suas coxas que tinham a largura de minha cintura. Ela sorriu de canto. Dei risada e quase falei, saí vazado. O caminho do banheiro eu já conhecia de cor. Ele já exalava o cheiro do meu saco. Incrível o fato que na época eu transava mais de quatro vezes por dia, já fazia meses. Quando se transa tanto se chama mais a atenção, exala-se um olor dos bagos que me eu próprio sentia tesão ao senti-lo, não sei explicar direito, mas tive uma namorada que era bióloga e tinha sempre essa explanação de base hormonal em argumento irrefutável. Fato é que fui abordado no caminho do sanitário, não por uma mina, mas por um cara. Posso te chupar? Voto de silêncio? Passei na frente dele olhando pro chão, mortalhadamente, como um espantalho vivo e pálido e entrei no banheiro. Tranquei-me por quase meia hora, nem ouvi as batidas na porta que devem ter sido muitas, mas a verdade é que gorfei maior parte do tempo, a outra metade permanecida foi por medo. Dispenso barba no prepúcio, Monsenheur. Muito agradecido, mas vou pegar outra breja. Não podia falar, saí com medo de topar com a figura ainda, mas ela não estava lá, vi no canto direito da sala principal, atentei em não fazer contato visual. Minha trepada era a bebida. Vi Ângela pela primeira vez na festa depois de chegar com ela, a quantidade de pessoas havia triplicado, veio fazendo perguntas. Ofereci cerveja no intuito de calá-la. O circo estava se tornando mais interessante. Fiz um negócio que idolatro quando estou bebido, mas que não deve ser repetido tanto por ser meio arriscado: encostar num canto panorâmico, sozinho e com a intenção de permanecer nessa condição, analisando horrores, querendo pescá-los em simetria, divertir-se com a bobagem inevitável de si próprio. Quase dormi encintado na parede quando vi algo notável, gostaria que Machadão estivesse no meu lugar. Nem idéia de sua reação. Nunca vi ninguém esquentar nada na colher antes, somente em películas. Aproximei. Acabei caindo de cara no chão. Era verão, pessoas vinham e me diziam de botões, sem faliculismo, fui levantado por duas pessoas e resolvi deitar no sofá. Começava a delirar. Não querendo quebrar meu voto nem ficar quieto gritei um "iuhhú" ridiculamente. Ainda era uma da manhã. Acordei lá pelas duas e meia com muita sede, me dirigindo diretamente ao freezer, estava menos bêbado, porém mais tonto, precisava dirigir ainda, porquê Priscila não tinha mais condições para responder por Ãngela e sua amiga devia estar no quinto tempo com um carinha que devia usar pó-de-arroz. Nunca vi alguém tão isento de barba; nem os engenheiros da universidade, nem médicos recém-formados. Já não havia mais motivo de voto e disse então que precisava dormir mais, ela riu olhando para baixo. Havia urinado nas calças. Hora de mudar de águas para nadar em sossego. Fumar me faria pior, recorri á imagem antes de apagar. Nunca havia experimentado e por tanto canto procurei como um recém-acordado submerso em meleca uterina. Queria descer á cidade, lembrar de piadas reais que não inventadas, um jardim com tomates gordos com feijões e vinho. Eu conheço um jeito de nadar até a cidade, juro. Ninguém quis entrar em águas comigo e decidi ir sozinho;