quarta-feira, 6 de maio de 2009

Estudo de personagem

Vamos tomar uma viagem juntos, até o longo da irresistível escória de um vermelho pastoso para coisas frias no espaço negro de imagens de vidro. Vamos ver o balanço tabagista e passageiro ao procurar um e outro entre um justo e sozinho pedaço de metal diáfano e um claro trem transparente de questões exatas que desce nervoso até nossas veias alvas, ausentes de diagnósticos. Não fique nervoso quando descermos, não mais viajará depois, essa estrada fecha. Sempre fecha. Ele era um menino ávido, animalzinho cheio de desejo, e Fulana divertiu ensinando-lhe as perversões de que era sábia. Mas cansou-se rápido, pois ele não tinha nada para lhe dar e fora da posse furiosa, ficava sem nada dizer. Ela encostava o corpo nu na janela cansada daquilo, o cenário era um coro ressoando em sua pele velha. Quando sai do delírio sexual, o homem não mais a interessa. No fundo só tem a posse para prender seu coração, o que não basta. Deitada na cama, ela fez planos como fez com todos os outros. Pega o caderno, rabisca: “Eu ouço uma voz no fundo do quarto chorando, é algo bom. Vamos pequeno eco, deixe-me ver sua face. Vamos, pequeno eco, eu sei que você tem algo a dizer. Na falta, um cão frenético, inebriado com essa grotesca chamativa, me diz que tudo aquilo foi e é um dia muito bom, e eu querendo te introduzir aquela poção especial, sua veia escapando. Está oriundo de mim? Não, está vindo até mim, agora eu sei o que realmente preserva-se lacônico ao dia, eu conheço algumas pessoas que podem dar o seu troco.” Engoliu o licor de cacau. Ela tem graves maneiras de escapar pelas mãos, ela tem um sorrir de vocábulos, de trilha arrematada, de estar tudo errado. Com o presente amante, na cama perdera os trejeitos de antes, ás vezes era como uma mula submissa aos guris da roça, ás vezes era como um papagaio que sacudia as asas, se arrepiava, abria as penas do rabo num grande leque verde. O céu se derrama em estrelas como o sangue rola nas coxas de uma adolescente virando mulher, a noite é morna, o desejo sobe da areia em forma de calor, e ao terminar com seu homem, lembra da infância e de seu namorado da época, Ernesto. Fora criada na roça. A sombra das roças é macia e doce, é como uma carícia, os dois se fecham em folhas grandes que o sol amarelece. Os galhos se procuram e se abraçam no ar. Naquele jogo quase de criança, tão requintado no vício do amor que era quase puro, eles passaram a hora triste do crepúsculo. Adormece nesses pensamentos. Sonha com o dia em que Ernesto trouxe orquídeas para que se despisse. Orquídeas rubras e brancas, violetas e manchadas, todas as que antes brotavam dos cactos bravios no jardim, caídas sobre o corpo esplêndido de mulher.