sábado, 10 de dezembro de 2005

O leviano

Seria um sábado como qualquer um dos outros se não fosse o fato de Renebaldo Perez ter acordado bem de manhã. Chegou na padaria exatamente ás seis e quinze, como a mãe havia pedido desde quinta a mando de nada, com o custo e a vontade do pão macio e quente de acompanhamento ao café parou frente a uma estante de brioches e percebeu que estava de profunda ressaca. “Te levarei agora mesmo, briochinho tão tostado” disse a si enquanto levemente cruzava a mão no saco de torradas. Pagou, perguntou o preço do caramelo muito bem embrulhado, agradeceu a atendente de maneira queixosa e foi embora. Apesar dessa quebra de rotina, a mesmice da tarde de sábado aconteceu sem interrupções: na vasta área frontal da casa, onde se dispunham normalmente dois carros e alguns vasos, amigos de Renebaldo em sua maioria conhecidos desde o colegial, dialogavam sobre qualquer coisa. Bicicletas, duas motos ou menos eram vistas das duas horas da tarde ás nove da noite. Havia um boteco ao lado de casa que facilitava a permanência dos colegas. Este rapaz, de aproximadamente vinte e três anos, nome Renebaldo, que nada são de precisos, além de namorar as mulheres mais bonitas, pomposas, frescas e fúteis da cidade, morava desde os sete anos com a mãe (o pai, vivia no Maranhão, odiava sempre que podia a ex-mulher mutuamente e não aparecia desde então). “O Thiago disse para aparecer hoje ás onze que haverá fartura de afazeres” foram as palavras de Rafael que agitaram todos com latas de cerveja, menos Humberto que degustava uma soda de cigarro na mão: “Thiago é um cuzão”.
As horas passaram até dez e treze sem nada advir melhor que o comunicado feito por Rafael. Renebaldo entrou na sala com o amigo que sobrara e pediu comida a mãe que ofereceu bolachas. “Tchau mãe.” Dona Geovana pensou em alertar o filho sobre o fato de que ele não tomava banho fazia ao menos seis dias, mas desistiu devido a acontecimentos passados e forneceu dinheiro para a noite como prometido. Fecharam o portão e compraram duas cervejas e um maço de cigarros no boteco ao lado muito freqüentado por eles e seguiram com destino a casa de uma amiga próximo ao mercado São Fernandes depois da Farmácia Central à frente da Avenida Gomes Carneiro. Ela não estava, mas sua irmã mais nova disse-lhes “foi na casa do Thiago.” Não iam agora. Muito cedo “falam onze mais aparecem lá pra uma hora” Renebaldo resmungava. Andaram um pouco apenas pelo prazer de fazê-lo. O amigo, que jogava a lata ao chão conversava com dificuldade e gesticulava geometricamente. Num desses momentos em que isto fazia passou um carro esverdeado modelo Brasília e arremessou uma garrafa em sua direção. Renebaldo nada entendeu (franziu a testa como se desejasse sair correndo). Atingiu a cara de seu amigo e despedaçou-se em pequenos fragmentos, o que fez provável a ingestão de um caco do tamanho de uma semente de ameixa.
Renebaldo não sabia como socorrer o ferido que tentava gritar desesperado, mas o sangue o engasgava e o vidro incrustado arranhava ainda mais a garganta com a tentativa. Rua deserta dificultava ajuda. Renebaldo abandonou-o e saiu a procura um orelhão que só foi encontrado dois quarteirões acima. Chorando, gritou ao atendente que o fez esperar, depois gritando mais a explicação não vinha.
Duas horas depois. Todo mundo no Hospital. Na fila encontra um outro amigo em ataque de asma acompanhando-lhe até o inalador. Conversaram. A família pediu explicações, polícia também, apenas a cor do carro.
Uma hora depois. Liberado. Casa do Thiago. Festa. Todos perguntavam algo a Renebaldo. Este bebia assustado. Tudo normal.
Renata era a magia do local que dialogava num tom bucólico e por demais que excitante a um naipe a menos que todos dali tanto que emagrecia as vontades. Era filha de pai porco, mãe gloriosa, tio bastardo. Ele a conhecia de vista, ora. Porque não chegar? “Te vejo alegre.” “Qual é seu nome?” “Renelba. Camarada do Tito” “Que Tito?” “Amigo de mim. Esquece. Quer uma volta?” “Quero.”
Renata passou sobre a piscina e jogou cerveja. “Grande e bonito, né?” “Convencido.” “O lago.” “Que lago?”
Renata anta não era e sabia o que ia ocorrer. Transaram na sombra de uma árvore ao ipê roxo. No meio do ato Thiago chegou prá urinar e se viu a cena guardou para ele. O casal não notou, continuou na uniformidade e Thiago fumando na sala. O que mais?
Renata era três vezes Renata. Não era rena, nem ata, muito menos alta, mais do que Renata. A salientada fez-se necessária. A bebida acabou no tormento e ninguém vomitara fora da sala. Três e meia. Chegada a fora da hora da partida.
Caminhavam a três e duas baixinhas que muito tagarelavam sobre assuntos de vocês. Renebaldo, Jaiminho, João, Geovelda e Teosta, uma estrangeira nova. Jaiminho, o mais velho, havia proposto a idéia de seguirem rumo para sua casa, sendo ele o único a não morar com os pais e ter uma coleção de isqueiros importados. Alguém comentou sobre o caso do carro e de vidros na garganta. Renebaldo suspirou e disse “Que caralho. Porra, vamos parar com esse assunto que não passaram pela merda que eu passei.” Ninguém comentou mais e o rumo transparecia cada vez mais. As duas baixinhas, uma estrangeira, relutavam em aceitar o convite. Alguém falou algo que agradava. Abastece, João, abastece! João abasteceu meio litro da pura em seguida olhos para Teosta com dizeres aqui, vomitou em seu braço e riu contente. Adormeceu andando, sorrindo, chorando e ainda por cima fumava um cigarro.