domingo, 11 de dezembro de 2005

A cura

Lembro-me bem de Benedito. Acordava ás cinco da matina em sua casa sem cômodos no sitio onde não se via figura humana a par de dezessetes léguas, tomava café, fazia pequenos carinhos no cão de nome Vlado e ouvia rádio antes de sair para capinar. Podia ser uma cena bucólica dos anos vinte, mas era nos tempos de agora.
Conheci-o há dois anos atrás e ele jurava ter em mãos o que podia ser o controle da humanidade ou ao menos sua salvação, conforme a índole do portador. Contou-me a história bem devagar, não sei se me lembrarei corretamente, mas tentarei registrar neste breve conto.
É fato que num dia que acordou como este, como todos os outros aliás, foi capinar em companhia do cão Vlado que fedia não tanto como ele. Cenoura, batata, beterraba e hortaliças eram cultivadas para serem vendidas na cidade próxima. “Menino, andei por ali, por aqui e é qui vi no meio das batatas um pézinho meio chucro meio não e estranho. Não sou de matar vegetal a não ser praga pur isso dexei por ali mesmo, sabe?” e fazia um “hum” depois que falava qualquer coisa. Passou um tempo e o velho recebeu duas visitas na mesma semana, fato esse dito ele como único. “Menino, um era forte, tinha um lenço das forças armadas (?), um sapato estranho de jeito que nunca vi e uma barbicha loira. Devia ter colorido. Hum.Isso foi na terça. Preguntô se eu sabia como sarar sua mulhé que sofria du quê memo, hum, há, hum, era miningite, acho. ” Benedito proferia palavras comuns e entediantes para se dizer a verdade, mas eu estava mesmo naquela praça e não tinha nada a fazer. “O outro, um jovem...” – claro, comparado a ele quase todo mundo era jovem - “...De chapéu, de cavalo e com lágrimas na cara pediu preu falar uma receita ou fazer uma oração pro fio dele que nem mi lembro que duença tinha. Falei, ói, oração eu até faço, mas receita num sei não.” Dei risada nessa hora e ele pareceu ficar puto. “Olha menino, não gosto de tração de sarro não. Dois dias depois o home de cavalo voltou e agradeceu pusque o fio tinha sarado. Depois disso num parava de vim gente das cidadela do local” E aí, sarou mais alguém? Perguntei de sacanagem. “Num sarei não. Mas, num parava de vim gente. Tantas gente que até insqueci das minha prantação. Tava tudo morto, uma disgraça. Inclusive meu cão Vlado que morreu com espuma na boca, só tava vivo o pé esquisito que já tava dano umas frutinha laranja e redondinha cum várias sementinha minúscula adentro.” Como você sabia das sementes? “Fiz um suco pra vê o gosto.Tinha um sabor azedinho bom...” E? “E que nesses dia que apareceu gente pra cacete em casa, três caboclo chegaro desesperado que um deles tinha tomado mordida feia de escurpião e já tava agonizando pra morrê. Dei o suquinho á mó dele carmá e o diabo sarô. Hum. Veio o padre da paróquia, muitos fiéis e minha vida infernô de veis. Agora eu vendo essas bolinha prá região.” E mostrou-as pra mim. Dei um bocejo e saí.
Faz dois anos que não vejo Benedito. Dizem que se mudou ou morreu envenenado junto a uma parcela de gente da região.