segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Quarta-feira

Acordei como nos outros, com a leve impressão de uma espúria profissional me acautelando no evitar momentos como esse, antes afora percebido, mas como de costume fui até a porta e sentei quase dois palmos abaixo da maçaneta, onde á sua esquerda, uma hortaliça bem defumada tocava levemente minha face em movimentos rotatórios, e ouvi a chuva. Abri a porta, levemente, um pingo breve provindo da fonte inesgotável fluídica, sua perspicácia é evidente ao toque repentino, caiu do telhado. Notável como ele cai debruçado em seu próprio corpo, ora espedaçando-se em meus pés, ora fazendo meu saco mais enrugado com o clima local. Toda a vegetação amarelada, numa oscilação quase cinérea, integrou os ventinhos buliçosos, enquanto fechava-me cada vez mais em meu enclaustro de sapiência, não querendo me entregar á situação. Caminhei vagarosamente da varanda até o parapeito da janela, deslizando o dedo indicador por toda a extensão esquerda da parede de frente da casa e parei ao observar um percevejo multicolorido, radiante, com um verde que refletia meu rosto, extremamente chamativo, talvez até com doses de veneno. Acompanhei seu trajeto onde sobrava de ressalva um rastro luminoso, devia estar ferido, passei o dedo anelar naquela que seria a decorrência da ferida e degustei de seu sabor. Para meu assombro, era delicioso, e não pude me conter, fui passeando minha língua por todo aquele fio verde da janela, chegando até sua origem, o besouro. Num gesto puro não detive minha língua e coloquei-o em minha boca. Enquanto mastigava ouvindo aquele barulho seco mesclado ao barulho da precipitação atmosférica, o caldo, saboroso deslizava entre meus dentes e as patas em agitação misturavam o encanto do saciar com o deleite das cócegas entabocais. Botei a cara numa poça e sorvi de um pouco de água, satisfeito. Adentrei. Logo na sala primeira um carpete sempre, como se me emitisse, quadros de limões verdes com chocolate desenhados, não sei por prensas, não sei por mãos. Observei atento, aos meus olhos sempre soavam inéditos mesmo estando ali desde que eu me encontrava miúdo, fruteira veicula cálida, enfim. Limpei os dentes com os dedos da mão direita e deitei no sofá num gesto ríspido, olhei pro teto cor abóbora, inalei intimamente como se o ar rasgasse nacos secos de um pulmão quase particular aos cupins daquela região. Cruzei os braços, os olhos e sob minha pálpebra dar-se-iam imagens de Fernanda, mas fui arrematado por batidas nas aberturas de princípio, se eu devia fazer mesmo aquilo ou se mais inegável seria masturbar-me defronte á janela principal, quando num desprazer pacífico sentei no sofá e coloquei as mãos em minha testa esquadrinhando o contragolpe.