sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cena urbana n.1

Uma árvore que produz pêssegos. A mulher apareceu no ponto de ônibus trajando uma roupa beje, quase apagada, a sombra de sua sobrinha descansava até metade de seu corpo. A menina tinha tinta em seus cabelos, tinta sem espaço para crescer com mais comodidade desde a raiz genoflexória. A tia propôs uma brincadeira para entreter a menina que não parava de falar. Ela tinha que pronunciar corretamente a palavra oftalmotorrinolaringologista. A cada tentativa, uma velha senhora sorria oferecendo balas de cacau e canela. Essas são muito ardidas, a tia dizia, e colocando as mãos de unhas pretas de sujeira retirava cada casca de canela que envolvia as balas e então oferecia para a menina. As cascas eram engolidas de uma vez pela tia e o sol era de duas horas da tarde. Ambas iam para o limão, visitar o exmarido, antigo tio. a velha dizia ter agrafobia, mas o dizia entre dentes, pois a excitação era visível em seus olhos mareados. quem era ela para ter fobias? A tia citou as fobias de seu nome: Claudete. Essa sim eram fobias, e jurava ter todas: Cacorrafiofobia, Caetofobia, Cainofobia, Catagelofobia, Catapedafobia, Catoptrofobia, Cenofobia, Cimofobia, Cinetofobia, Cipridofobia, Coniofobia, Cosmicofobia, Crometofobia ou crematofobia e por aí ia. A velha planteou o rosto dois centímetros acima dos olhos da tia. Calor infernal até o fim do dia. O ônibus "Vila Nova cachoeirinha - Avenida Celestino Bourroul" parou. A sobrinha se negava a subir até recitar corretamente a palavra. Nada que dois petelecos na orelha de mão fechada não resolvesse. Não havia assento, Claudete concluiu: Não há lugar para a neutralidade. Neutro em opressão se apóia algo injusto. A senhora tinha manias de esclarecer tudo para a menina, batendo-a quando não concordasse ou não fingisse atenção. Ao chegar até a avenida, desceram e seguiram a pé. Era perto dali. A tia acendeu um cigarro catingudo, respirou forte, apertou as mãos da menina sem querer. Esta tapava as narinas com cara de nojo a cada baforada, a tia não via, ou não demonstrava abalo, sua visão estava fixa no prédio á sua frente. Não terminou o cigarro. Jogou quase inteiro no chão e pisou, entrou no prédio. Com quem? Roberto. Quinto. Ok. Entrou no elevador. "Sua filha." e entregou para o ex-marido. "A mãe disse para não ficar bebendo na frente dela" e ia saindo. "Claudete?" Roberto falou. Ela virou lentamente, "Diga á sua irmã que sinto muito".