quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Prisioneiro de Guerra

Havia mais de oito antagonismos em suas cartas, ele tinha uma roupinha ridícula de marinheiro, estava deitado na mesa com um copo de vinho ordinário que movimentava tal um brinde escuso para espantar as moscas que pousavam de cócoras botando ovos em seus cabelos. Alguém se aproximou. Conheço você, eu conheço você. Qual a diferença? Diga um óla e um adeus olhando nos olhos. Seus olhos estavam tortos, descarregara toda a urina nas coxas, escorrendo até o sapato; Gritos. Levantou, equilibrou. Eu conheço você, você me conhece. O ambiente parecia ter sido tirado de uma animação de Alexander Petrov. Sentaram para tirar satisfações. Fui acordado dessas memórias por um murro na beliche. Éramos despertos sempre ás cinco para recebermos a nossa quantia diária de pão, seco, murcho, enbostiado e colorido de fungos, mas pão; As prisões da Tchecoslováquia na década de 40 para estrangeiros eram menos que cinzentas, eu era (sou?) português de Caldas da Rainha, de Leiria, cidade recente porém decente. Dê-me um beijo, que diferença faz isso, apenas me dê, nunca mais a vi. Fui receptado em minha casa. Trabalhava de funileiro na rua principal, auxiliar diria. Outra batida no beliche, vários, somavam mais de vinte. Banho geral gelado, cuidado, não podemos atropeçar por nada desse mundo. Poderíamos ser animais, eu seria um peixe, o theco um gato, o frânces prisioneiro um sapo. Gertrô, meu amigo. Roubava cigarros para trocar por comida clandestinamente. Os antagonismos de que falo são de cartas da minha mulher, tão gorda de carnes que acordo transando com a cama, ás vezes com o travesseiro e ás vezes com o membro ereto nas mãos, sem flexioná-lo, sem me masturbar, nada, apenas com ele nas mãos e os companheiros olhando com ar de reprovação, indignados. Estamos presos e não há diferenças de cores e nações. Um por semana é executado da seguinte forma: são escolhidos num jogo funesto, um jogo onde somos postos em fila da qualsete são escolhidos, geralmente os mais magros e fracos, pois não podem trabalhar, sendo obrigados a virar uma garrafa cada um, depois outra, depois outra, até o primeiro desmaiar e em consequência levar um tiro em cada perna, ainda no chão e depois uma bala firme na cabeça. Já vi casos de pessoas tão embriagadas que nem gritavam com o tiro nas pernas. Isso irritava os oficiais, que faziam questão de perfurar o corpo como um queijo suíço antes da bala fatal. Fui escolhido duas vezes, estivera doente por um período e escapei com vida, felizmente. Haviam apresentações vez ou outra de grupos circenses, escolhidos á regalia do comandante geral, coisas horríveis que eramos obrigados a ver. Havia uma sala de execução que ficava no meio do caminho do banheiro, aonde os porcalhões não recolhiam os cadáveres dos executados e ás vezes tinhamos que pisar naquela carne mole, com medo de escorregar e com os pensamentos voltados no fato que um dia poderia ser eu ali, sendo pisoteado também. Jogávamos carta vez ou outra, mas tínhamos que descartá-las nas nossas bocas quando um oficial passava. Vestia grinalda, era conhecido como Mafalda. Chamava um dos presos para ir em sua sala, quando retornava parecia abatido, mais triste. Nunca perguntávamos o quê ele ia fazer lá. Hoje tenho nacionalidade romena, álibe de refugiado, rugas no rabo. Ainda bem que aquela merda foi dividida em dois países, ainda penso enquanto reflito na latrina.