sábado, 8 de agosto de 2009

Ainda acho que os anos nos remetem ao número 27

Cada vez que eu podia passar um tempo, que podia passar por aquela praça daquela cidade vizinha, sobretudo á noite, percebia que sou o mesmo durante o dia, comum e corriqueiro. Não falo de alterados estados, de romantismo barato ou de nada. Quero a escrita consciente, o fato verídico de face moldada. Frio dia de ida. É evidente que quando me ponho á caminhar o que se sente é esse estado ambulatório, passos, falo de que em um determinado momento deixamos de participar desse mundo primário do que nos diz respeito á cidade. Os signos do descobrimento aleatório. As categorias lógicas de que o tempo muda. As pessoas recorrem á lugares inquietantes, galerias cobertas, igrejas sem silêncio. E que Cortazar foi um homem necessário para a humanidade. Queria poder afirmar melhor essas tais impressões. Mas tentativas não deixam de sê-las por somente elas. E por que não a barba e o cabelo te perguntam. E porque não a barba e o cabelo? Tente responder tal pergunta complexa. De não adianto. Óculos de armação laranjada e transparente em lentes enormes. Barbas no calor. As mãos em calo de caneta. Não sei estar sendo suficientemente claro. A devida carne branca se impondo aos milhares que compassivos a olha distante para nossos olhos suficientemente redondos. Olhos redondos. Os olhos das letras e das artes que nos interessa. Temos várias linguagens para vender, jovem escrivão. Grato, fico com essa. É-me mais entinta. Íntima. Amostras? Deixe ali encima da mesa, já olho, estou ocupado aqui não querendo ser estético. Não vejo espuma na sua bebida, ela escorre pelo canto da boca semi-aberta. Um livro violentamente doce golpeia minhas narinas. Ainda não lembro o nome da autora, é russa, disso me lembro, e é um livro comunista. Tem cheiro de rosas com urina. Urina feminina na face do homem, sem barba, entende, não entende, não sei mais o quê digo, chacoalhando a cabeça para afastar jogos de armar infantis. Já fomos advertidos milhares de vezes sobre o imperialismo norte-americano e a vergonha nos fez deixá-lo sucumbir aos poucos, como é de sua natureza constatada. Como quem leva uma bofetada na face e nada faz. Espera a vingança com o passar dos dias, em alerta sobre novas. Corte meu azar. Não há nada que você possa fazer com sua força, pois acho que os anos nos remetem ao número vinte e sete e não há nada que possamos fazer sobre isso sobre nada podemos. Todos querem a chave do carro caro, meu caro. Sempre o caro. O começo da estrada, a estrada começa num circo logo encima de sua cabeça, nossa descendência portuguesa não nega. E se nossas letras fossem desenhos. E desenhos fossem letras nossas. E que tais desenhos combinados gerassem histórias. Histórias de olhos redondos e de carne passada. Branca e fosca. Veias negras ou azuladas. Mais abaixo tem um coração, deixe-lhe comprar um pé de porco com cerveja quente, faço questão ele me disse. Conversamos sobre Cortazar novamente, não consigo falar de outra coisa no momento, me desculpe. Seu perfume impregna as paredes de minha consciência como uma fábula contada pela metade. Uma montanha negra de provérbios, descidos pela garganta empurrada com dialéticas baratas. Minhas baratas dialéticas. Por que tem um sino batendo, por que tem um homem correndo com sangue na camisa. Por que há campeões esbarrando em borracha, porque há metais pesados correndo em nossos pulmões. O dia de hoje não passará por essa porta, pode tentar joga-lo quantas vezes quiser. Deixo-a ir e ela volta. Seguro e ela se vai. Eu não acredito mais no quê digo, eu não sei se os convites devem chegar por carta ou telefone ou por sons de vidro da rua, a mesma rua que não me convida mais como antes. Tem som no lugar que estou, estou sozinho, estou acompanhado de milhares de gerações á minhas costas. Quem pode ser nesse dia de hoje senão nossos próprios pais afastados de diferentes tipos de escória. Nós somos as escórias. Nós somos o não ligar de ser congelado pela história. Congelado pelos atos que passam. Passam. Olho minhas mãos, seguro uma na outra, esfrego, sinto o cheiro de carne e sangue ditador, de raça maldita, sanguinária na preferência de balas, na preferência de mortes por empalamento. Não culpemos os assírios. Usamos mais. Onde uma rata se enobrece, tem bandeiras sobre-humanas e cantam hinos e alguém o prende, seu grande filho de uma puta, com uma medalha no peito. Uma região de mãos sujas, pincéis nos cabelos, meninos de dentes podres e boca arreganhada.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Prisioneiro de Guerra

Havia mais de oito antagonismos em suas cartas, ele tinha uma roupinha ridícula de marinheiro, estava deitado na mesa com um copo de vinho ordinário que movimentava tal um brinde escuso para espantar as moscas que pousavam de cócoras botando ovos em seus cabelos. Alguém se aproximou. Conheço você, eu conheço você. Qual a diferença? Diga um óla e um adeus olhando nos olhos. Seus olhos estavam tortos, descarregara toda a urina nas coxas, escorrendo até o sapato; Gritos. Levantou, equilibrou. Eu conheço você, você me conhece. O ambiente parecia ter sido tirado de uma animação de Alexander Petrov. Sentaram para tirar satisfações. Fui acordado dessas memórias por um murro na beliche. Éramos despertos sempre ás cinco para recebermos a nossa quantia diária de pão, seco, murcho, enbostiado e colorido de fungos, mas pão; As prisões da Tchecoslováquia na década de 40 para estrangeiros eram menos que cinzentas, eu era (sou?) português de Caldas da Rainha, de Leiria, cidade recente porém decente. Dê-me um beijo, que diferença faz isso, apenas me dê, nunca mais a vi. Fui receptado em minha casa. Trabalhava de funileiro na rua principal, auxiliar diria. Outra batida no beliche, vários, somavam mais de vinte. Banho geral gelado, cuidado, não podemos atropeçar por nada desse mundo. Poderíamos ser animais, eu seria um peixe, o theco um gato, o frânces prisioneiro um sapo. Gertrô, meu amigo. Roubava cigarros para trocar por comida clandestinamente. Os antagonismos de que falo são de cartas da minha mulher, tão gorda de carnes que acordo transando com a cama, ás vezes com o travesseiro e ás vezes com o membro ereto nas mãos, sem flexioná-lo, sem me masturbar, nada, apenas com ele nas mãos e os companheiros olhando com ar de reprovação, indignados. Estamos presos e não há diferenças de cores e nações. Um por semana é executado da seguinte forma: são escolhidos num jogo funesto, um jogo onde somos postos em fila da qualsete são escolhidos, geralmente os mais magros e fracos, pois não podem trabalhar, sendo obrigados a virar uma garrafa cada um, depois outra, depois outra, até o primeiro desmaiar e em consequência levar um tiro em cada perna, ainda no chão e depois uma bala firme na cabeça. Já vi casos de pessoas tão embriagadas que nem gritavam com o tiro nas pernas. Isso irritava os oficiais, que faziam questão de perfurar o corpo como um queijo suíço antes da bala fatal. Fui escolhido duas vezes, estivera doente por um período e escapei com vida, felizmente. Haviam apresentações vez ou outra de grupos circenses, escolhidos á regalia do comandante geral, coisas horríveis que eramos obrigados a ver. Havia uma sala de execução que ficava no meio do caminho do banheiro, aonde os porcalhões não recolhiam os cadáveres dos executados e ás vezes tinhamos que pisar naquela carne mole, com medo de escorregar e com os pensamentos voltados no fato que um dia poderia ser eu ali, sendo pisoteado também. Jogávamos carta vez ou outra, mas tínhamos que descartá-las nas nossas bocas quando um oficial passava. Vestia grinalda, era conhecido como Mafalda. Chamava um dos presos para ir em sua sala, quando retornava parecia abatido, mais triste. Nunca perguntávamos o quê ele ia fazer lá. Hoje tenho nacionalidade romena, álibe de refugiado, rugas no rabo. Ainda bem que aquela merda foi dividida em dois países, ainda penso enquanto reflito na latrina.