terça-feira, 16 de junho de 2009

A crua Dádiva

Essa mesa está meio solta. Talvez tenha que parafusar melhor. A cadeira está meio capenga. Ou não quer suportar peso - não sei se ando gordo; devido á esta nova condição - ou são as ripas desgastadas? Da velha madeira que constitui. O papel está bem aqui. Na minha frente agora perturbável. Titilando a coloração sobre nariz. Caneta carregada de tinta preta. Vontade menos dispersa que antes. A preguiça descorroída, então discursemos... As informações que eu tenho: me ultrapassam á memória vaga. Para dois longos anos atrás. Eu andava pela rua baixa. O barulho da minha blusa. Ela chacoalhava em sutil sintonia. Com o mesmo chacoalhar feito: caixa de fósforos no bolso. Sonora enquanto um frio percorria. Os espaços de som ausente. Carne da blusa não tocava: a minha mesma longa carne. Tinha combinado encontrar uma amiga. No centro daquela pequena cidade. Caminhava lento com fronte renegada. Um carro parou perguntando direções. Expliquei sobre a procurada rua. Estava quatro quadras dele certamente. Perguntou-me mais algumas vezes mais. Dizia ser de uma cidade longínqua. Cento e quarenta quilômetros dali. Expus as quatro quadras novamente. Quando ele me interrompeu perguntando: se eu não poderia acompanhá-lo. Entrar no carro e levá-lo. Até lá, a rua pretendida. Sorri e disse que não. Firmou o argumento dizendo que: depois me levaria ao lugar. O lugar que eu iria. Assim que mostrasse a rua. Mostrei pressa, disse que não. Afirmei o lugar da rua. E me pus a caminhar. Menos de duas quadras depois (ao atravessar a rua velozmente) vi o mesmo carro contornando. Parou em minha frente brecando. Então sorrindo largo me disse: passei do lugar, não é? Nada respondi, atravessei a rua. O carro não veio mais. Respirei aliviado, livre de esquisitices. Cheguei na casa da amiga. Vi o movimento na entrada. Havia quatro pessoas, em círculo. Todos de dezessete anos cada. Ou não passando muito disso. Fumavam cigarros filtro vermelho. Baratos e os conhecia pouco. De vista eu diria melhor. Saudamo-nos e despontou minha amiga. Ficou na porta me olhando. Cumprimentou com um gesto cortês. De um quadro de Matisse. Ainda não acabado, realista então. Sabia de quem eu perguntaria. Disse sobre quem eu procurava hoje. Que estava escondida ali atrás. Na direção de um carro. Duvidei da veracidade do fato. Olhamos por uns dois minutos. Olhamos em direção ao carro. Mostrava nenhum movimento ou barulho. Achei ser brincadeira da outra. Uma menina, prima de minha amiga: foi até lá investigar, abelhenta. Ela saiu sorrindo do carro. Caçoamos da infantilidade sendo rudes. Entramos em seu quarto aromatizado. Quem esperei, ela, seu irmão. Seu quarto era todo escrito. Á caneta hidrográfica na parede. Gizes de cera e canetinhas. Recados, máximas e desenhos diversos. Desligou o computador com raiva. Disse ir tomar um banho. Precipitamos-nos até a praça central. Havia uma na pequena cidade. Conversamos um pouco, fumamos cigarro. Tenho crises de querer ir embora. Fui com sede de cerveja. Com o mesmo andar apressado. Chacoalho dos fósforos e blusa. Estava decidido a comer lanche. Tinha fome e nenhuma esperança. Pra minha surpresa encontrei lanchonetes. Duvidava estarem abertas no bairro. A praça estava vazia, feriado. Os bares fechados esperando amanhã. Mas esse bairro era rico. Tinha mais de quatro possibilidades. Na primeira já encontrei conhecidos. Fique muito feliz, havia amigos. Um que também escrevia frequentemente. Estava nesse ofício no guardanapo. Terminou com a boca suja. Suja de tomate do lanche. Mostrou com uma vontade morna: “Primeiro você se torna forte/ a mãe fumaça consome seca/ eu nunca lembro de números/e de umas boas piadas. Eu conheço um jeito narrativo/ de nadar até a cidade/ tem monte de gente nadando/ primeiro mova sua cabeça leve/ é fácil pra você né?/ se você tiver mãos, braços/ é fácil pra você querida,/ por que não tentar agora? Eu vou até o jardim/ tem vários feijões no chão/ doce, como os caminhos são/ quando vai pela primeira vez.” Elogiei, me deu o guardanapo. Por isso agora escrevo certo. Tenho certeza, a memória falharia. Pedi um copo, nova cerveja. Duas pessoas eu não conhecia. Éramos seis na mesa contando. Apresentaram-se ou me apresentaram, acho. Não me lembro muito bem. Um deles parecia muito bêbado. Puxou assunto á qualquer modo. Dizia ter um dom válido. Via cicatrizes, cicatrizes nas pessoas. Apontou pessoas diversas ao léu. Disse sobre o mais ferido: era um sujeito ali perto. Explicou a aparência da cicatriz: vinha do fim do pescoço. Até perto do umbigo, quase. Fazia uma grande curva riscada. Ela ainda sangrava muito bem. E tingia toda a camisa. Quando se levantava para ir, sair - até o banheiro, normalmente seria - sangue pingava de suas mãos. Deixando gotas no seu caminhar. As marcas dos sapatos tingidas. Tingidas de sangue no chão. A cada passo dado novamente. Ferida acabrunhada de cinco meses. Muito cutucada como ele notara. Havia sido ferido bem gravemente. Que tornava quase impossível estancamento. Ainda mais em prazo curto. Chutou dois anos e meio. Apontou dessa vez uma mulher. Na base dos cinqüenta anos. Uma cicatriz no seu ombro. Meio cinza e bem fechada. Disse sobre cada parte do corpo: Era responsável por um sentimento. “Humano”, ele me disse claramente. Quis saber melhor eu acho. Disse-me que eu não entenderia. Passou a descrever outras cicatrizes. Fechadas ou não sem diferença. Seus olhos fulguravam-se conforme falava. Passava a rodar as órbitas. Tinha sentido em suas considerações. Via como lhe saltavam feitos. Com a maior naturalidade desapercebida. Puxou um cigarro do maço. Olhou-me como quem analisa curioso. Torceu as narinas fungando-as rapidamente. Digo forçado esse pequeno sorriso. Colocou na barbicha os dedos. O polegar e o indicador juntos. Numa forma de V torto. Perguntei o quê via agora. Disse-me que não julgava ético. Pare de ababolhações, meu amigo. Tal chamativa não tirou propósito. Agora a figura não falava. Calou e conversava com outro. Tentei esquecer o assunto, certamente. Ficamos mais duas horas bebendo. Resolvemos ir para outro bar. Os diálogos se rubricaram cursando. Entendi tratar-se egoísmo a pergunta. Sua recusa valia seu dom. Não sabia como cercá-lo ligeiramente. Para minha surpresa infeliz, vi. Vi o carro do perguntador extravagante. Passava célere como quem ronda. Cutuquei o visionário de espírito. Fi-lo analisar o cara baitola. Mesmo passando rapidamente, ele enxergou. Tinha uma ferida na boca. Disse ainda quem ele era. Um dos que ele nomeava. Um “ferida rosa morna”, disse. Que buscava a ferida própria. Rimos e discursamos avenida abaixo. A situação engraçada nos aproximou. Vimos o nome em letreiro - era um estabelecimento novo dali - contamos o dinheiro e entramos. Não falamos sobre velho assunto. Durante a meia hora quase. Engolimos mais umas duas cervejas.Cada um fez um brinde. Um conhaque pediram sem hesitar (na última hora que podiam: o bar fecharia em breve). Pensei na mulher que deixara. "É assim que ela começa, amigo. Vejo em todas as pessoas: a capacidade de querer sangrar - de seu cutucar para isso. Parece-me que adoram a dor. Que a cura é evitada.Para isso temos remédios vários. Tempo, nova dor e loucura. A última me agrada mais." Agora bêbado parecia mais interessante - tentei colocá-lo para falar mais. Eu acreditava naquele sujeito, sim. Veio correndo um novo ser. Chegou até nós com armas. Duas facas grandes de cozinha. Enterrou-as no peito do médium. Ele gritou, abriu duas vaginas. Duas gigantescas vaginas profundas, curvadas. Gritou "Como minha minha ferida". Saiu correndo pra rua abaixo. O médium frio caiu ensanguentado. Tocou meu ombro e sorriu. Vi várias escoriações na cara. Não lembrava de atingí-lo ali. Vi outras, bem mais fundas. Nas pernas, nos dedos, enfim. Morreu sorrindo, despreocupado, sereno. Não vi mais suas feridas. Hoje sou outro, logo percebo - basta ver a minha maldição. Passada como carne mal passada. Crua, sêca, fria e aberta. Não sei passar, já tentei. Precisaria tocar ao morrer, será? Não me basto de perguntas. Parece-me que além de ver... ainda tomo dores emprestadas, veja. Chega de contos de cinco. Chega de debasafar capitães dirigindo. A soma de tudo basta.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Agouro

Sábado à noite é necessário pagar. No final do dia, que é também um fim de semana, se sente como se chegasse no domingo. Ao longo de todo o bairro, são gritos, chamadas, surtos nas portas dos cabarés. Entre esta multidão de trabalhadores de fora da calçada que segue a alta e íngreme estrada, uma pequena sombra furtivamente apressa seus passos até os moinhos e grandes pátios se enchem de silenciosos ruídos e movimentos. A janela onde estava sentado se prepara para colocar a sua cobertura. O homem subindo para o almoço. Ele estava muito perto nessas grandes oficinas de vidro que pode até ser visto apinhado com pedaços de madeira no ranger de manhã à noite tal os instrumentos do bom pai que terminou dizendo a missa, quando ele trouxe os prisioneiros. Foi em um canto de montanhas selvagens que uma rocha gigante onde um figo de vetores em sua haste estão curvados de um modo que formam uma espécie de altar coberto - como uma toalha - um estrago excelente. A localização é ótima para a construção de uma cidade, ele pensa. Houve noite clara para os bancos do rio, por quebrar algumas árvores no soco das florestas, a grande floresta virgem enraizada lá desde o nascimento do mundo . Nas ruas brancas de neve, no nevoeiro da confusão, o ruído dos carros e sinos, a multidão prensada, alegre, os restaurantes ao vento, as cabanas, as prateleiras. Lojas e flores, ramos de azevinho verde, os montes de carga se completam de pingentes usados em armas despersas, dominando toda a cabeça, como uma sombra da floresta da uma memória da natureza no manequim de inverno. O dia cai. Há peões e ciclistas por toda parte, que podem respirar no pulmão da cidade, de azuis e brancos diamantes nasais que provocam verdadeiras merênices em algumas pessoas, o que faz com que o segredo do seu afeto se dispense na onda da linha, o que explica a razão pela qual a fiel união do mistério com a comédia, aterrorizada e espantosa, se permite analisar os trejeitos sensuais daquele homem que é um pavão de roda, cujos olhos a imagem causa na noite o coaxar de um pântano pederastra, o público permanece considerando suas orelhas que faz até a dupla natureza da sua concepção colocar em uma único espírito no que se compromete a julgar com alguma profundidade as suas manias suscitadas. Um veredito no ridículo. Inevitável banalização. Realismo na pena de morte: o preâmbulo de uma forma muito alta de um edifício, em cujo nome uma lei sobre as execuções serve para incentivar as meditações, apesar da ligeira dissidência literária de perseverança dispensável.