terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Alguém pediu para avisá-lo

Hoje morreu meu marido e fiz exatamente o que faço nas tardes de terça e quinta – feira: pegar duas conduções e olhar vitrines no centro. A única diferença é que estou andando mais rápido e amanhã tem enterro, antes não havia previsão de amanhã. Não tenho nem idéia de quem avisar, pois a impressão era de haver só nós dois, sem filhos, sem parentes. Apenas minha irmã, aquela megera, que deixou a cidade e foi viver no interior com o amante. Odeio mulher que trai.
Existe uma loja, no encontro com a Avenida Quatorze de Julho com a Moraes Salles, que é a minha preferida. Grande, barulhenta por dentro, com um cheiro muito bem posto que sai das frestas. O produto mais barato é o valor da compra de mercado do mês. Cada gente bonita! Cada coisa! A loja chama “Aroma Floral” e para uma mulher na base dos cinqüenta, como eu, é um sonho. Já pensou? Comprar um casaco e mostrar pra Mariluci cabeleireira? Ela ia ter um treco.
Acabei de dar risada e lembrei de Mario Ângelo, meu finado. Quando casamos, era forte, cheio de vida. Imaginem vocês, eu não agüentava transar com ele. Ele era Insaciável! Depois, nem com reza braba o pingula dava sinal. Sua coleção de revólveres, sua camisa do Corinthians, seu fusca bege, seu toca-discos com aquelas malditas músicas, o conhaque, os churrascos, as noites acordando pra tomar antiácido. Ai, que saudades de Mario Ângelo.
“Dona Martinha.” Ouvi alguém no meio da multidão. “Dona Martinha!” Destacava tanto o nhá que logo reconheci o amigo do finado. “Oi, Jerônimo.” Companheiro da firma que M.A. se aposentou. Falou um discurso pro morto e foi logo jogando a verdadeira face “Não haverá indenizações.” Eu não tinha dinheiro. Apenas uma merreca. Chorei, anoiteceu e voltei pra casa.
Preparava um ensopado com abobrinha e galinha quando os arruaceiros de sempre começaram a algazarra em frente de casa. Sai e gritei aos moleques que retrucaram “Olha a véia. Precisa de uma pistola pra acalmar.” Odeio esses moleques. Os vizinhos do lado viajaram e quando voltaram a casa tinha sido assaltada. Tenho certeza que foram eles. Tenho certeza.
Acordei e havia um envelope jogado em casa pela minha janela. Quase trezentos reais e um bilhete: “É seu salário semanal inicial. Se quiser aceitar o trabalho, entregue o recado anexo ao sujeito de camisa amarela sempre ás dezoito horas na esquina da Nove de Julho com a Moraes Salles. O código é “Alguém pediu para avisá-lo”. Decore o recado, não vá com ele em mãos. O recado é: Tudo certo, Bufo. Temos certeza que o homem não tem saída. Hoje ás 21:00. Traga a maleta.”
Tanto dinheiro para tão pouco? Se pegassem um moleque na rua pra esse serviço ele não cobraria mais de dez reais. Finalmente, o casaco é meu.
O cruzamento ficava uma rua acima da “Aroma Floral.” Comprava o casaco, descia uma rua, avisava o idiota e ia embora, esperando o pagamento da semana que vem. Encontrei o sujeito “Alguém pediu para avisá-lo” “Conheço você, minha senhora? Com licença.” E saiu. Fiquei pasma e esperei. Passavam pelo menos três pessoas de camisa amarela por minuto. “Alguém pediu para avisá-lo” “Alguém pediu para avisá-lo.” Voltei pra casa ás 22h30min, fiz um chá e fui dormir. E se vierem se vingar?
Acordei com medo. E nos outros dias, também. Quando uma semana se passou, a história se repetiu. “É seu salário semanal. Aceitou o trabalho, entregue o recado anexo ao sujeito de camisa amarela ás dezoito horas na esquina da Avenida Joventino Flores Penteado com a Moraes Salles. O código é “Alguém pediu para avisá-lo”. Decore o recado, não vá com ele em mãos. O recado é: Parabéns, Bufo. O homem não teve saída. Hoje ás 22:00. Traga a maleta.” Exatamente um quarteirão abaixo da semana passada. Trezentos e cinqüenta reais. Como não souberam que não consegui passar o recado? “Alguém pediu para avisá-lo”, “Alguém pediu para avisá-lo”, “Alguém pediu para avisá-lo” e nada. Voltei para casa, fiz um chá e dormi.
Mais duas semanas. Sempre aumentando mais cinqüenta reais, o local de encontro sempre uma quadra abaixo da anterior, eu não conseguindo achar o sujeito de camisa amarela. Hoje recebi o que diziam ser o último trabalho: Avenida Quatorze de Julho com a Moraes Salles, “Aroma Floral.” Fui. A loja preferida, a mesma vitrine, com... um sujeito parado de camisa amarela? “Alguém pediu para avisá-lo” ”A senhora é Marta Medeiros?” “Sim, sou a encarregada pelo trabalho” Pegou em minha mão, me algemou e deu voz de prisão. “O que é isso?” “Vamos até sua casa, Dona Marta.”
Chegaram a casa com cinco viaturas, o delegado de camisa amarela e outros três investigadores. A vizinhança alarmada. “Mostre-me seu quarto.” Quando cheguei ao quarto, havia um cheiro forte. “Que cheiro é esse?” três cadáveres debaixo da cama, um dentro do colchão, todos em estado de putrefação. Meus bilhetes estavam encima da escrivaninha. “Pois é, Sargento Peçanha, a ligação anônima era verdadeira!” Desmaiei.

domingo, 11 de dezembro de 2005

A morte do deputado Cirino

O calor atravessara o vidro. Josefa abriu a janela. O corpo deitado na cama banhou-se de luz. A gorda trocou o velho sem cuidado nenhum, rebolando altos palavrões que a esclerose habitada na matéria do mesmo não dava a devida atenção aos seus significados. Na porta, em pé e atento a tudo, encontrava-se Murilo (Moleque de seus onze anos, regado de sardas e orelhas de abano). Quando a mulher desferiu tapas e golpes nas nádegas de seu vo reclamando da sujeira o garoto arregalou os olhos estupefato. “Que está olhando, pirralhinho? Quer levar umas bofetadas também?”
Cirino era deputado eleito por nove cidadelas, dono de boteco, pai exemplar. Se não fosse o contrato da criada feito pela filha mais velha, os cinco mandatos cumpridos e o sexto com dois terços, talvez agora estivesse servindo porções de torresmo para seus amigos, ao invés disso, sem reação apanha da empregada gorda na frente do neto. Nesse dia várias visitas foram feitas. A noticia havia se espalhado com êxito e o partido ameaçava um luto simbólico. Uma bolsa de sangue na cabeça chamava a atenção das visitas curiosas.
A casa era humilde, pois é claro. O resto era fazenda e gado. Muito capital. Na casa, a empregada, as duas filhas (A mais velha de nome Maria, divorciada por anos e a terceira ainda solteira de nome Maristela) de cinco e o neto, filho de Benedita que morrera em acidente.
No mesmo dia, à tarde, Cirino recebia a visita de Dr. Portugal, colega de infância. Levou livros do exército que liam juntos e alguns boletos bancários. Papeou durante horas na cadeira frente á cama sem reação nenhuma por parte do deputado tirando alguns gazes que se ouviam às vezes. No assunto de banco, no meio dele aliás, milagrosamente o deputado esboçou alguns grunhidos. “Meu deus! Josefa, Maria, Maristela, alguém! O deputado está falando!” Maria não estava na casa, mas as duas outras chamadas, a filha mais velha e a empregada apareceram. Fuzuê se formou até o silencio retornar. O velho abriu a boca devassadamente e ornou com o olhar em direção á Maristela: Sua puta vadia! E morreu gemendo após proferir estas palavras. O silencio permaneceu durante cinco minutos até o Dr. Portugal dizer “Vou chamar o Padre” Era costume do local.
Trancaram o quarto enquanto o padre não vinha. “O que aconteceu?” Murilo perguntava todo o tempo “Seu avo morreu, moleque.” O magrelinho foi até o campinho atrás da casa onde costumava empinar pipa com quem mais gostava nesse mundo. Sentou e chorou bastante. Na casa, pessoas telefonavam e o movimento era intenso. O cadáver não podia ser visto até o Padre chegar, o quarto continuava trancado. Duas horas e meia depois o padre chegou, abriram o quarto e a surpresa: o corpo sumiu.
O padre não acreditou e garantiu que uma das duas havia escondido o corpo sobre motivo desconhecido. Motivos? Não havia. As duas? Desmentiam. E agora? Quem passou por aqui? Alguém? Tinham a chave? Porque diabos???
O menino chegou logo depois todo vermelho e chorando muito. Os olhos cresceram para cima do garoto. “Estava o tempo todo no campinho.” Avisaram a cidade. Piadinhas e preocupação.
Murilo foi o mais afetado emocionalmente pelo roubo do cadáver. Não conseguia achar uma explicação em sua mente infantil. Tentou pensar e concluiu, cheio de raiva, que precisava pensar mais. Na casa apenas Josefa permanecia, sendo que Maristela havia saído e Maria ainda não havia chegado.
Murilo corria pela casa, bateu a cabeça duas ou três vezes de grito contínuo e choro extasiado. A gorda preparava o almoço numa bacia de água morna e rarefeita enquanto movimentava o quadril em tom de banha. “Moleque, não me cutuque. Continue seguindo a parede” e o próprio batia as caras sem compaixão. Andou até a cozinha tranqüilamente após os espasmos, pegou uma faca de próprio uso no descamar o peixe e ameaçou-a apontando com rosto de ódio. Ela apenas olhou:
- A vagabunda morta da sua mãe está vendo isso.
- Vou te matar.
- Moleque, guarda a faca vai, guarda a faca.
- Vou te matar.
- Criança filha da puta.

Enquanto o moleque tombava devido à correria, a gorda espreitava a panela. Pegou-a lentamente e desferiu um golpe na cabeça de Murilo que esguerniçou no chão engordurado. A impressão era que o mesmo caiu lentamente, mas na verdade caiu rápido. No chão, o sangue em pequena porção escorria de sua cabeça. Não chorava, nem gritava, muito menos desmaiara, apenas olhava para o teto fixamente.
A gorda arrastou-o ainda respirando até perto da dispensa (Um rastro caramujo de sangue). Ajoelhou sobre o corpo produzindo a imobilização e jogou sal, limão, vinagre e pimenta no ferimento enquanto o mesmo se debatia intensamente. Espremeu varias cebolas sobre o rosto expresso em dor e após mandar vários bofetões saiu direcionando-se até o banheiro.
Murilo levantou bem divagar, tateou a faca, pegou-a e apoiando-se foi até o banheiro. O pouco que conseguia abrir os olhos foi o suficiente para observar a posição da empregada que de porta aberta estava sentada na privada com as calças arriadas sem perceber a presença do palito de ódio ao lado da porta, ela ria intensamente. Girou, gritou e cravou a peixeira na testa dela ficando apenas com a ponta introduzida, fixa e horizontal. A gorda levantou em seguida foi tropeçando nas vestes de baixo até cair de cara no chão fazendo a faca atravessar toda a cabeça no engasgo do grito final.
Murilo ficou observando a cena e enojou com o cheiro forte de sangue, instantaneamente vomitando sobre o corpo de bruços logo em seguida.
Ouviu a porta. Era provavelmente a tia Maria. Trancou a porta do banheiro. Maria entrou na cozinha olhou as coisas pela metade e não percebeu as gotas de sangue no chão. Foi até o quarto da empregada, o seu quarto, até o quarto do Deputado estranhando estar trancado, o de Maristela, de Murilo. Tentou abrir a porta do banheiro. Bateu.
- Murilo?
- Sim.
- Cadê Josefa?
- Não sei.
- Como não sei?
- Foi na vendinha.
- ...
- Que cheiro é esse?
- ...
- Murilo?

Olhou para baixo e gritou. Seu sapato estava encharcado de sangue que transbordava por baixo da porta. Murilo abriu a porta e saiu correndo. Foi até o campinho procurar se livrar. Ouvia os afoazes vindos da casa. Logo Maristela chegaria e haveria padre também. Era costume do local. Se escondeu atrás da árvore, exatamente onde sua tia o esperava. Segurou o garoto pela orelha enorme branca, depois vermelhou. Berrava na orelha do Menino que estava ensopado de sangue de Josefa e não chorava, nem tinha reação. Sua tia pegou a chave do quarto de Cirino no bolso da empregada e surpreendeu com a falta do corpo ostentando uma cura aparente e passeio por aí. Ligou para a polícia e para o Padre. Murilo tentou se esconder embaixo da cama, mas percebeu um buraco de um metro de ponta a outra e escorregou sobre. Subiu um porão de repente.
Machucou-se um pouco e bateu as cinzas, cinzas? Estranhou e observou que as paredes possuíam entradas onde esqueletos e pedaços de corpo humano agora se encontravam em vidros mesclados a um cheiro forte de formol. Não enojou, pois nada mais o enojaria, jurou para si mesmo.
Seguiu reto pois o ambiente não era escuro devido a lâmpadas colocadas no chão. Encontrou um gordo medindo um corpo estirado no chão imundo. Era seu vô. O gordo olhou para Murilo, aquele moleque sardento, e nenhuma reação esboçaram. Vestia o corpo de Cirino com uma roupa de odalisca rosa lebre e batia pó-de-arroz com um algodão na face após a breve medição. Murilo olhava fixo. Foi até as estantes, pegou um vidro com olhos e língua em conserva atirando-os no chão em direção ao gordo. O gordo era caolho, pegou um dos olhos e chupou. Delicadamente pois dentro da boca do Deputado, fechando-a com paciência e delicadeza em seguida. Beijou a face do morto e cuspiu na mão, fez o sinal da cruz virou ao menino e disse: pois não?

A cura

Lembro-me bem de Benedito. Acordava ás cinco da matina em sua casa sem cômodos no sitio onde não se via figura humana a par de dezessetes léguas, tomava café, fazia pequenos carinhos no cão de nome Vlado e ouvia rádio antes de sair para capinar. Podia ser uma cena bucólica dos anos vinte, mas era nos tempos de agora.
Conheci-o há dois anos atrás e ele jurava ter em mãos o que podia ser o controle da humanidade ou ao menos sua salvação, conforme a índole do portador. Contou-me a história bem devagar, não sei se me lembrarei corretamente, mas tentarei registrar neste breve conto.
É fato que num dia que acordou como este, como todos os outros aliás, foi capinar em companhia do cão Vlado que fedia não tanto como ele. Cenoura, batata, beterraba e hortaliças eram cultivadas para serem vendidas na cidade próxima. “Menino, andei por ali, por aqui e é qui vi no meio das batatas um pézinho meio chucro meio não e estranho. Não sou de matar vegetal a não ser praga pur isso dexei por ali mesmo, sabe?” e fazia um “hum” depois que falava qualquer coisa. Passou um tempo e o velho recebeu duas visitas na mesma semana, fato esse dito ele como único. “Menino, um era forte, tinha um lenço das forças armadas (?), um sapato estranho de jeito que nunca vi e uma barbicha loira. Devia ter colorido. Hum.Isso foi na terça. Preguntô se eu sabia como sarar sua mulhé que sofria du quê memo, hum, há, hum, era miningite, acho. ” Benedito proferia palavras comuns e entediantes para se dizer a verdade, mas eu estava mesmo naquela praça e não tinha nada a fazer. “O outro, um jovem...” – claro, comparado a ele quase todo mundo era jovem - “...De chapéu, de cavalo e com lágrimas na cara pediu preu falar uma receita ou fazer uma oração pro fio dele que nem mi lembro que duença tinha. Falei, ói, oração eu até faço, mas receita num sei não.” Dei risada nessa hora e ele pareceu ficar puto. “Olha menino, não gosto de tração de sarro não. Dois dias depois o home de cavalo voltou e agradeceu pusque o fio tinha sarado. Depois disso num parava de vim gente das cidadela do local” E aí, sarou mais alguém? Perguntei de sacanagem. “Num sarei não. Mas, num parava de vim gente. Tantas gente que até insqueci das minha prantação. Tava tudo morto, uma disgraça. Inclusive meu cão Vlado que morreu com espuma na boca, só tava vivo o pé esquisito que já tava dano umas frutinha laranja e redondinha cum várias sementinha minúscula adentro.” Como você sabia das sementes? “Fiz um suco pra vê o gosto.Tinha um sabor azedinho bom...” E? “E que nesses dia que apareceu gente pra cacete em casa, três caboclo chegaro desesperado que um deles tinha tomado mordida feia de escurpião e já tava agonizando pra morrê. Dei o suquinho á mó dele carmá e o diabo sarô. Hum. Veio o padre da paróquia, muitos fiéis e minha vida infernô de veis. Agora eu vendo essas bolinha prá região.” E mostrou-as pra mim. Dei um bocejo e saí.
Faz dois anos que não vejo Benedito. Dizem que se mudou ou morreu envenenado junto a uma parcela de gente da região.

sábado, 10 de dezembro de 2005

Era apenas a amiga da minha irmã e ela...

Chutava ferozmente a lateral da calçada e batia um galho fino contra o poste ao mesmo tempo. Havia perdido a locomoção. O ônibus que realiza o trajeto Vila Sibila/Lapa não passaria mais. Ficou pensando antes disso que talvez o ônibus atrasasse três minutos de igualdade como ele, mas o passado pentecostal, diziam as igrejas, permaneceu fixo a ponto de devolver três novas batidas ao pensamento em direção ao poste. Bateu a mão e gritou.
Era o cara que pensavam ter se espairecido totalmente mais constatido estava como nunca. Sinal grosseiro para a velha foi constante durante seis vezes. Durante seis vezes foi constante, ou se constante não fosse, talvez, seriam duas, pois. Ele era legal, dizia a vizinhança. Pessoa humilde, gritava caralho de vez em quando mesmo sabendo a existência de várias crianças no ambiente, mas era um sujeito legal. Poucos amigos, poucas mulheres, uma irmã e dezessete assassinatos registrados na vizinhança. Como bebia o desgraçento. Fazia questão de passar mal e mão. Como era legal nosso amigo Juvenal.
Juvenal tinha uma irmã, muito feia, de nome Constantinopla (Era feia de verdade, botem fé) e que devido ao fato, faz deste um conto intimista. Persuadida pelo pai autoritário, se dava ao luxo de lhe regar os lábios peludos do bigode de seu progenitor com os lábios peludos que Deus a dera. Somente de vez em quando e ninguém nada sabia. A casa, dois quartos, um cômodo, beliche e cozinha foram pintados de azul propositalmente pela falecida Dona Epinhamonas que já não se fala mais tanto. Juvenal odiava a cor da casa, mas não pronunciava.
Chegou em casa. O pai autoritário perguntou e marcou-se castigo durante a semana. Tinha ele quatorze anos de idade e tinha que ser Doutor. Sua aspiração era ter um tostão para ir comprar revista. Ele então perguntava o valor e voltava satisfeito e o capital continuava pro pai. Ela, a irmã, sorria todo momento e sentia necessidade filantrópica. Ninguém ajudava. Somente o pai. Eram os três e iaô levando o barco.
O ônibus era especial. No bairro da Lapa se encontrava a namorada de Juvenal que conhecia-o somente por cartas. As vilas eram afastadas e não valia tanto a pena, sendo que nem por telefone a comunicação era possível. Não era a amiga da irmã. Infelizmente é outra.
É de manhã, sol, pingos dela e o dogão em frente amanheceu pichado. Não dava para entender. Em direção á escola (havia repetido a segunda série duas vezes) ia cambaleando tentando acordar quando trombou numa véia que lhe conhecia e causou risada no seu Ademar, idoso da frente que ficava em uma cadeira até as duas da matina vendo o movimento. Treze horas até o intervalo, pensou, mais eram três, vejam bem vocês. Ouvia os comentários dos amigos sobre as mais putas da escola e infelizmente a mais cotada nas conversas era justamente a que ele era apaixonado: Maria Cristina ou Maria Boca-gulosa segundo outros.
A diversão dos mais velhos no pátio era enfiar gelo na cueca. A autoridade era constatada através disso. Thiagão era quem mais colocava, a molecada corria de medo quando ele vinha com gelo na mão. Juvenal estava puto com a perda da merda do ônibus, a namorada sem rosto, o castigo de uma semana, a beleza da Maria Cristina ou Maria Boca-gulosa e mesmo assim foi o escolhido. Ao contrario do que os amigos esperavam, ele levantou e gritou “Caralho! Seu Viado.” Thiagão ficou vermelho e... chorou. Deu um murro no nariz de Juvenal que desatou a sangrar em excesso.
Quinze minutos depois. Os dois na diretoria. Devido ao fato da diretora ser feia como o capeta, Juvenal pensou em suborná-la como via o pai fazer com a irmã, pois não podia levar outra suspensão já solta novamente. Pediu para retirar Thiago da sala e conversar a sós com o dragão de autoridade. Ela disse “pois não”. Retrucou dizendo que uma penetração tudo bem. A diretora passou a chorar. Suspensão duas semanas.
Como era legal nosso amigo Juvenal, pois vejam: Todas às vezes na saída da escola ajuda o mendigo com um garfo na mão e nada na outra lhe dando um biscoito. Seu Adélio, colega da molecada. Fedia muito.
Após comunicar ao pai autoritário esperava que o castigo se triplicasse, porém a irmã havia acalmado o sujeito. Tão esparramado estava no sofá que além de não dar castigo nenhum ainda liberou Juvenal do castigo inicial. Sem escola, sem castigo, sem porra nenhuma pra fazer, podia pegar o trajeto Vila Sibila/Lapa sem nenhum interrogatório. Esperou ansiosamente as horas irem à paz. Quando a paz chegou já era horário do ônibus. No ponto encontrou uma mulher de cabelos negros, lisos, longos, pele tatuada e mascava um chiclete com uma filha nas mãos e um gordo fumando um cigarro do lado. Pediu um cigarro embora fumasse raramente e calmamente fitou a moça “se eu pudesse ler seus pensamentos saberia de tudo que já aconteceu até ela estar aqui no mesmo ponto que eu esperando o mesmo ônibus que eu e então poderia eu fazer uma breve comparação com a minha.” E de tanto eu e de tanto minha, ficou a rir tragando e olhando a locomoção parar.

O leviano

Seria um sábado como qualquer um dos outros se não fosse o fato de Renebaldo Perez ter acordado bem de manhã. Chegou na padaria exatamente ás seis e quinze, como a mãe havia pedido desde quinta a mando de nada, com o custo e a vontade do pão macio e quente de acompanhamento ao café parou frente a uma estante de brioches e percebeu que estava de profunda ressaca. “Te levarei agora mesmo, briochinho tão tostado” disse a si enquanto levemente cruzava a mão no saco de torradas. Pagou, perguntou o preço do caramelo muito bem embrulhado, agradeceu a atendente de maneira queixosa e foi embora. Apesar dessa quebra de rotina, a mesmice da tarde de sábado aconteceu sem interrupções: na vasta área frontal da casa, onde se dispunham normalmente dois carros e alguns vasos, amigos de Renebaldo em sua maioria conhecidos desde o colegial, dialogavam sobre qualquer coisa. Bicicletas, duas motos ou menos eram vistas das duas horas da tarde ás nove da noite. Havia um boteco ao lado de casa que facilitava a permanência dos colegas. Este rapaz, de aproximadamente vinte e três anos, nome Renebaldo, que nada são de precisos, além de namorar as mulheres mais bonitas, pomposas, frescas e fúteis da cidade, morava desde os sete anos com a mãe (o pai, vivia no Maranhão, odiava sempre que podia a ex-mulher mutuamente e não aparecia desde então). “O Thiago disse para aparecer hoje ás onze que haverá fartura de afazeres” foram as palavras de Rafael que agitaram todos com latas de cerveja, menos Humberto que degustava uma soda de cigarro na mão: “Thiago é um cuzão”.
As horas passaram até dez e treze sem nada advir melhor que o comunicado feito por Rafael. Renebaldo entrou na sala com o amigo que sobrara e pediu comida a mãe que ofereceu bolachas. “Tchau mãe.” Dona Geovana pensou em alertar o filho sobre o fato de que ele não tomava banho fazia ao menos seis dias, mas desistiu devido a acontecimentos passados e forneceu dinheiro para a noite como prometido. Fecharam o portão e compraram duas cervejas e um maço de cigarros no boteco ao lado muito freqüentado por eles e seguiram com destino a casa de uma amiga próximo ao mercado São Fernandes depois da Farmácia Central à frente da Avenida Gomes Carneiro. Ela não estava, mas sua irmã mais nova disse-lhes “foi na casa do Thiago.” Não iam agora. Muito cedo “falam onze mais aparecem lá pra uma hora” Renebaldo resmungava. Andaram um pouco apenas pelo prazer de fazê-lo. O amigo, que jogava a lata ao chão conversava com dificuldade e gesticulava geometricamente. Num desses momentos em que isto fazia passou um carro esverdeado modelo Brasília e arremessou uma garrafa em sua direção. Renebaldo nada entendeu (franziu a testa como se desejasse sair correndo). Atingiu a cara de seu amigo e despedaçou-se em pequenos fragmentos, o que fez provável a ingestão de um caco do tamanho de uma semente de ameixa.
Renebaldo não sabia como socorrer o ferido que tentava gritar desesperado, mas o sangue o engasgava e o vidro incrustado arranhava ainda mais a garganta com a tentativa. Rua deserta dificultava ajuda. Renebaldo abandonou-o e saiu a procura um orelhão que só foi encontrado dois quarteirões acima. Chorando, gritou ao atendente que o fez esperar, depois gritando mais a explicação não vinha.
Duas horas depois. Todo mundo no Hospital. Na fila encontra um outro amigo em ataque de asma acompanhando-lhe até o inalador. Conversaram. A família pediu explicações, polícia também, apenas a cor do carro.
Uma hora depois. Liberado. Casa do Thiago. Festa. Todos perguntavam algo a Renebaldo. Este bebia assustado. Tudo normal.
Renata era a magia do local que dialogava num tom bucólico e por demais que excitante a um naipe a menos que todos dali tanto que emagrecia as vontades. Era filha de pai porco, mãe gloriosa, tio bastardo. Ele a conhecia de vista, ora. Porque não chegar? “Te vejo alegre.” “Qual é seu nome?” “Renelba. Camarada do Tito” “Que Tito?” “Amigo de mim. Esquece. Quer uma volta?” “Quero.”
Renata passou sobre a piscina e jogou cerveja. “Grande e bonito, né?” “Convencido.” “O lago.” “Que lago?”
Renata anta não era e sabia o que ia ocorrer. Transaram na sombra de uma árvore ao ipê roxo. No meio do ato Thiago chegou prá urinar e se viu a cena guardou para ele. O casal não notou, continuou na uniformidade e Thiago fumando na sala. O que mais?
Renata era três vezes Renata. Não era rena, nem ata, muito menos alta, mais do que Renata. A salientada fez-se necessária. A bebida acabou no tormento e ninguém vomitara fora da sala. Três e meia. Chegada a fora da hora da partida.
Caminhavam a três e duas baixinhas que muito tagarelavam sobre assuntos de vocês. Renebaldo, Jaiminho, João, Geovelda e Teosta, uma estrangeira nova. Jaiminho, o mais velho, havia proposto a idéia de seguirem rumo para sua casa, sendo ele o único a não morar com os pais e ter uma coleção de isqueiros importados. Alguém comentou sobre o caso do carro e de vidros na garganta. Renebaldo suspirou e disse “Que caralho. Porra, vamos parar com esse assunto que não passaram pela merda que eu passei.” Ninguém comentou mais e o rumo transparecia cada vez mais. As duas baixinhas, uma estrangeira, relutavam em aceitar o convite. Alguém falou algo que agradava. Abastece, João, abastece! João abasteceu meio litro da pura em seguida olhos para Teosta com dizeres aqui, vomitou em seu braço e riu contente. Adormeceu andando, sorrindo, chorando e ainda por cima fumava um cigarro.

Pintado ao molho de Scargot

O caso era que Afrânio era compadre de Majestosa. Também de Solupan, Neprozac, Neosoro, Troni, CG, Sal de fruta e tudo mais. Na casa nada faltava. Um dia, outro e estavam na sala.

- Majestosa, mude de canal. Cansei de ver futebol.
- Mas você sempre gostou de ver futebol até o fim.
- Mas não é o meu time.
- Qual é seu time? Não me lembro.
- São Paulo.
- Chove lá.
- Que?
- O que?
- Esquece.
- .....
- Afrânio, larga de mania de velho panrrudo. Lembro-me que gostava de correr balançando o saco no muro.
- Quero uma cerveja, velha. Pega uma cerveja.
- Você não toma cerveja faz vinte anos.
- Não trepo também?
- Bem menos.
- Marisgelo gostava de você.
- Isso quando em tinha peitos que não roçavam o umbigo.
- Como era belo esse tempo.
- Pare com isso, sou sua comadre.
- Na mocidade não era.
- Como era belo esse tempo.
- E a minha cerveja?
- Tem certeza que quer uma cerveja, Afrânio?
- E uma para você também.
- Meu filho deve ter algumas na geladeira. Vou ver.
- ........
- O que eu ia fazer mesmo?
- Cerveja.
- Há.
- Ser uma cerveja.
- ?
- Esquece. Quero propor um brinde.
- Que?
- Á nós?
- Uma noz?
- Sim.
- Glub.
- Gluck. Puáá...
- Que foi?
- Está azeda.
- Deve ser sua ponte, Majestosa. Deve ser sua ponte.
- Não, ela está realmente azeda.
- Sua ponte?
- A cerveja.
- A sua.
- Claro que é a minha, a sua não tomei.
- Que?
- Me deixa ver.
- Puáá... Viu? Está azeda! Falei que estava azeda.
- Mas que porcaria, Majestosa. Não está.
- Como pode saber? Não toma faz vinte anos.
- Que?
- Cerveja.
- ......
- Afrânio, fala comigo.
- Bleraghstki!!!
- Você vomitou em meu vestido, Afrânio. Meu Deus, que nojo!
- Pega meu Prozac.
- Que?
- Esquece. Cerveja tem validade?
- Será que está estragada?
- Prefiro uísque. Isso tomo sempre.
- Toma na boda.
- Uísque? Mas como?
- Nada. Ainda não mudou de canal?
- Gosto de futebol.
- Já acabou o futebol.
- ...
- ...A gente podia comer um bolo de laranja.
- Pega outra cerveja.
- Você não disse que estava azeda? Eu até vomitei.
- Acho que não estava não.
- Certo Majestosa, como queira.
- Quero.
- Toma.
- Tomo.
- ........
- Lembra de Lurdes Barbosa?
- Que?
- Essa moça da tevê me lembra ela.
-... Que?
- Me lembra...
-?
-... Lurdes Barbosa.
- Lembra nada.
-...
- Minha cerveja acabou.
- Você quer outra? Quer morrer de azia?
- Não.
- Então pegue você mesma.
- Pego.
- Então pega.
- Lurdes Barbosa? Meu Deus, como parece.
- Parece quem?
- Lurdes Barb... Esquece.
- Vou tirar esse vestido.
- Tomando cerveja?
- Está cheio de vômito.
- De quem?
- Seu, oras.
- Eu vomitei?
- Vomitou e tem cheiro de ovo.
- Não comi ovo.
- Que?
- Não comi ovo.
- Comeu ou é a mistura.
- Que mistura?
- Que cheira ovo. Muda de canal que eu já volto.
- .........
- Não mudou de canal, Afrânio?
- Essa apresentadora me lembra alguém.
- Já falei que é a...
- Maria Rosa?
- Lurdes, Afrânio, Lurdes, Lurdes, Lurdes!!!
- Lurdes? Que?
- Quero outra cerveja.
- Pega.
- Pego.
- Isso como chama que está na mão?
- Um dia chamou-se pinto.
- Engraçadinho. Refiro-me ao que está na outra mão, não a que coça o saco.
- Hum... É um bilhete de loteria.
- Ainda vale?
- Vale.
- Corre quando?
- Hoje acho.
- Quer mais uma?
- Quero.
- Toma.
- Glub.. glek,... Yeragh,.,,,
- Que?
- Quase vomitei, Majestosa.
- Então parou. Só eu tomo agora.
- Toma.
- Tomo.
- E esse bilhete?
- Que?
- Bilhete.
- Sim.
- Sim que?
- Que?
- Esquece.
- Muda de canal.
- Quero lembrar quem essa mulher parece.
- Eu já falei quem ela parece, dá o controle.
- Toma.
- Tomo, sim senhor!
- Esse canal serve?
- Para com isso Majestosa, qualquer um está bom.
- Qualquer um esse?
- Sim.
-?
- Sim.
-?
- Sim já falei.
- Gosta de programas de culinária?
- Isso é culinária?
- É.
- Certeza?
- Sim.
-?
- É sim, Afrânio. Que coisa.
- Certo, deixe aí. Essa mulher me lembra alguém.
- Vou pegar outra cerveja.
- Cuidado pra não atropelar o carpete.
- Tááááááááááá....
- Falei.
- Faz tempo que não bailo.
- Eu faço tempos também.
- Agora sim.
- Desliga o aparelho, põe um Gardel.
- Desligar? Está bêbada?
- Não.
- Que?
- Não.
- A cerveja está doce.
- Doce?
- É. doce.
- Como doce?
- Afrânio, larga de mania de velho panrrudo. Lembro-me que gostava de correr balançando o saco no muro.
- Lembro.
- Lembra? Então vem relembrar nessa velha aqui, vem.
- Que?
- Vem, Afrânio. Vem!
- Não, começou a novela.
- Começou?
- Sim.
- Que novela?
- Essa.
- Essa?
- Sim.
- Que?
- O que?
- O... Nada.
- Esquece.
- Esquece...

A velha que costurou minhas orelhas

Acordei no hospital. Nem vi a cirurgia, mas sei que foi um sucesso. Começou neste momento um péssimo dia, sendo que o homem branco que me sedava não percebia minha origem, ou ao menos não se mostrava interessado nela. A enfermeira de rugas me atendeu dizendo: “Adalberto Clodoaldo Ferreira”, era meu nome. Eu então comuniquei o que ocorrera de forma, como sempre, estranha: “Meu pé nunca quebrou por tal maneira. Não havia feito isso antes, pois não fazia falta. Eu pensei que seria normal”, disse isso muito devagar, pois sou mineiro e filho de mãe preta, enquanto a mulher esquisita sorria. Continuou a me ouvir com o mesmo sorriso fraco, só que dessa vez pondo negócios em meu braço que traziam outras recordações e me fizeram falar demais, motivo esse que fez a enfermeira sair dando um pequeno “tchau”, voltando depois a passos rápidos com uma ficha e perguntando “qual é sua idade?” disse eu: sessenta e oito...
Mas apesar disso, tudo estava muito bem. Nada em mim me incomodava a não ser este maldito barulho de carros e mulheres-gralha da cidade de São Paulo. Quer saber, a janela é o que mais me incomoda neste quarto. Suportei médico com cara de nojo a vida inteira, mas essa janela... sempre foi a maior merda. Eita janela maldita!
“O senhor quer bolachas? Chá?” Por favor, um conhaque. Dá vontade. Vontade de falar sem medo, mas não falo, pois já decorei a resposta, e digo sim, como sempre...
Sempre e mais nada. Gostosa bolacha. O chá é horrível, mas serve de consolo. Meu filho não me fez visitas talvez por medo de quebrar esse costume. Quero acreditar que sim, na verdade acho que eu preciso acreditar...
Não vejo a hora de receber alta. Preciso de remédios - aqueles remédios que gosto tanto – e de um trago. Cigarro. Preciso de um cigarro. A gente precisa de tanta coisa e não faz questão nenhuma quando sobra...
“Seu Adalberto, seu raios-X me trouxe péssimas noticias. Vai ficar internado até sábado e precisa receber mais sangue, pois a hemorragia foi intensa demais”, ouvi dez minutos antes de apagar.
Acordei muitas horas depois, essa era a impressão ao menos, com muita dor na perna direita e no peito. Chamei alguém para me ajudar, gritei durante um bom tempo, mas ninguém apareceu e lembrei-me que estava em um hospital.
Janela... essa maldita janela... pior que a dor...
Hoje puxei um papo com a cama do lado que acabou de chegar onde repousa uma velha senhora que embora inconformada com minha aparência não tinha pessoa melhor para lhe ouvir. Quando começou com papo de igreja logo apareci com a frase “O anestesista de ontem que me cutucou era um gatinho, quem me dera eu levar uma agulhada dele.”
É que nas noites de São Paulo sou um rei, conhecido das meninas e valorizado pelos palpites. Aqui no hospital, quase 80% de minha vida, sou um traveco velho.
“Adalberto Ferreira?” Sou eu. “O senhor poderia preencher esta ficha? Vai dar parte do seu cliente?” Não. Sempre respondo seco a essa pergunta, me faz sentir melhor e superado. É que eu quebrei o pé durante a trepada, ao cair da mesinha, portanto o rapaz não tem culpa. “Você tem algum parente?” Somente amigas. “Quer que eu ligue para alguma?” Elas não moram em lugar fixo. “Sua artrose dificultou as coisas. Mas se tudo correr bem, sábado receberá alta.” Qual é seu nome, enfermeira? Ela me disse “Eleanor”.
Se não fosse esse maldito cheiro, eu não enjoava. “Nem de você querida”, falei. A crente não entendeu, cruzou os braços sobre a barriga emersa em pelancas. Aliás, como balançava a barriga dela e eu aqui urinando na sonda. Tomara apareça alguém como o anestesista. O tempo não espera trégua sem fome, me dizia Salete.
“Adalberto, você tem uma visita” Não tenho nada, algum engano talvez, como poderia? “Oi.” Imaginava. A velha Joane. Velha e rival, pois era a rainha do carnaval. Puta um tempo, traveco em outra, assaltante em momentos, mas traficante em vários. “Bem feito. Agora eu mando nas meninas da avenida. Seu ponto é meu” “Ainda não estou morta, vagabunda.” “Ainda não, mais eu te mato.” Cuspiu em minha cara ainda, a safada. Saiu rebolando do quarto pra mais desespero da cama ao lado. A crente me olhava com ódio puro e sangue nos lábios.
Chamei Eleanor e disse que estava passando mal, pois precisava de um antidepressivo e uma soda, infelizmente sem vodka. Disse que ia trazer, mas não trouxe.
Janela. Essa maldita janela. Pior que a dor.
Apareceu um instante depois o médico por mim responsável perguntando a necessidade real do antidepressivo, perguntou de receita e tudo o mais. Abri-me, não literalmente infelizmente, e acabei chorando. Ele disse que fazia treze anos a profissão que escolhera, eu disse que fazia cinqüenta a minha. O ventilador tomou o lugar da conversa durante um tempo. Coçou a barba e eu também cocei a minha. “Vou lhe arrumar o remédio, mas fica entre nós.” Obrigado.
Embora sedado a dor continuava. Maldita dor. Chega de chorar, sei que depois de amanhã é o mesmo dia de hoje, e depois de amanha também, e depois... todo ponto parece cú de gato que alegra a gente, bonito quadro, de frente fica pior quando eu chorava leve. Agora mesmo sinto um pesado sono que me abate.
Acordei de mau humor por terem me acordado já nunca eu imaginaria que... Seu Adalberto, diz Eleanor... Seu Adalberto, seu filho. Entrou. Fazia quinze anos que eu não o via e ali estava ela encostado-se à porta, cabisbaixo e tomando a panca de prestativo. Desatei a chorar como uma puta velha, sendo o que sou.
- Oi pai. Como vai?
Oi pai, como vai? Oi pai, como vai? Oi pai, como vai? Oi pai! como vai? Quinze anos e ele me disse apenas isso, quinze malditos anos e ele me disse apenas isso, quinze anos e me disse apenas isso... fiquei imóvel e nada disse durante quinze minutos não respondendo a nenhuma pergunta. Ele me olhou e saiu. Como hoje era sexta e um dia fazia muita diferença, o anestesista gostoso entrou na seqüência, deu alta e conversamos muito até que eu consegui ambos chorar.
Deixei minha cama de muletas, agradeci a megera do lado que não respondeu, subi as escadas muito devagar “aonde vai?” Apreciar a paisagem. Lancei-me do alto do prédio do Hospital Santa Helena para o encontro com o carro vermelho que meu filho acabara de dar a partida. Foi sangue néon pra tudo lado, louca!

Marina, patrícia, uma esquisita na porta...

O jornal caiu, por conseguinte escorregou ante a gaveta na mesa que é a casa bem no tapete da sala do nosso Jordel que estava acordado tomando café no ambiente desdenhado amarelo. Ouviu o streck estrelar do papel tocando no chão e imaginou edição de quarta-feira saco, não que Patrícia acordou ante este pensamento e foi até a sala e cozinha estava Jordel pegando jornal, continuou dormindo. No corredor, Jordel foi até o quarto e acordou-a aos tinilístis de quase sempre. Limpar as remelas faz bem de manhã para ela. Leka era a vizinha que saudou os dois do muro instalado propositalmente ao lado da janela bela. Ai, meu deus! Os torrones caíram no café preparado e correu prá cozinha consertar (com certeza um cheiro de dia novo).
Jordel trabalhava no jornal, não era um jornal nem jornalista, registrava fotos e conhecia o pessoal. Chegou ao estacionar a vaga não era. Contornou. Bom dia, Afrânio, quais são as de hoje? As de mesma. Deus te abençoe. Contornou a mesa de Jerônimo, pois odiava sua face e fezes escritas e até seu cubículo se sentou, atendendo a ligação. Ia trabalhar com Maciel de dois els é melhor. Pegou o registro fotográfico e deslocou-se até o local. Rua laranjeira Pequeno, 325. Morte na certa. Chegou e fotografou conforme as apontadas difundidas pelo Ezequiel, perito especializado rigoroso e bigodudo.
As fotos ficaram prontas no instante. Ezequiel, Maciel e Jordel cumpriram a rotina e garantiram as vendas. A conversa do meio é o que despertou: “Na alvorada que surgiu a discordância. Já no sol colorido, desferiram-se os golpes.” “Estranhamente ninguém chora. Não há tristeza” “A natureza tingindo” “Exatamente.” “Faço questão.” Novo churrasco da empresa marcado daqui duas semanas. Despediram-se perguntando sobre suas respectivas esposas e terminar o turno da manhã. Jordel foi prá casa encontrando Patrícia a preparar o almoço novo, sem requentas, por favor. Sentou-se com as mãos emboladas no ócio de beliscar o frango e de pinta de casal novo (quarenta e seis anos a soma), formara-se há pouco tempo. nosso amigo com trinta e seis por cento de barba. “Patrícia, com relação ao aparelho de som, levo ele hoje para arrumar.” “Não vai dar, estou menstruada”. “Fica aqui e me espera, então”. A bicicleta a esperar e o chão aqui não vai responder pelas conseqüências. Caiu e torceu o nariz. Reclamou, limpou o nazo, olhou a rua, montou na bicicleta e balangandou zigue-zague. No equilíbrio, virar a Rua Fontes era agora.
“Conserta-se de tudo” no mural bem grande. Segura ele! Alguém gritou. O ladrão entrou na loja ao mesmo tempo pondo a atendente a conversar com o revólver que zumbia em sua face. O olho estalado que responde agora ”Tenho uma refém” olhou em seguida para Jordel que urinava nas calças fixo e sorriu. Foi em direção com o trabuco e lhe beijou. “Lembra de mim, Jordel? Do colégio, na terceira série.” Não. Por favor. Refez o rosto quando a policia entrou. Tudo resolvido. Qual é sua graça? Prazer, Marina.
Marina era de pouco trabalho. Trabalhava na loja há três semanas e muito telefonema aguardava com satisfação. Duas a três horas no orelhão não seria pouco nosso amigo comentava. A estante de produtos mais bonita era a bege chique encontrada aqui nessa esquerda toda firme e convicta, sendo o produto mais belo uma lamparina. Quanto é? Leva e pronto.
Marina foi um acontecimento. O jantar estava belo e patrícia dessa vez parecia legal. Jordel sorria ao léu, melava anel. Patrícia perguntou sobre o conserto não havia ido ao meio da esquina, ficou na loja outra prosa precisou jogar. Discutiram e noite era tempo de bilhar, pois era sexta-feira. Ligou para Maciel marcando a partida. Partiram da casa de cada um e seguiram no rumo. Olha quem está chegando, é o Bruno. Jordel falava com as orelhas amarelas e a mão também e pensava em Marina. Na mesa, Bruno, Patrícia, Jordel, Geovanes (mulher de Maciel que também estava presente) tomavam cerveja e a fumaça roçava as cabeças franzidas, inclusive lustrava belamente a careca de Maciel que se orgulhava do fato. Jordel não se conformava ao ponto de gritar em um lance bonito “Ladrão me beijou” todo mundo se olhou. Ele disfarçou sem ao motivo nenhum e na mesa ao lado percebeu estar à dita Marina (e como fixar a vista durante muito tempo no rosto dela fez os todos perceberem sua mulher de fato não segurou: “Gostou, convida pra sair!” disse passando o dedo suavemente sobre a borda do copo). Gostei mais de você e o clima ficou esquisito.
Duas horas depois. Todo mundo bêbado e marina já havia desocupado a mesa ao lado com três caras também. “Mais que puta que o pariu me desavisastes mulher! Trate de pegar esse cheque e enfiar no cú de Bruno” gritou Maciel jogando o prato da porção de salame no centro do nariz de Geovanes. “Calmo aí Estrogonofe” (esse era o apelido de Maciel), gritou Jordel. “Que passa?” “Essa puta transa com o Bruno que eu sei” ^Todos: “Mas que...” “o que” “Buleria!” “me empresta, digo..” “eu sabia um dia que...” e ela, a própria, interrompeu: “dei, dou e daria de novo!”

Intermezzo

- Ai... Hum... como és puto seu marido.
- mais puta sua vadia que em casa passa a roupa.
- isso... continua....
- puto... agora... toma
- cacete! Meu deus, o que é isso?
- gostou.. então toma! Toma!
- Ai.. hum... como és puto teu marido.


Retorno

Todos, inclusive o dono do bar e os dois garçons, olharam para Maciel que chorou e abraçou sua mulher: “eu te perdôo, eu te perdôo” e todos choraram de tão bêbados. Fim do episódio.
Fim nada, falta Marina. Patrícia acordou antes de Jordel (13h56min precisamente, pois o relógio confirmou) e preparou um almoço com pouco sal. Jordel pulou da cama e, por conseguinte chique estava de robe amarelo e pantufas de pato. Olhou no espelho e tirou uma coisa morna incrustada no dente, conferiu novamente com olhar de demente e foi pra cozinha. Encubou a mulher escorregando em seguida e enfiando a mão no caldo da panela, gritou como uma fruta e lavou na água fria. “Bom dia.” “Ressaca?” “Quase isso” virou sumo de palmito achando que era água em seguida e quase vomitou. “Vou sair” “De robe?” “Não, depois" “ Pra onde?” “Preciso andar.” Vestiu o casaco por cima e saiu esquecendo estar de pantufa.
A cidade estava seca e morta. Andava rápido e um pouco lento ás vezes para observar bundas em destaque. Chegava às vezes gritando com as paredes sussurrando em seguida e dando pontapés na sarjeta. Foi até a loja que Marina trabalhava e por ser sábado estava fechada após as 12h00min. Voltou chucho.
Ao avistar sua casa no final do quarteirão reparou a porta aberta. Parou frente à porta e sentiu um forte cheiro de queijo mesclado a gemidos parecidos com uma bicha no cio. Entrou e imediatamente foi até o quarto. Patrícia e Marina transando? Jesus me salve, pensou. Pois não era que era isso. Ficou ao lado da porta observando e as duas logo convidaram a entrar. “Eu te fiz esse forró pra tomar com chimarrão” gritou marina enquanto pulava sobre a cara de Patrícia. Os dois amarraram o nosso herói na cadeira e sua esposa emendou: “Vai somente olhar e nem ao menos poderá tocar uma punheta.” O coitado suava frio.
Três horas depois de muito espasmo e gritaria por parte das moças, Jordel não conseguia pronunciar uma palavra e feito uma mula balançando encharcado de suor, em seguida lambido por Marina. “Agora é a hora, Marina”. Marina pegou uma faca cega utilizada no normal para esmagar alho e retirou o pênis de Jordel junto aos berros. E brincaram a noite inteira com o flácido membro decepado ante a presença do seu antigo dono que observava morrendo aos poucos na cadeira...

Puzú-Titiká - conto infantil.

Puzú-Titiká nasceu em Ferminus, lugar onde todos possuíam mostarda no nariz, os meninos tinhas três pernas, as meninas duas e meia e os mais velhos tinham meia perna, pois perdiam-nas todas com o tempo. É certo que ele veio sem mostarda e para mais espanto, com quatro pernas curtas da grossura de um dedo e com corpo de galinha (dando a impressão que sua cabeça era imensa), tinha os cabelos longos, encaracolados e pretos e cada olho com uma cor diferente do outro. Em Firminus não havia muitos lugares para se brincar, mas tinha a véia Gorgeera que soltava pum quando lhe enfiavam o dedo na orelha (Toda a criançada sabia que não podia exagerar senão ela ficava brava!), além dela, havia o Jamyãnn que era o barbudo mais vermelho, gordo e feio, que dava conselhos e que mais falava palavras com F da aldeia. Esse era muito chato, mas eles tinham que brincar com ele, pois os mais velhos diziam que ele era legal. Esse gordo dizia que Puzú-titiká podia ser um aviso sobre o inicio dos tempos. Em uma dessas seções de conversas Jamyãnn contou uma longa história sobre o “texugo kinineyepi” que tocava sanfona oito baixos e era o único que tinha uma conexão direta com o Deus Gramanny. Todos os velhos queriam ter contato com o texugo gigante que vivia dentro de um lago verde lotado de pirilampos rosas onde não tinha como ter acesso, pois ficava do outro lado da colina. O chefe da aldeia se chamava Fgeusça e era chefe por ter perna nenhuma e nem metade da barriga - os que mais gastavam suas pernas tinham mais experiência. Ele não gostava do garoto galinha e resolveu reunir o conselho formado por uma banana, uma seriema e uma azeitona preta. O chefe disse que o conselho chegou à conclusão que Puzú devia procurar o Texugo para ver a mensagem que ele teria para a aldeia e tentar se curar, na verdade queria se livrar do nosso camarada, pois tinha medo dele. Jamyãnn tentou esconder o garoto, mas não deu e disse que iria prosseguir viagem com ele. O conselho não deixou, mas ele foi assim mesmo. Podiam, pelas regras, levar apenas quatro coisas da região. Jamyãnn levou um estilete, uma rabeca, um Box de banheiro e um frango assado com batata frita, farofa, arroz e pimenta malagueta (o que ofendeu um pouco nosso amigo). Puzú levou uma folha de palmeira, um maço de cigarros mentolado, roubado de sua avó, uma lata de milho verde e uma lancheira do pateta.
Caminharam três vezes à volta do ponteiro grande e chegaram em uma casa em forma de lata de cerveja. Saiu um velho – “Pere Jumbolêaue Jôá” – disse ele gritando e abrindo os olhos. puzú-titiká olhou feio e o velho disse: “calma, eu estou feliz como você”. “Como assim, porque está feliz?” disse Jamyãnn. – “Oras, eu esperava uma visita. Entrem, tenho uma surpresa”.
Eles entraram e avistaram na sala vários homens velhos jogando baralho em uma mesa. Um estava com a cabeça do outro na mão, que dava palpites e tagarelava, outro com o braço de um, este com o mamilo daquele, aquele com aparentemente um dedo apoiado na orelha. Eles apostavam partes de seus corpos. Quando nossos dois camaradas passaram pela sala, a cabeça disse: “Oba... ensopado de frango! Pode ser com legumes”. O outro, que apoiava a cabeça no colo, respondeu: “isso não é frango, é um sabiá inchado!”. Na outra sala, era uma biblioteca sem livros somente com estantes vazias. Sentaram cada um em uma poltrona e o velho disse: - “vocês tem certeza que querem ver o que tenho para mostrar”? – eles olharam um para o outro e afirmaram com a cabeça. O velho então tirou as botas que grudavam em seu pé, segurou as duas meias amareladas, torceu-as, limpou a testa suada com elas e jogou uma em cada um no meio da cara. – “Isso é o espírito, a verdade, o resto é um martelo de bater bife” e jogou o martelo de bater bife na cabeça de Jamyãnn que desmaiou por algum tempo. O velho de olhos estalados ainda disse: - “Você, meu amigo com asas, um dia irá sentir a onipresença do Deus Gramanny em sua jornada. Boa caminhada Lory Unnsy Medeiros e leve as meias com vocês, estão abençoadas”. Quando passaram pela sala, dessa vez desacompanhados, os homens que jogavam cartas já não estavam lá e quando nossos camaradas abriram a porta para sair, ouviram: “Hei, não me deixem aqui sozinha.” Voltaram e viram uma boca de bigodes encima da mesa. – “Eles me esqueceram, levem-me com vocês!” e assim fizeram prosseguindo viagem e em menos de meia hora Puzú-titiká não sabia mais o que fazer com a boca, pois ela falava demais. Jamyãnn achou isso um bom sinal. Pararam em uma fonte que jorrava suco de manga e foram saciar a sede quando a boca avisou que não podiam beber pois continha veneno. Jamyãnn não acreditou e tomou assim mesmo, Puzú preferiu esperar para ver o que ocorria com Jamyãnn que foi ficando cada vez mais vermelho e tonto até soltar um grande arroto e emagrecer cento e trinta e cinco quilos. Puzú não acreditou e quis tomar da fonte para ver se virava um menino de Firminus normal. A boca não deixou pois controlou através da conversa a boca de Puzú-titiká que relutava. No meio dessa briga de vontades, Jamyãnn começou a passar mal novamente e arrotou tudo o que já comeu em toda sua vida e sumiu. A boca e Puzú-titiká nada entenderam, mas o garoto chorou a perda do amigo e agradeceu a boca. Agora eles não sabiam o caminho, tinham que seguir a intuição. Ele falava que era para a esquerda e ela dizia ser para cima. Foram para baixo cavando um túnel com a lancheira do pateta que nosso amigo carregava e foram parar em uma fábrica de torneiras.
Avistaram uma mulher com olhos em forma de salsicha que repetia sempre a mesma coisa: “precisamos cortar o gás, precisamos cortar o gás”. Puzú perguntou o motivo e ela respondeu “precisamos cortar o gás” a boca disse: “você só diz isso?” ela respondeu a mesma coisa. Nisso passou um operário anão que disse “sai daqui, vamos colar o ar” e antes de mostrar o caminho, deu uma mordida no olho da mulher. Na saída, ouviram uma grande explosão, mas não ligaram para isso. Depois de uma breve caminhada, um anão pelado passou correndo e perguntou se eles tinham notado uma explosão, responderam que sim, o anão se desesperou mais ainda e falou: “tenho que passar sabão em alguns lugares cantando e não tenho como conseguir torneiras móveis”. A boca lhe contou sobre a fonte que jorra suco de manga, era só ele não beber e o anão disse que era boa a idéia. Perguntaram o caminho para encontrar o texugo kinineyepi e ele deu risada dizendo que ninguém nunca havia lhe visto, mas que ouviu dizer que ele vivia junto de pirilampos “azuis ou rosas, não me lembro. Se o texugo existe, ache os pirilampos e o achará” e saiu correndo tapando suas vergonhas, cantando e passando sabão na mata. Puzú-titiká sentou no chão e começou a chorar. Iria ficar perdido para sempre. A boca vendo o menino triste, pulou no buraco e sumiu. Mais sozinho ainda, de suas lágrimas surgiu um pé de pés sem unhas. O garoto roeu todas elas e de um broto apareceu uma menina loira e cega com o corpo parecido com o do velho. “Quem é você?” “Eu sou a menina salgada, apareço em pés de pés demasiada quando necessitam de minha ajuda, não chore. ande e rodeei na sua.” - disse a menina que olhava para o lado. “Não sei para onde ir” “você está abençoado, não se esqueça. Apertou? vá da cara e cheire a meia.” “Qual é seu nome?” “isso não interessa, cruzaremos novamente sem ter pressa.” E desapareceu na terra. Puzú pegou alguma mudas de pé de pés e disparou incentivado pela menina cega. Ficou com medo do silêncio que havia sem a boca e pensou em amarrar a meia no pescoço, mas ele não tinha braços e decidiu levá-la atrás do cabelo. Em menos de oitenta passos avistou uma imensa árvore com uma janela no topo, procurou uma entrada e não achou nenhuma. Estava indo embora quando ouviu da janela “Adeo Prekpobyne Genipó...” era o velho de olhos estalados que jogou um objeto lá de cima. Puzú tentou segurar e quando percebeu, era o martelo de bater bife que se chocou contra sua cabeça.
Puzú acordou com o cheiro de própolis e com abelhas no nariz (descobriu então que todos tinham mostarda no nariz para espantá-las), lembrou da folha da palmeira, fez três furos, cobriu seu rosto e deu uma olhada na região. Não havia nenhuma árvore, apenas um campo florido e muitas abelhas. Agradeceu por ter corpo de galinha, pois as abelhas não picavam. Nisso ele viu surgir um sujeito com o mesmo tipo de corpo da menina e do velho de mochila verde, bermudas, camisa cavada, chinelo de dedo, cabelos castanhos compridos com centenas de abelhas enroscadas nele e com um cigarro preparado na mão. “Isso faz mal” – disse Puzú apontando para o cigarro. “Eu também faço. Nós também fazemos. Todos fazem.” “Você viu pirilampos rosas por aqui?” “Vejo todo o tempo. Eles me seguem.” “Porquê?” “Porque eu comi a carne de Deus! Se eu vejo você, Ele está comigo.” “Você comeu a carne do Deus Gramanny?” “Dele e de todos os outros. Você também pode dar uma experimentada. Siga-me.” E andaram durante um bom tempo nesse campo onde não havia como ver seu fim. Pararam em frente a uma planta amarela cheia de pontas tortas. O rapaz disse: “Esta é a carne de Deus” “Qual deles?” “Todos.” Pegou um punhado delas e deu para Puzú mastigar. Ele mastigou umas também. “O que achou?” “Que gosto esquisito, parece geléia de amora com sumo de limão”. O rapaz apenas sorriu e deu-lhe uma tapinha na cabeça. Puzú olhou assustado e viu em sua mão uma raquete “pare de me dar raquetadas”, o rapaz respondeu: “Se você não ficar deitado, não dá para espumar.” Puzú ouviu uma música, a música mais linda que já ouvira, e começou a chorar de felicidade, o vento massageava como nunca havia antes e o céu ficou amarelo como o solo. O rapaz de mochila ficou com fome e atacaram a lata de milho verde que Puzú tinha. “Isso tem o sabor mais gostoso do mundo” – disse o rapaz enquanto comia. Puzú começou a ver as flores caminhando junto com as abelhas, tudo se mesclando em uma coisa só e acrescentou: “como tudo possui uma harmonia tão linda”. Após dizer isso os dois começaram a rir juntos e não pararam mais. De tanto rir, Puzú botou um ovo. As risadas cessaram para observar o ocorrido. O rapaz colocou o ovo na mão e ele desmanchou como areia. Começaram a rir novamente e Puzú disse: “E agora o que vamos fazer?” “Vamos dar uma volta” e caminharam sem previsão de nada, cada qual com seu caminho. Puzú viu uma abelha passar e dizer “bom dia”, outra, depois outra, até ele começar a passar mal, suas penas começaram a cair, sua visão entortar e de repente, ele deitou no chão. Uma das sementes de pé de pés caiu com o impacto e deu origem á menina cega. “Puzú você está bem? Vejo que sua visão está além” “Eu... comi... a .... carne.... de De..us” “Isso é um erro estonteante. Vou te ajudar a ser novamente ignorante.” E dizendo isso ela jogou pó de mico na orelha do nosso camarada e foi embora. Ele começou a tremer e se coçar até virar um menino com o mesmo corpo da menina, do velho, e do rapaz, com dois braços, duas pernas, dois olhos, duas orelhas, tudo igual e proporcional. Melhorou totalmente mas quando tentou levantar, caiu novamente por não estar acostumado com o corpo e começou a se arrastar como uma cobra. Observou o rapaz de mochila verde lá no fim do horizonte, que gritava e pulava histericamente, pediu ajuda, mas ele nada ouvia. Saiu então se arrastando até onde o rapaz estava e chegando lá perguntou: “Como faço para andar?” “Você não precisa andar, ninguém precisa” “Como saio daqui?” “Diga o motivo de sair daqui” “Quero encontrar o texugo kinineyepi” “O que toca sanfona oito baixos e tem ligação direta com o Deus Gramanny?” “Sim.” “Não sei, não preciso saber, mas se quiser sair daqui use a descarga que está ali e siga o caminho azul para chegar aos pirilampos.” Havia realmente uma descarga ali que Puzú não havia reparado. Agradeceu o rapaz entregando-lhe o maço de cigarros mentolado que roubara de sua avó “Valeu. Não tenho fogo, mas aceitarei assim mesmo” e deu um tapa na orelha em seu amigo, dando risada em seguida.
Quando se viu na floresta de novo, Puzú sentiu a vida sem graça e amaldiçoou sua volta. Queria que o texugo fosse plantar batata, mas tinha que encontrá-lo caso quisesse ver seu pai e sua mãe novamente. Não viu nenhum caminho azul e decidiu se arrastar. Ouviu uma rabeca e achou estranho. Olhou através da mata e viu Jamyãnn, gordo e feio como antes, tocando. “Jamyãnn?” “Quem é você?” “Sou eu, Puzú-titiká!” “Você está perfeito” “Estou esquisito!” “Perfeito” “Esquisito”. “O que aconteceu com você, Jamyãnn, depois de tomar aquele suco de manga envenenado?” “Descobri que aquilo não era nem suco de manga e nem estava envenenado, era o sangue do Deus Gramanny.” “E você sumiu, foi parar aonde?” “Não sumi! Virei um micróbio e depois um pirilampo rosa. Fui levado até o texugo kinineyepi e depois não lembro mais de nada.” “Você se lembra do caminho?” “Mais ou menos, vamos!” foram andando (Puzú se arrastando) até trombarem com uma marmota de óculos e fitas de vídeo na mão dizendo sorridente: “Desculpem, este caminho está restrito. Somente para pirilampos azuis” “Rosas você quer dizer...” “Não... Os rosas passam por cima. Qual o motivo de vocês quererem passar por aqui? Vocês nem ao menos são pirilampos!?” “Jamyãnn vai formar um dueto de rabeca e sanfona oito baixos com o texugo kinineyepi” disse Puzú-titiká. “Não vai, sei disso” Jamyãnn então deu um frango assado com batata frita, farofa, arroz e pimenta malagueta (o que antes ofendia um pouco nosso amigo Puzú) para a marmota que sorriu e disse “Vocês podem passar, mas terei que acompanhá-los”. Nossos dois camaradas não curtiram a idéia, mas aceitaram e em menos de uma hora chegaram em uma placa que dizia: “Fim de Firminus, volte ou entrará em Cannus.” Jamyãnn já tinha ouvido falar de Cannus, que era uma terra melada e fedida, habitada apenas por seres noturnos. A marmota entrou na terra gosmenta e foi, nossos amigos pensaram e Jamyãnn decidiu que era melhor Puzú morder sua batata da perna. Aí eles dispararam. De repente, surgiu um monstro feito de batom, tamancos, olhos e canetas. Comeu a marmota lentamente e pegou Puzú pelos cabelos. O monstro virou mandioca frita pois tinha tocado atrás do cabelo de Puzú, onde se encontrava a meia abençoada. Então eles comeram a mandioca frita e seguiram viagem sempre indo em linha reta. Mas a mandioca deu dor de barriga e eles então descobriram o motivo da terra de Cannus ser daquele jeito. Era necessário ter cuidado. Anoiteceu e os havia gritos na mata de origem abafada, eram, segundo Jamyãnn, os sapos Berllô-zõys com dor-de-cabeça que não gostavam de gente esquisita, nem de serem incomodados. Era só não pisar em nenhum, não invadir sua área e nem fazer cara feia, mas eles eram pretos e muito camuflados. Não demorou muito para Jamyãnn que era gordo e desajeitado pisar em um. O sapo ergueu-se inflou, inflou, inflou, (sempre fazendo o mesmo barulho resmungado: “Zrrstttastttstszzretst...”) inflou e ficou enorme. Jamyãnn foi engolido de uma vez só e Puzú-titiká começou a correr, mas como andava agachado, foi engolido também. É... os sapos Berllô-zõys eram complicados de se vencer, todos sabiam, sorte o Jamyãnn ter levado o estilete que explodiu o sapo por dentro e arremessou nossos dois amigos para mais longe, próximo ao lago verde. Chegando lá, avistaram um cogumelo imenso com um andaime e uma faixa dizendo “temos vagas para construtor de chaminés.” Passaram reto e ouviram “Janéy Timo! Como vai Lory Unnsy Medeiros?” não é necessário falar quem era. Era o velho.
O velho veio correndo na direção de nossos amigos e perguntou se alguém tinha um alçapão para emprestar. Puzú disse que não e Jamyãnn disse que só tinha um Box de banheiro e uma rabeca. “Me dê então o Box”. Pegou o Box de banheiro e saiu correndo em direção ao cogumelo quando bateu de frente com uma bisteca gigante. Nossos dois amigos ficaram preocupados e lançaram a meia em direção a ela, que partiu em disparada. O velho devolveu a meia (passou ela entre os dedos do pé algumas vezes) e olhando para esta, disse “Isso é o espírito, a verdade, o resto é um martelo de bater bife” e jogou o martelo para cima atingindo a própria cabeça. Os dois olharam o velho desmaiado com os dois pés próximos a nuca e seguiram viagem cada um com sua devida meia (a de Jamyãnn estava mais abençoada). Faltavam aproximadamente duzentos passos para chegarem ao lago verde (verde mesmo!). Chegaram até uma placa dizendo “Vocês saíram de Cannus, agora é o período de seca.” Entraram nesta nova terra meio árida e seus olhos começaram a secar e saltar das órbitas. Cada um colocou sua meia nos olhos e seguiram. Em menos de três passos, suas gargantas ficaram secas, suas orelhas avermelharam, eles começaram a emagrecer muito, Jamyãnn podia agüentar, mas Puzú era pequeno e iria sumir rapidamente. Jamyãnn então disse: “Puzú-titiká, me coma e assim terá mais carne para queimar e agüentará dar os duzentos passos”. Puzú não viu outra alternativa e assim o fez. Ficou enorme e quando chegou no lago tinha voltado ao tamanho normal. Ajoelhou na frente do lago (que era pequeno, do tamanho de uma mesa) e chorou. Um pé de pés surgiu e junto a ele a menina cega e boba. “Me diga o motivo por estar chorando? Você achou o lago.” “Perdi meu amigo” “Esqueça isso... entre no lago e ache o texugo kinineyepi. Tome, leve essa mortadela, talvez precise!” E assim fez Puzú. Mergulhou e logo percebeu um cardume de insetos que passaram dizendo em coro “Isso não é importante” e seguiram viagem. Imagens apareciam com turgidez na água: Um sujeito raspando o sovaco, galinhas com corpo de menino, O Conselho de Firminus, a marmota sorridente comendo frango, uma velha com a orelha inchada, Fgeusça coçando a metade da barriga e a parteira gritando ao olhar para Puzú. Ficou tonto com elas e desmaiou.
Acordou e estava no fundo do lago, onde não havia água, olhou para cima e viu milhares de pirilampos rosas dizendo juntos “não vale a pena, isso não é importante” sentiu o chão macio e percebeu que estava encima do texugo kinineyepi que possuía uma sanfona oito baixos em seu colo. Desceu e estarrecido perguntou-lhe “O que o Deus Gramanny tem a dizer para Firminus?” o texugo nem olhou, permaneceu fixo com o olhar. “Você tem contato com o Deus Gramanny?” o texugo continuou sem responder. Puzú esperou um pouco e perguntou “Você já viu o....” Arrrrrroooooouuuuutttttttt!!!!!!! – o texugo soltou um arroto de trinta e cinco segundos que cheirava a mortadela. Puzú-titika lembrou que carregava uma mortadela no bolso e ofereceu para o texugo. Ele nada fez. Puzú perguntou novamente “Você poderia me dizer o que o Deus Gramanny tem a dizer para minha aldeia” e o texugo nada respondeu. Puzú ficou tão nervoso que jogou a rabeca de Jamyãnn na cabeça do texugo. Saiu do lago, sentou na beira e chorou esperando a menina. Ela não apareceu, ninguém apareceu e ele voltou para a aldeia com um novo corpo, mas sem resposta nenhuma.
Quando estava no meio da mata, próximo de Firminus, após cruzar Cannus, ouviu uma rabeca tocando uma canção bela. Era o velho.